Nacional

As especificidades de cada região amazônica não estão previstas nos velhos manuais da luta de classes. Isto pode parecer óbvio, mas existe sempre a tentação de combater a política centralizada do governo com outra igualmente centralizada e superficial

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O PT precisa conhecer o Brasil. Para isso o partido terá que reunir toda sua experiência de onze anos. Não só a experiência da disputa política, mas a experiência social e cultural de milhares de militantes. Municiar-se com esse conhecimento, disseminá-lo na sociedade para que seja traduzido em projetos e ações.

As eleições estaduais de 90 mostraram a necessidade de entrar em particularidades regionais. No necessário estudo de cada caso, podemos expor aquele que conhecemos, o do Acre. Um lugar que a maioria das pessoas tem dificuldade para localizar no mapa - com uma população menor que a de um bairro de uma cidade grande - pode ter alguma importância na definição da estratégia e dos referenciais teóricos do PT?

O Acre é um caso internacional. O que acontece em Xapuri pode ser notícia em Nova Iorque, afetando relações diplomáticas e financeiras. Alguns pedidos de financiamento internacional que tramitam no Congresso Nacional foram submetidos à apreciação de uma reunião de seringueiros.

No Acre, o PT cresceu e passou ao 2º turno da eleição estadual, entre outros fatores, porque não tentou fazer da eleição um rancoroso 3º turno da campanha presidencial. Definiu um eixo regionalista e mostrou um projeto de governo cujos traços essenciais foram tornados visíveis à população.

Finalmente, interessa ao PT a temática básica que o caso do Acre revela e revela: a relação entre desenvolvimento econômico e meio ambiente. O conhecimento dessa questão tem importância, não apenas na definição de um programa de governo, mas também na montagem do arcabouço teórico e conceitual que vai orientar o partido agora e no futuro.

Os estrangeiros

Durante muito tempo sustentou-se, no Brasil, a visão de um "deserto amazônico" que precisava ser ocupado. Esse mito justificou a nova ocupação, nos anos 70, e o transporte para a região de milhares de famílias sem terra do sul do país. Uma concepção de desenvolvimento baseada na expansão da pecuária extensiva, da exploração madeireira e da chamada "fronteira agrícola" se impôs com a força de uma poderosa ideologia. O substrato político era dado pela doutrina militar da Segurança Nacional, sintetizada no slogan "integrar para não entregar". A floresta era apenas um empecilho ao progresso e a própria legislação até hoje considera o desmatamento uma "benfeitoria".

Quando, na década de 80, as pressões ambientalistas e os sucessivos fracassos econômicos forçaram os principais governos e organismos internacionais a considerar o meio ambiente uma questão estratégica, o Brasil foi pego na contramão. Sarney berrou bastante contra o perigo da "internacionalização da Amazônia", até ceder às pressões que aumentaram após o assassinato de Chico Mendes e, ao final de seu mandato, suspender os subsídios e incentivos fiscais à pecuária e decretar várias áreas de proteção ambiental.

A abordagem de Collor, bem a seu estilo, foi ruidosa e espetacular. Dinamitando pistas de pouso no garimpo e colocando o respeitado ecologista Lutzenberger na Secretaria de Meio Ambiente, o governo pretendeu antecipar-se às pressões. Ainda de acordo com seu estilo, no entanto, não colocou sob proteção legal um só hectare de floresta e esvaziou financeira e administrativamente o Incra, o Ibama e a Funai.
Tornado mais sutil o domínio militar na política para a Amazônia e, irreversivelmente, internacionalizado o debate, tudo encontra-se em aberto. A Amazônia é hoje a principal força e a principal fraqueza do Brasil na conferência do Rio em 92, um bilhete de entrada ou um cartão de expulsão do Brasil na "nova ordem internacional" que se esboça.

Parte das mudanças na política nacional e internacional para a Amazônia foi influenciada por acontecimentos no Acre. A luta dos povos da floresta e a importância dos aliados que conquistaram deram mais do que prêmios internacionais a Chico Mendes: ele e o movimento por ele liderado foram postos na condição de agentes de mudanças políticas e de interlocutores nas negociações internacionais. Assim é que o atraso do governo brasileiro na execução de um pequeno programa de defesa ambiental no Acre, o PMACI, faz com que o BID suspenda financiamentos para projetos bem maiores no centro-sul do país. No centro da discussão, está a construção de uma estrada para o Pacífico, cujo impacto ambiental e econômico gera preocupações e expectativas em Tóquio e Nova Iorque.

