Sociedade

O avanço registrado nos últimos 20 anos na área de tecnologias da reprodução não resolveu a maioria dos problemas relacionados à contracepção. Os métodos disponíveis não levam em conta questões culturais, emocionais ou mesmo de saúde.

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As mulheres correspondem, no Brasil, a 63,3 milhões de habitantes, ou seja, 50,4% da população. Em 1985, elas eram 33,3 % do total de pessoas ocupadas e esse dado subiu para 45,5 %, em 1989. O crescimento da atividade feminina deve-se basicamente ao brutal rebaixamento dos salários reais, obrigando mulheres e crianças a trabalharem como assalariadas; ao crescimento dos empregos que utilizam mão-de-obra feminina e à mudança de comportamento das mulheres em relação à sua independência financeira.

Apesar do aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, persiste uma enorme discriminação: 58% das mulheres que trabalham ganham entre 0 e 1 salário mínimo; apenas 7,2% ganham mais de 5 salários mínimos enquanto 16,5 % dos homens encontram-se nesta faixa salarial.

Em relação à questão da saúde, os dados não mostram uma situação mais animadora. Avaliação feita em 1989 pelo Ministério da Saúde revela que o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM - não só não foi implantado na grande maioria dos estados, como tem havido um descenso, exceção feita a São Paulo, onde o Programa conseguiu atingir maior efetividade.
A falta de compromisso do governo com a saúde da população em geral e da mulher em especial tem trazido graves conseqüências:

  • 52 % das mulheres brasileiras engravidam antes dos 22 anos, levando a altos índices de aborto provocado e a uma das mais elevadas taxas de mortalidade materna na América Latina: 220 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos; a esterilização, apesar de ilegal, é um recurso adotado por 44% das mulheres casadas ou unidas, na faixa de 14 a 54 anos, que fazem uso de algum método anticoncepcional; em 1989, nos hospitais da rede do município de São Paulo, o número de mulheres atendidas em trabalho de parto foi igual ao número de atendimentos por aborto provocado. Em 1990, este atendimento aumentou, chegando a ultrapassar o número de partos.
  • a principal causa de morte no primeiro ano de vida no município de São Paulo são as lesões ao nascer. Este dado demonstra a péssima qualidade dos serviços de saúde, onde predomina um índice de mais de 95 % de partos hospitalares, sendo de 50 a 60% a proporção de cesáreas;
  • a rede pública de saúde do município de São Paulo - nos níveis federal, estadual e municipal - atende apenas 27 % da população. Os demais ficam à mercê dos hospitais privados e conveniados, onde os interesses econômicos se sobrepõem à qualidade da atenção prestada aos usuários.
    A análise dos dados IBGE/PNAD mostra que a taxa de fertilidade do Brasil baixou de 5,7 filhos por mulher em 1970, para 4,3 em 1980 e 3,3 em 1985; o crescimento populacional por sua vez caiu de 2,9% ao ano, 1960, para 1,8% no período de 1985-1990.

Alguns fatores podem explicar a queda desta taxa, como, por exemplo, o uso de anticoncepcionais, a prática do aborto, e, especialmente, o recurso à esterilização, não afastando aspectos sociais como a inserção da mulher no mercado de trabalho e programas voltados para o controle da natalidade introduzidos no país a partir da década de 60.

Na ausência de uma política oficial na área de direitos reprodutivos, a contracepção passou a ser controlada sobretudo pelas companhias farmacêuticas multinacionais, pela rede privada, pela medicina de grupo e por instituições de planejamento familiar cuja prática orienta-se por uma ética duvidosa.

Métodos anticoncepcionais no Brasil

O avanço registrado nos últimos vinte anos na área de tecnologias da reprodução não resolveu a maioria dos problemas relacionados ao uso dos métodos, tais como eficácia, inocuidade, reversibilidade, custo acessível e facilidade de uso.

