Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 3º inciso III, expressa que um de seus objetivos fundamentais "é o de erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". A proposta aqui especificada tem exatamente este intuito.
Trata-se de um mecanismo para prover uma renda mínima garantida para as pessoas adultas que não conseguirem um patamar definido de rendimentos. Simples na sua concepção, este instrumento tem sido defendido por alguns dos mais conceituados economistas de diferentes tendências, como John Kenneth Galbraith, James Tobin, Milton Friedman, dentre outros. No Brasil, o professor Antonio Maria da Silveira, da Escola de Pós-graduação de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, há mais de dez anos vem defendendo a sua introdução, de maneira original, pois estaria combinada com a injeção de nova moeda na economia, daquela quantidade de moeda que normalmente seria acrescentada para acompanhar o aumento da produção. Também o professor Paul Singer tem proposto ao Partido dos Trabalhadores que seja inserido, em seu programa, o conceito de renda mínima familiar, que tem semelhança com a proposta aqui apresentada.
Da mesma maneira que as pessoas que ganham além de um certo patamar pagam uma proporção de seus rendimentos ao governo, na forma do Imposto de Renda, aquelas que ganham menos passariam a ter o direito de receber uma proporção da diferença, 50%, entre aquele patamar e o seu nível de rendimento. Daí por que o nome Imposto de Renda Negativo.
Vamos supor que o patamar mínimo de rendimento definido seja de Cr$ 45 mil mensais (valor de abril de 1991, daí para frente corrigido pela inflação). Uma pessoa adulta que não obtivesse qualquer rendimento ao mês, por estar desempregada, doente, inválida ou o que quer que seja, teria direito a receber 30% da diferença entre zero e Cr$ 45 mil, portanto Cr$ 13.500 mensais. Se por seu trabalho conseguisse apenas Cr$ 20 mil mensais, teria o direito a receber um complemento igual a 50% da diferença entre Cr$ 45 mil e Cr$ 20 mil, portanto mais Cr$ 12.500. Assim sua renda mensal passaria a ser de Cr$ 32.500. Seria sempre mais vantajoso para a pessoa trabalhar do que não trabalhar.
Uma vantagem do sistema está em dar o direito ao próprio beneficiário de escolher como irá gastar os cruzeiros que recebe, de maneira diferente do que outros mecanismos que visam auxiliar os mais pobres, distribuindo bens ou serviços dos mais diversos. Pois a pessoa, mais do que o administrador governamental, sabe de suas necessidades prioritárias, se prefere gastar em alimentos, material de construção, material escolar para os filhos, num jogo de futebol, numa passagem ou até em numa cerveja.
Uma vez instituído, o Programa de Garantia de Renda Mínima ou Imposto de Renda Negativo poderia substituir outros programas governamentais. Por ser mais abrangente e eficaz, substituiria programas de distribuição de certos tipos de bens como os realizados pela Legião Brasileira de Assistência, freqüentemente vinculados a interesses político-eleitorais.
O Programa de Garantia de Renda Mínima ou do Imposto de Renda Negativo funciona de maneira complementar ao salário-mínimo, tendo algumas vantagens sobre a concepção e funcionamento deste. Muito embora a Constituição diga que o salário-mínimo pago ao trabalhador deve ser "capaz de atender às suas necessidades básicas vitais e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social", o seu valor fixado periodicamente pelo governo tem estado longe de cumprir tais finalidades.
Um aumento brusco do salário-mínimo em direção de poder cumprir o preceito constitucional, tem sido argumentado, poderia acabar sendo frustrado pelas seguintes razões: muitas empresas privadas e públicas, organismos governamentais, especialmente prefeituras nas regiões mais pobres do país, dificilmente teriam condições financeiras de arcar com os custos, o que resultaria em possível aumento de desemprego, particularmente daquelas pessoas cuja contribuição para o aumento do valor da produção fosse considerado abaixo do valor do salário-mínimo fixado; o aumento do custo de salários, se bem acima do ganho em produtividade, poderia causar pressão adicional sobre os preços; o aumento abrupto da massa de salários poderia resultar em aumento conseqüente da procura por bens tipicamente consumidos por assalariados de tal maneira que, se não houver planejado aumento da oferta, resultará também em pressão significativa sobre os preços e/ou em problemas de desabastecimento.
A vantagem da introdução do Programa de Renda Mínima Garantida ou Imposto de Renda Negativo é que não depende da pessoa estar ou não empregada para ter o direito de receber o benefício. É um direito que o cidadão brasileiro passa a ter a partir de uma decisão tomada pelo Congresso Nacional, pela vontade dos representantes do povo que venham a aprovar projeto de lei neste sentido.
Na medida em que estiver bem definida a sua fonte de receita e que esta venha a se realizar, a execução do Programa de Renda Garantida não produzirá pressões inflacionárias, especialmente sobre o custo de produção. Obviamente resultará na criação de um mercado de consumo de baixa renda que poderá incorporar ao mercado de trabalho exatamente a parcela da população que num primeiro momento for beneficiada pelo programa. Isto acarretará um efeito positivo no sentido do aumento da procura por mão-de-obra desqualificada que tem dificuldades de adaptação nos setores modernos de produção, quer por sua baixa especialização (de difícil solução devido à inexistência de formação educacional básica que não pode ser rapidamente formada), quer pela concentração profissional desses setores o que implicaria o deslocamento de novos contingentes populacionais para regiões já adensadas, piorando ainda mais a qualidade de vida nas grandes metrópoles. Há que se levar em conta que um programa desta natureza não seria introduzido senão com a sua previsão no Orçamento da União, com um tempo de pelo menos alguns meses para os agentes econômicos se prepararem para o seu real funcionamento.
Na medida em que o programa tem abrangência nacional, qualquer pessoa que vive na grande ou na pequena cidade, nos estados mais desenvolvidos ou nos mais pobres, perto dos grandes centros ou nas regiões rurais mais longínquas, terá direito ao Imposto de Renda Negativo. Isto terá importante efeito sobre os fluxos de migração no país, propiciando a muitos o direito à sobrevivência sem a necessidade de se deslocar em momentos de desespero por falta total de alternativa.
Sem dúvida, o sistema também aumenta o poder de barganha dos assalariados no mercado de trabalho, na medida em que não precisarão necessariamente se sujeitar a condições repugnantes de emprego, como ainda hoje ocorre em certas regiões do Brasil. São freqüentes as denúncias de trabalho semi-escravo em algumas regiões rurais, particularmente do Norte e Centro-Oeste. Trabalhadores no limiar da condição de sobrevivência são levados para distantes fazendas para lá realizarem trabalhos não condizentes com o oralmente contratado, sendo ameaçados a pagarem suas contas no armazém, maiores do que o valor que teriam direito a receber, com a ameaça de serem mortos se tentassem fugir. Tipicamente, a introdução do mínimo garantido de renda tornaria muito mais difícil tal procedimento.
Os problemas administrativos envolvidos, nestes tempos de informática em que o governo gerencia inúmeros programas complexos como o PIS-Pasep, FGTS, Funrural, Loteria Esportiva, Loto, e da própria arrecadação do Imposto de Renda através da rede bancária são perfeitamente superáveis. Os postos da Empresa de Correios e Telégrafos, em adição à rede bancária, que já são utilizados para inúmeras finalidades, podem também servir na administração do programa.
A questão importante que se coloca é relativa à honestidade das pessoas ao declararem o seu rendimento. Cabe lembrar, entretanto, que não é pelo fato de não se garantir a honestidade absoluta dos que declaram rendimentos para fins de pagamento o Imposto de Renda que se deixa de tributar as pessoas físicas e jurídicas.