No Brasil, esse debate é recente. No Acre, já cansou. Para uma parcela dos trabalhadores acreanos, a preocupação com a internacionalização da Amazônia chega a ser risível. Afinal, foram companhias inglesas de navegação que trouxeram os nordestinos para povoarem os seringais, no final do século passado. A produção de borracha, feita num regime pré-capitalista semelhante à escravidão e apropriada no porto de Belém pelo mais avançado capital monopolista, sustentou o desenvolvimento da indústria automobilística na Europa e nos Estados Unidos.

O forte sentimento regionalista que existe no Acre é, portanto, o contraponto de uma internacionalização desde a origem, quando o espanhol Luis Galvez fundou o Estado Independente do Acre (ainda território boliviano) contra os interesses do Bolivian Syndicate americano. Hoje, a tentativa de reorganização da economia extrativista visa, mais uma vez, o mercado internacional. Os seringueiros de Xapuri montaram uma cooperativa com financiamento da Fundação Ford e vendem castanha para os Estados Unidos. Buscam o capital estrangeiro que, afinal, é o único que conhecem.

Mais estrangeiro, no entanto, é o chamado capital nacional, ilustre desconhecido na parte ocidental da Amazônia. O nacional-capitalismo chegou ao Acre com os militares, no início dos anos 70, com facilidades fiscais e empréstimo no banco. Foi apelidado de "paulista". Vinha falando em progresso, usava chapéu e botas de cano longo. Expulsou seringueiros e ateou fogo nos barracos. Matou sindicalistas, derrubou e queimou 15 % da floresta no vale dos rios Acre e Purus, onde se instalou. Não se trata, é claro, de preferir o patrão estrangeiro, mas apenas de mostrar que não se pode conferir título de nacionalidade a um setor de capital apenas porque é atrasado.

Os forasteiros

Até o final dos anos 60 o extrativismo vegetal vivia sua longa decadência. O Acre sonhava com o tempo em que a borracha valia ouro. Rio Branco, a capital do estado, era uma pequena cidade de 35 mil habitantes. Em 1970, o governo do Acre promoveu reuniões para empresários, no sul do país, onde anunciava o maior negócio do século, propiciado pelo baixíssimo preço da terra e pelas condições excepcionais oferecidas pela natureza. Grandes e médios pecuaristas do centro-sul atenderam ao chamado. Foi fácil comprar terras. Com a crise da borracha e a quebra do monopólio comercial nos seringais próximos às estradas recém-abertas, os seringalistas venderam as terras para saldar suas dívidas no Banco da Amazônia. De 1970 a 1974, foram vendidos 5 milhões de hectares, um terço do Acre, para empresas e pessoas do centro-sul do país, algumas com objetivo de instalar fazendas de gado, outras de mera especulação imobiliária.

A primeira fase foi de "limpeza do terreno", ou seja, de expulsão dos seringueiros e derrubada da mata para instalar o pasto. Foram desmatados no Acre, até hoje, aproximadamente 750 mil hectares, 70% para abrigar um rebanho bovino estimado em 400 mil cabeças. Os "paulistas" (que na verdade também vinham do Mato Grosso e Paraná) ocuparam as margens das estradas federais e as áreas próximas às cidades nos vales dos rios Acre e Purus.

A segunda fase da afirmação do modelo pecuarista é o momento da exploração madeireira. Durante dez anos, as áreas desmatadas eram simplesmente queimadas e o comércio de madeiras crescia muito lentamente. A partir de 1980, começa a aumentar o número de serrarias instaladas, que praticamente dobrou a cada ano entre 85 e 88. Note-se que no mesmo período diminui essa atividade em Rondônia, revelando uma "migração" que já havia passado por Mato Grosso.

No ano internacional do mogno, 1987, 80% das serrarias instaladas na região florestal de Rio Branco trabalhavam exclusivamente para atender contratos de exportação para os Estados Unidos e Canadá, que receberam 60 mil m3 de mogno do Acre. O preço do m3 na serraria era de US$ 200. Na América do Norte, US$ 1.100. Por causa da política federal de incentivo à exportação nem um dólar furado foi recolhido de imposto pelo estado do Acre. Em todo o ano, saíram uma média de 17 caminhões por dia, carregados da madeira mais valiosa da floresta tropical.