Os métodos disponíveis são quase todos testados e utilizados no corpo das mulheres, sobre o qual a indústria farmacêutica e a medicina exercem o poder de decidir o que é melhor, sem levar em conta, muitas vezes, questões emocionais, culturais ou mesmo de saúde. As mulheres sempre estiveram mais motivadas que os homens para aceitar os riscos da contracepção, porque a responsabilidade da gravidez, do parto, do aborto e do cuidado das crianças recai principalmente sobre elas.

A elevada proporção do uso de métodos contraceptivos no Brasil é comparável à dos países mais desenvolvidos, embora apresente características completamente diferentes: é centrada no uso de métodos de alta tecnologia, como a esterilização, e de anticoncepcionais orais. Existe ainda o fato do uso inadequado desses métodos por muitas das usuárias.

As diferenças assinaladas estão relacionadas mais às políticas de população e de saúde adotadas numa e noutra região do que aos avanços da tecnologia, tendo como agravante os valores sociais.

A falta de alternativas anticoncepcionais faz com que as mulheres optem por métodos definitivos como a laqueadura tubária. Nos países desenvolvidos, 41 % das mulheres que usam algum contraceptivo preferem outros métodos aos considerados de eficácia máxima (pílula, esterilização, DIU). No Brasil essa porcentagem corresponde a apenas 12% e freqüentemente ouvimos, como justificativa, que esses métodos são impróprios para homens e mulheres do Terceiro Mundo, devido a sua "baixa eficácia e grau de aceitação".

Grande parte das esterilizações femininas foi realizada em hospitais, clínicas ou consultórios privados, vindo, em seguida, as unidades de saúde pública do lnamps ou conveniadas. Os postos mais conhecidos como "clínicas de esterilização" realizaram apenas 0,7% das esterilizações.

E o que fazer com as mulheres laqueadas que se arrependem da cirurgia? Entre as mulheres laqueadas com menos de 22 anos, existe um índice de arrependimento de 50%.

Com relação aos anticoncepcionais orais, pesquisas realizadas na última década, no Brasil, indicam que são amplamente utilizados pelas brasileiras. Apesar disso, existe uma alta porcentagem de mulheres que os utilizam inadequadamente.

O grupo de trabalho da Unicamp realizou o "Estudo do uso da pílula no Brasil" e concluiu que "se fossem aplicados os critérios para prescrição da pílula utilizados em diversos países europeus, como Suécia e Inglaterra, quase a metade das mulheres que atualmente usam a pílula não estariam usando".

Um indicador do uso inadequado da pílula são as percentagens de mulheres que a ela recorrem, na idade em que os seus riscos aumentam extraordinariamente, especialmente quando associados a outros fatores, como o fumo.

As usuárias da pílula têm livre acesso às farmácias para a compra sem receita ou qualquer outra indicação prévia.

Um exemplo da falta de democratização no uso dos métodos é a ausência quase total do diafragma, não só na rede pública de Saúde como nos serviços privados. Levantamento realizado na rede estadual de Saúde, entre as usuárias de métodos encontrou apenas 0,06% usando o diafragma. Na maioria das pesquisas sobre o uso de métodos anticoncepcionais no Brasil ele não é sequer mencionado.

Isso se dá por várias razões. O diafragma é considerado, tanto pelos planejadores de saúde como pelos ginecologistas, como um método de baixa eficácia e aceitabilidade reduzida. Soma-se a isso o preconceito de que as mulheres da periferia não têm capacidade para aprender a usar a diafragma e que suas precárias condições de vida e higiene dificultariam ainda mais seu uso. O fato é que a grande maioria dos ginecologistas não tem formação para prescrever um método anticoncepcional e ainda menos para medir o diafragma.

A experiência do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, onde 48% das usuárias ganham menos de três salários mínimos, permite afirmar que, para uma mulher da periferia, usar diafragma é mais fácil do que usar pílula ou condom, cujo uso depende principalmente do homem.

Entre as usuárias do Coletivo que fazem contracepção, 55% utilizam o diafragma, perfazendo um total de quatrocentas mulheres. O Coletivo é um centro de referência para medir diafragma. Além de uma demanda espontânea, que procura o serviço pela qualidade do atendimento, existe a demanda de mulheres que são encaminhadas por outros serviços que não oferecem o diafragma e a de profissionais de saúde que necessitam deste treinamento.

Outro fator importante no uso do diafragma é a "simpatia" que as trabalhadoras do serviço têm por este método, o que certamente interfere na escolha. Isso não significa absolutamente que as mulheres não tenham acesso à informação sobre outros métodos anticoncepcionais, nem que sejam obrigadas a usar o diafragma. O encaminhamento que é dado à questão da contracepção permite que muitas mulheres possam escolher um método menos nocivo à saúde, o que lhes confere uma autonomia em relação aos serviços médicos e, ao mesmo tempo, possibilita- lhes trabalharem a sexualidade e o conhecimento do corpo.

A maior parte da distribuição de anticoncepcionais no Brasil é feita por serviços privados e farmácias. A ausência do Estado, que não cumpre sua responsabilidade de provedor dos serviços de saúde, deixa espaço para entidades privadas de planejamento familiar que atuam sobretudo com fins controlistas.

Quanto ao aborto, apesar de não ser considerado como um método contraceptivo, muito tem contribuído para a queda da fecundidade. Estima-se que ocorra uma média de 2 a 3 milhões de abortos provocados por ano e que seja esta a terceira causa de morte materna no país. O aborto também tem exercido um papel importante nas elevadas taxas de esterilização. Muitas mulheres afirmam ter feito cirurgia porque os métodos anticoncepcionais utilizados falharam e elas não desejam passar pela experiência de mais um aborto.

Nos últimos dois anos deu-se no Brasil o boom do Citotec, obtido nas farmácias sem receita médica. Esta droga tem mais de 80 % de efetividade em provocar o aborto e está sendo usada de maneira indiscriminada por mulheres de diversos níveis sociais, apesar de apresentar numerosos efeitos colaterais.

Mesmo clandestino, o aborto é uma prática acessível e relativamente segura, do ponto de vista médico, para as mulheres de maior poder aquisitivo. Isso não significa que essas mulheres não passem por situações de violência e riscos para a saúde, gerados pela própria clandestinidade. Vale lembrar que, no Brasil, o aborto é permitido apenas nos casos de gravidez resultante de estupro, ou de risco de vida da mãe, situações já atendidas no Hospital do Jabaquara, em São Paulo.

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Escolha de métodos

O método anticoncepcional perfeito deveria ser 100% eficaz, totalmente seguro, disponível para qualquer pessoa, barato, completamente isento de efeitos colaterais, reversível e fácil de usar. Não deveria, além disso, interferir na vida sexual. Infelizmente, tal método não existe, havendo vantagens e desvantagens para cada um dos métodos hoje disponíveis.

Apesar dessas dificuldades, alguns critérios devem ser considerados quando se trata de escolher os métodos que serão introduzidos em programas de planejamento familiar. São critérios intrínsecos aos métodos: eficácia, reversibilidade, custo acessível e facilidade de uso.

A relação custo/benefício, na qual os provedores de serviços se baseiam para a escolha do método, quase não leva em conta a inocuidade, isto é, seus efeitos colaterais.

As mulheres começam a valorizar a inocuidade como um critério importante para a escolha de um contraceptivo. Muitas delas optaram pela esterilização, referindo que a pílula lhes trazia muitos problemas de saúde. Em que pese nesta afirmação a falta de opção por outros métodos e o uso inadequado da pílula, esta é uma questão freqüentemente minimizada. As queixas sobre os efeitos colaterais dos métodos nem sempre são ouvidas, ou não se atribui a elas a devida importância, o que acaba por reduzir a aceitabilidade do método.
Pesquisa realizada pelo SOS-Corpo de Recife sobre o uso do diafragma por mulheres de baixa renda enfatiza a inocuidade como a vantagem principal do uso do diafragma.