Não é de admirar que o modelo pecuário-madeireiro seja confundido com "o progresso". Seu impacto mudou a paisagem rural e urbana, junto coma especulação imobiliária. Um forte comércio de equipamentos, máquinas e implementos agropecuários se desenvolveu. A UDR realizou leilões públicos, elegeu deputados, subornou a classe média e comprou metade da imprensa. Em 1988, no período de maior confronto, sentiu-se suficientemente forte para matar Chico Mendes. Alguns de seus aliados reconhecem hoje que pode ter sido um erro de cálculo.

Passados vinte anos, o modelo pecuário-madeireiro fracassou. Isso é claro para quem observa os prejuízos ambientais como a queda da biodiversidade, o empobrecimento do solo, o assoreamento dos rios e igarapés. Hoje, nas áreas mais alteradas, a estação seca traz a convivência com algo antes desconhecido no trópico úmido: o incêndio florestal.

A reação da natureza à pastagem foi surpreendente. Os fazendeiros não conseguem soluções eficazes para o empobrecimento do solo e o ataque das pragas. Mais de trezentos tipos de capim foram utilizados e apenas quatro demonstraram razoável grau de adaptação à região, mesmo assim durante pouco tempo. No pasto degradado ergue-se uma insidiosa vegetação, inóspita e inútil, que, em 1987, já havia avançado sobre 10% da pastagem inicialmente plantada, em uma espécie de vingança da floresta agredida.

O prejuízo social é enorme e difícil igualmente de sanar. Quinze mil famílias de seringueiros buscaram refúgio na Bolívia. Rio Branco, uma cidade com 200 mil habitantes, tem um déficit de 15 mil moradias. A população amontoa-se em favelas sem saneamento, milhares de crianças perambulam pelas ruas. O resultado é a guerra urbana que, em 1989, fez uma morte violenta a cada dois dias.

O modelo pecuário-madeireiro não está preocupado, obviamente, com o meio ambiente e a miséria social. Seu fracasso mais importante é o econômico. Após vinte anos de "desenvolvimento", o estado ainda tem uma arrecadação própria de apenas 20% de seus gastos, prosseguindo em sua dependência quase absoluta dos repasses da União. No setor primário da economia, a arrecadação do ICM mostra quem é quem: a borracha responde por 74% do total arrecadado, a castanha por 13%. Madeira e pecuária, juntas, ficam com apenas 12% (dados de 1987).

O fracasso é tanto maior quando se considera todo o aparato institucional que esteve voltado para apoiar esse modelo. Crédito, incentivos fiscais e subsídios foram tão abundantes quanto os serviços de infra-estrutura oferecidos.

Os nativos

Esse modelo fracassou pela sua inadequação à região Amazônica. Mas o fator determinante foi a oposição de grande parte da população regional. A decadência das velhas oligarquias fez ruir estruturas seculares de dominação. O novo modelo prescindia de gente e queria a terra "limpa". Sem patrão, o povo foi à luta.

O movimento popular viveu também duas fases: resistência e avanço. Na primeira, na década de 70, formaram-se os sindicatos sob a direção da Contag, com a reivindicação básica: posse da terra. Sob a bandeira da Reforma Agrária, os trabalhadores rurais enfrentaram a violência dos pistoleiros e encontraram aliados em setores até então hostis, como a Igreja. Parte da classe média urbana também respondeu com um vigoroso movimento de oposição que fez surgir uma imprensa independente e crítica. O movimento buscou o MDB (Chico Mendes era vereador em Xapuri), mas só encontra vínculos partidários adequados no final da década, quando surgiu o PT.

Em 1976 acontece o primeiro "empate", organizado pelo Sindicato de Brasiléia. Grupos de trabalhadores organizados passam a se defrontar, cada vez mais, com peões de derrubadas e com pistoleiros. O movimento se espalha no vale do rio Acre. Quando Wilson Pinheiro, a principal liderança nessa fase, é assassinado em Brasiléia, no início dos anos 80, Chico Mendes iniciava seu primeiro mandato na presidência do Sindicato Xapuri.

A luta pela terra revela limites. Os projetos de assentamento do Incra distribuem lotes de 80 hectares para imigrantes. Ao seringueiro, acostumado à vida na floresta, a "terra, cortada" não serve. Ele quer permanecer na "colocação" que lhe proporciona pesca e caça e onde pode praticar a agricultura numa escala que permite a recuperação da floresta.