Apesar disso, a primeira questão considerada pelos provedores de serviços na escolha de um método é a eficácia. Privilegiam-se, nos países do Terceiro Mundo, os métodos de alta tecnologia, como o DIU, a Depro-Provera e a esterilização. Freqüentemente utiliza-se o argumento de que é preferível correr riscos com o uso desses contraceptivos do que arriscar a própria vida em partos sem assistência médica, ou que, dada a precariedade dessa assistência, é preferível usar métodos que impliquem assistência médica menos freqüente.

Considerar somente a eficácia como critério importante para a indicação de um método coloca a seguinte questão: até que ponto os riscos são os mesmos para as mulheres dos países desenvolvidos e as mulheres dos países subdesenvolvidos. Vale lembrar que, nestes últimos, a qualidade de vida é precária: desnutrição, doenças infecciosas, falta de informação, dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Some-se a isso a inadequação da maioria das pesquisas sobre efeitos colaterais e riscos potenciais das pílulas, já que em geral foram realizadas com mulheres de países desenvolvidos. A mesma inadequação pode ser detectada nas pesquisas sobre a relação entre o uso do DIU e doenças sexualmente transmissíveis.

Para as mulheres que correm risco de vida com a gravidez ou com o aborto clandestino, a indicação do método deverá recair sobre um dos que possui menor índice de falha, aliado à escolha da mulher. Pode-se ainda recorrer à combinação de dois métodos, como, por exemplo, DIU e camisinha, diafragma e camisinha ou outras variações.

Pode acontecer que determinado método não cause nenhum problema de saúde ou seja considerado de alta eficácia, mas não se adapte às características pessoais da mulher, tornando seu uso difícil.

A intolerância psicológica e cultural a determinados métodos pode ser a maior causa do fracasso no uso de um método, levando a mulher a decidir-se pelo recurso definitivo da esterilização.

É importante considerar o custo dos diferentes métodos. Alguns deles são caros porque são importados, já que o similar nacional apresenta problemas de qualidade e difícil acesso. Outros, embora sejam relativamente baratos exigem acompanhamento médico. Para a maioria das mulheres esse é um fator que encarece o seu uso.

Além desses critérios habitualmente considerados e que dizem respeito às características intrínsecas dos métodos, também são importantes os critérios que se referem diretamente às usuárias: estado de saúde, condições econômicas, a fase e o estilo de vida, padrões de comportamento sexual, simpatia pelo método, grau de confiança e motivação para usá-lo.

Outros dois critérios fundamentais para expandir o uso de métodos anticoncepcionais no Brasil devem ser considerados: informação e possibilidade de escolha.

Para que as usuárias possam exercer o direito à livre escolha, com conhecimento de causa, devem ser oferecidas condições básicas como:

  • acesso a serviços de saúde de boa qualidade;
  • informação sobre todos os métodos anticoncepcionais existentes, suas indicações, contra-indicações, efeitos secundários etc;
  • garantia de acesso a esses métodos, com controle e seguimento das usuárias;
  • garantia de que a decisão da usuária será respeitada pelo serviço de saúde.

Os mecanismos de distribuição de métodos anticoncepcionais podem afetar a aceitabilidade da contracepção e geralmente a escolha do método tem uma interação com todas as características dos serviços.

Determinados grupos populacionais, como adolescentes, mulheres de baixa renda, analfabetas, multíparas, têm determinadas necessidades específicas de saúde e contracepção que devem ser atendidas, através de ações específicas, dentro de um programa de atenção integral.

As necessidades anticoncepcionais de cada mulher variam de acordo com a cultura, o meio social, o ritmo e estilo de vida. Embora a escolha de um método seja um processo racional, envolve outros fatores não racionais, como a sexualidade, os sentimentos e os medos.