É essa noção de floresta como valor fundamental, ao invés da terra, que possibilita a passagem para uma segunda fase do movimento, com um avanço expresso na elaboração de uma proposta alternativa. O movimento dos seringueiros tem que beber na fonte da cultura indígena para isso acontecer.

Desde 1976, os povos indígenas vivem também uma nova fase na sua existência. Os Kaxinauás costumam dividir a história de seu contato com os cariús (brancos) em três tempos. Primeiro é o tempo das correrias, em que foram perseguidos e massacrados nas aldeias. Depois o tempo do cativeiro, no qual vivem como escravos dos patrões seringalistas e, desaldeados, aprendem a viver como seringueiros. Finalmente, o tempo dos direitos, em que expulsam os cariús, reagrupam-se e passam a tocar por conta própria seus seringais. Nesse tempo, descobrem que têm direito à demarcação de suas terras e passam a lutar por isso. Realizam assembléias de lideranças, organizam a União das Nações Indígenas, viajam a Brasília, invadem diversas vezes a delegacia da Funai em Rio Branco. Descobrem, através do auxílio da Comissão Pró-índio do Acre, um instrumento fundamental para sua luta: a cooperativa, ou "cantina", com a qual eliminam os intermediários entre sua produção e o comércio nas cidades. Rapidamente, os projetos econômicos, que passam a fazer parte do vocabulário das aldeias, transformam-se em projetos de educação.

É no exemplo dessa nova Reserva Indígena, com serviços sociais autogestionários, que os seringueiros vão buscar o modelo para sua proposta de Reserva Extrativista, na qual propõem a superação do binômio castanha-borracha por uma economia florestal diversificada e moderna. Em 1985, com formação do Conselho Nacional de Seringueiros, a proposta está amadurecida e começa a ganhar a simpatia de cientistas e ambientalistas no Brasil e no exterior. Em Xapuri, o Centro de Trabalhadores da Amazônia executa o Projeto Seringueiro, criando escolas, postos de saúde e as primeiras tentativas de organizar uma cooperativa.

Antes do final da década, seringueiros e índios formalizam a Aliança dos Povos da Floresta, pondo fim à inimizade do tempo da imigração nordestina e unindo forças contra os latifundiários. A partir de então, o contato com as organizações ambientalistas dos EUA e Europa dão ao movimento a importância internacional que lhe permite contestar o modelo de desenvolvimento econômico imposto à Amazônia e elaborar propostas alternativas. O movimento, num momento crucial de enfrentamento, perde com o assassinato de Chico Mendes, sua principal liderança. Para acelerar a formação de novas lideranças, capazes de manter e ampliar os laços de solidariedade nacional e internacional que já se haviam constituído, foi necessário um grande esforço adicional.

Hoje a "República do Acre" envia seus embaixadores, lideranças dos povos da floresta, a reuniões com as mais diferentes organizações de vários países. Nos últimos quatro anos, mais de quarenta delegações estrangeiras, governamentais ou não, estiveram no Acre para se reunirem com as entidades do movimento. O mesmo Canadá que comprou mogno dos madeireiros, em 1987, financia, hoje, um programa de 10 milhões de dólares para Reservas Extrativistas.

O patrimônio maior do movimento, no entanto, é a conquista de um terço da área do Acre: 2 milhões de hectares de Reservas Extrativistas, 2 milhões em áreas indígenas, um milhão em projetos de assentamento agrícola. Embora a política do governo adie a demarcação, a regularização fundiária e a assistência técnica e entregue estas áreas à sua própria sorte, há a esperança de que o movimento, que as conquistou, tenha capacidade de mantê-las e nelas realizar os seus projetos.

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O desenvolvimento do movimento dos trabalhadores no Acre, em especial dos Povos da Floresta, realizou um "empate" contra o modelo pecuário-madeireiro. Uma luta de classes? Certamente sim, mas há algo mais. Fazendeiros e seringueiros não disputam o mesmo capital, nem estão unidos pelos mesmos meios de produção. Ao contrário, a pecuária avançou destruindo os meios de produção do extrativismo e, não se apropriando deles. Embora possam conviver ocupando espaços diferentes, quando realizados em larga escala, são excludentes.

Para a guerra travada, nos últimos vinte anos, foram mobilizadas as forças mais diversas, entre as quais o sentimento regionalista e as várias formas de resistência cultural.