Muitos estudos enfatizam a humanização do atendimento como parte integrante dos serviços de saúde, particularmente os de planejamento familiar. Isso significa sobretudo respeito à usuária e aos seus valores culturais, sexuais, religiosos, entre outros.

No ambulatório do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, o índice de retorno às consultas é de aproximadamente 80%, quando a média para os serviços privados está em torno de 60% . O alto índice, deve-se, basicamente, à qualidade do atendimento que é prestado. A relação das trabalhadoras com as usuárias é um dos fatores determinantes para a adesão ao serviço.

Nos sistemas de distribuição alguns fatores influenciam a escolha e continuidade de um método contraceptivo pela mulheres:

  • acesso e aceitação dos provedores de serviços - se são homens ou mulheres, se têm formação cultural ou educacional compatíveis com o cliente;
  • ausência de constrangimentos sociais, custos elevados ou viagem;
  • o local do serviço, sua aparência, seus objetos únicos ou múltiplos;
  • o tipo de cooperação esperada do parceiro;
  • informações sobre a gama de métodos disponíveis, efeitos colaterais e seu modo de usar e reforço das mensagens com materiais de divulgação (texto e imagens);
  • habilidade no uso de técnicas clínicas, ausência de dor e o preparo da cliente para qualquer exame;
  • acompanhamento dos clientes e retorno das informações.
    Somam-se outros atributos que contemplam o conceito de saúde integral: existência de uma equipe multiprofissional que descentralize o atendimento da figura do médico e de um "espaço de fala" para que as mulheres possam expressar dúvidas, medos, ansiedades. Os grupos de reflexão, conduzidos por trabalhadoras, podem cumprir esse papel.

A existência de um local, no serviço, onde as mulheres possam deixar, com tranqüilidade, as crianças e a garantia de privacidade também determinam um bom atendimento.

Relação custo/benefício

Existem alguns métodos que vêm sendo utilizados em outros países, com resultados satisfatórios. No entanto, no Brasil, seu uso poderá significar risco, como por exemplo, o dispositivo RU-486. Existem, ainda, métodos que apresentam menores riscos à saúde, e que são poucos conhecidos, pouco utilizados ou mesmo de difícil acesso, como a capa cervical, o diafragma, e até mesmo o condom.
Outros métodos têm eficácia elevada, porém sua distribuição foi acompanhada de uma controvérsia que persiste há anos.

A introdução de alguns desses métodos pode beneficiar um número razoável de mulheres, desde que obedecidos os critérios de informação correta sobre indicações, contra-indicações, efeitos colaterais e acompanhamento e controle das usuárias.

Como garantir esses critérios, com um sistema de saúde precário, onde predominam os serviços privados de planejamento familiar e onde o nível de conhecimento das mulheres não lhes permite uma efetiva escolha e controle sobre o método utilizado?

A relação custo/benefício no uso de um método anticoncepcional varia de acordo com o método escolhido e as características individuais das usuárias. Os riscos não são somente de morte, mas, principalmente, de ficar doente, em graus variados, dependendo do agravo à saúde sofrido pela mulher. Um dispositivo infra-uterino pode ser um excelente método para certas mulheres, desde que tenha uma correta indicação. Para algumas mulheres do Terceiro Mundo, no entanto, pode não ser uma boa escolha. Um critério importante para o uso deste método, é o fácil acesso aos serviços de saúde de boa qualidade, o que por si só já inviabiliza o uso para grande parte dessa população. Isso sem levar em conta fatores de risco já existentes como anemia, aumento de doenças sexualmente transmissíveis, infecções vaginais, doença inflamatória pélvica, entre outros.

Métodos injetáveis, como a Depro-Provera, geraram controvérsias em torno da gravidade dos efeitos colaterais, e dos riscos potenciais da droga, da freqüência com que ocorrem e da duração destes efeitos.

Existem, ainda, questões políticas e ideológicas relacionadas ao abuso no emprego da droga. Devido à facilidade de administração e eficácia, a Depro-Provera tem sido largamente utilizada em programas de controle de natalidade, principalmente em países do Terceiro Mundo, onde as mulheres carecem de informações sobre outros métodos e de assistência médica de boa qualidade.

Tanto a Depro-Provera como os injetáveis mensais são vendidos livremente nas farmácias no Brasil, sem nenhum controle médico, refletindo uma ausência de política de controle de medicamentos por parte do governo.

Em relação aos implantes - no caso o Norplant - existiu uma controvérsia semelhante à dos métodos injetáveis. A realização das pesquisas foi suspensa pelo Dimed (Divisão Nacional de Vigilância Sanitária e Medicamentos do Ministério da Saúde), em 1986, alegando problemas com o protocolo. O movimento de mulheres organizado que trabalha com saúde fez protestos contra a continuação da pesquisa, argumentando tratar-se de um método de alta tecnologia, cujos efeitos colaterais eram desconhecidos na época, além de poder gerar abusos no seu uso uma vez que a dependência das mulheres em relação ao provedor para a retirada era total.

Os efeitos colaterais, mesmo que sejam considerados como de baixa gravidade - alteração do ciclo menstrual, amenorréia, dores de cabeça, náuseas, depressão - devem ser levados em conta como questões importantes para a saúde mental e física das mulheres.

O medicamento RU-486 não se encontra disponível no mercado brasileiro. Aprecio o fato de que as pesquisas se realizem nos países desenvolvidos onde o controle sobre as pesquisas é mais rigoroso. Esse medicamento poderá representar um grande desafio na batalha pelo aborto e um avanço em relação às leis onde este é ilegal.

Apesar de existir um número crescente de informações científicas sobre o RU-486, mais estudos são necessários para esclarecer questões que dizem respeito à inocuidade e eficácia, bem como a dados comparativos com o aborto cirúrgico.

Em pequeno estudo realizado na França, através de entrevistas com mulheres que usaram o RU-486, a maioria afirmou que a escolha deveu-se ao fato de não ser um método cirúrgico e à "suavidade" do medicamento. Todas as mulheres descreveram a relação com o profissional médico como sendo mais positiva e a maioria pensa que a culpabilidade do aborto com o RU-486 é menor do que com a aspiração.
Outro estudo conclui que, apesar das vantagens do ponto de vista médico, um aborto realizado através de medicamento é mais difícil do que um aborto cirúrgico.

Considerando que o mercado paralelo de medicamentos é uma realidade nos países em desenvolvimento, é importante ampliar a informação sobre esse método para o maior número possível de mulheres, antes que a droga chegue através do mercado paralelo, para reduzir os possíveis danos que causaria.

É fundamental, que ao ingerir o RU-486, as mulheres tenham um acompanhamento e controle do que possa lhes acontecer.
Quanto ao padrão de uso de métodos contraceptivos, a maior desigualdade se observa entre homens e mulheres na divisão da responsabilidade e dos riscos associados à reprodução. Nos países latino-americanos e do Caribe, em 80% dos casos, essa responsabilidade recai sobre a mulher.

Pesquisas devem ser iniciadas sobre a utilização das plantas e ervas na contracepção feminina e masculina. Clínicas de mulheres, como o "Dispensaire des Femmes" de Genebra e o "Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde" vêm desenvolvendo experiências interessantes com o uso de plantas em doenças que necessitam tratamento com hormônios sintéticos.

Há centenas de anos, os índios da América Latina usam plantas como meios curativos e como métodos contraceptivos. Evidentemente, as indústrias farmacêuticas não aceitariam facilmente abrir mão dos imensos lucros conferidos por alguns métodos contraceptivos, mesmo que à custa da saúde das mulheres. As investigações nesta área trarão importantes contribuições para a contracepção.

Maria José de Oliveira Araújo é membro do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e Coordenadora do Programa de Saúde da Mulher da Prefeitura de São Paulo.

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