O resultado da eleição estadual é didático. O PT, representante do movimento dos trabalhadores, cresceu na campanha polarizando com o candidato da UDR. Venceu e passou ao 2º turno, no qual foi derrotado por um PDS que soube ocultar o apoio da UDR e se apresentar como força do "centro", sem descuidar da imagem regionalista sem a qual não se ganha eleição no Acre. A velha oligarquia retorna ao poder, com suas bases corroídas pelo tempo e pela nova realidade econômica e social.

"Empatado", no sentido seringueiro, está o Acre. O extrativismo tradicional dos seringalistas está nas últimas. O modelo pecuário-madeireiro, que o substituiria, já não conta com as facilidades institucionais, suspensas, no mínimo, até a ECO-92. Sem investimentos, sem rumo, o estado não afirma nenhum modelo ou alternativa, enquanto o comércio e a indústria incipiente apenas procuram sobreviver ao quadro recessivo nacional.

O quadro permanecerá sem alterações profundas, por mais firulas políticas que o governo estadual invente, até que um novo modelo se imponha e se desenvolva. O novo modelo é o que foi apresentado pelo PT na campanha do ano passado: desenvolvimento econômico baseado no uso inteligente dos recursos naturais, governo popular participativo e atendimento das demandas sociais básicas.

Conclusões

Da experiência desse período podemos extrair os temas que se impõem à reflexão no interior do partido. Entendemos que o PT deve conhecer e compreender o debate internacional sobre a Amazônia. Não pagara Dívida Externa, por exemplo, não seria um dogma que nos impede de conhecer as propostas de conversão da dívida em projetos de proteção ambiental? Quem poderá fazê-lo, sem participar do debate de alternativas atualmente apresentadas, no qual estão se construindo novas relações internacionais?

Os interlocutores deste debate, além de governos e bancos, são organismos que trabalham com programas de cooperação em desenvolvimento econômico, meio ambiente, ciência e tecnologia. Estabelecem relações capazes de criar novas linhas de comércio, mercados para novos produtos, recuperação de áreas degradadas, apoio a populações marginalizadas, enfim, elementos de uma nova ordem internacional, cujo nascimento deve interessar a quem tenha a pretensão de governar o Brasil.

Ampliar a compreensão das relações, em que se constrói um novo internacionalismo, exige, em contrapartida, a ampliação do número de interlocutores nacionais. Há uma sociedade civil complexa e inquieta. Na definição do Programa de Governo para as eleições estaduais no ano passado, realizamos um seminário com conferencistas de todo tipo: gente do governo, técnicos sem partido, empresários etc. Não se trata de tentar convencer ou de ser convencido, mas de conversar. Ter interlocutores qualificados na mesa da sociedade.

Na Amazônia, onde nos confrontamos com especificidades regionais, não previstas nos velhos manuais da luta de classes, temos que inventar. Aziz Nacib Ab'Saber, coordenador de Meio Ambiente do Governo Paralelo, que oferece uma excelente contribuição na discussão sobre a região, já chama atenção para a existência de várias "amazônias", pela diversidade de ecossistemas em uma floresta que parece homogênea. Igualmente diversas são as situações sociais, econômicas, culturais e políticas. Isso pode parecer óbvio, mas existe sempre uma tentação de combater a política centralizada do governo com outra igualmente centralizada e superficial. Palavras-de-ordem como "reforma agrária sob controle dos trabalhadores" ou "terra para quem nela trabalha" podem ser, em algumas áreas da Amazônia, vazias de significado e ineficazes. Já uma formulação recente e bastante complexa, a Reserva Extrativista, mobiliza milhares de trabalhadores para a luta.

No caso do Acre, as particularidades locais, além de tudo, deram origem a um forte sentimento regionalista. Ele foi um dos elementos centrais da campanha do PT no ano passado. Reconhecê-lo como um legítimo sentimento de defesa, de afirmação da identidade cultural, não foi tarefa difícil por um motivo simples: ele está na base da resistência que o povo acreano opôs à UDR e ao modelo baseado na pecuária.

O PT deve defender o caráter pluriétnico do povo brasileiro. No Acre, temos doze nações indígenas, diferentes entre si na língua, nos costumes, na visão de mundo. Toda a sociedade regional está marcada pela diversidade de etnias, costumes, religiões e línguas. Não há de ser o PT quem vai tentar lhe impor uma padronização ideológica.

Ecologia é outra palavra que devemos aprender a pronunciar com respeito. O partido, como espaço de reflexão popular para a prática, pode reunir as experiências da sociedade, não para transformá-las em dogmas ideológicos, mas para ampliá-las em sua ação transformadora. Isso significa reconhecer a legitimidade de diferentes abordagens com diferentes origens. Conquistar aliados entre ambientalistas, cientistas, militantes de organizações internacionais, que tentam realizar a superação da sociedade industrial pela descoberta de formas alternativas na agricultura, energia, medicina, transporte. Ao mesmo tempo, aprender com índios e seringueiros a ver a floresta como um organismo vivo, mais que uma soma de metros cúbicos de madeira.

É importante seguir na trilha aberta por Chico Mendes, que teve o mérito de retirar o debate ecológico da estratosfera. Mostrar as implicações sociais, econômicas e políticas da devastação, o drama das populações e a sua luta. E, sobretudo, não fazer disso uma disputa estéril entre "verdes" e "vermelhos", mas se enriquecer com as abordagens diferentes.

Devemos saber trabalhar com o conceito de "desenvolvimento sustentado" (relatório Nosso Futuro Comum, ONU, 1976). Na Amazônia, é urgente a definição de um modelo econômico que garanta os recursos naturais e a qualidade de vida. Esse tema é central para a intervenção do PT, na preparação da Conferência ECO-92. Nos interessa debater as relações econômicas que possibilitam a devastação, o controle sobre as matérias-primas, o impacto da Dívida Externa na utilização dos recursos naturais.

Além dessas conclusões gerais, temos uma infinidade de experiências de intervenção prática que precisamos discutir. O movimento dos trabalhadores gerou, no Acre, formas de luta que nos induzem a uma nova concepção de tática e estratégia. A mais conhecida é a do "empate", em que um grupo de seringueiros impede, organizadamente, a derrubada da floresta. Essa ação recupera noções de desobediência civil e de autodefesa que ultrapassam as formas reivindicativas de movimento popular.

A constituição das Organizações Não-Governamentais, ONGs, cujo trabalho deve ser referência constante do PT, situa-se num grau mais avançado. Após anos de autoritarismo, a sociedade constrói os meios de gerir sua vida. A educação popular e o posto de saúde comunitário, longe de se constituírem em assistencialismo, são os primeiros elementos de autogestão de uma nova sociedade que se quer construir. A atitude meramente reivindicativa, de exigir que o Estado cumpra com suas obrigações constitucionais, pode muitas vezes levar comunidades inteiras a uma atitude passiva, no interior da qual se reafirma um atrasado estatismo de feição patriarcal, esse sim assistencialista.

A presença dessas novas organizações revela, ainda, a possibilidade de superar o corporativismo tão enraizado na sociedade brasileira. O surgimento de comissões, conselhos, centros, grupos, a variedade de seus públicos específicos e a criatividade das suas soluções intermedeia novas formas de relacionamento com o Estado, em que não recai sobre as comunidades o peso da burocracia, da lentidão administrativa, da inadequação das instituições às necessidades do trabalho comunitário.

O trabalho das ONGs e o apoio internacional dado aos Povos da Floresta têm nos obrigado ainda a reconhecer a importância da ciência e da tecnologia na elaboração de nossas propostas para a sociedade. O PT do Acre tem procurado apoiar-se na qualidade técnica. É importante manter o contato com os técnicos e cientistas, com as instituições, mesmo as do Estado.

As formas de luta econômica, das quais a cooperativa é o modelo básico, são importantíssimas. Essas experiências de autogestão são imprescindíveis e devemos fazer o possível para apoiá-las. Elas completam o sentido da luta geral por preços, salários e direitos sociais. Agora mesmo, os seringueiros mobilizam seus aliados e a bancada do PT no Congresso Nacional para a aprovação da legislação para as áreas extrativistas. Em sua proposta, fica mantida, por mais quinze anos, a taxa sobre a importação de borracha, e regulamentada a utilização dos seus recursos. Esse é o prazo mínimo para que as Reservas Extrativistas se consolidem, as experiências de diversificação da produção florestal dêem resultados e as novas tecnologias sejam assimiladas.

Jorge Viana é engenheiro florestal, membro da Executiva Nacional do PT e foi candidato a governador do Acre, em 1990. Antonio Alves é jornalista e militante do PT.

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