Sociedade

Herbert de Souza, "o irmão do Henfil", relembra fatos importantes da sua vida - a militância na Ação Católica, na AP e o exílio. Além disso, ele discorre sobre a luta contra a Aids, a defesa do meio ambiente e revela que tem dúvidas em relação ao PT: "Um partido de quadros é perigoso."

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De seu nascimento, a 3 de novembro de 1935, passando por uma infância marcada pela hemofilia e pelo convívio com as "duas escolas de vida" (como ele as chama) em que cresceu - a penitenciária e a funerária onde seu pai trabalhou -, Betinho discorre sobre os fatos mais importantes de sua vida: a militância na Ação Católica em Minas Gerais, sua participação na fundação e atividade política da Ação Popular, sua visão sobre a "loucura política" vivenciada no interior da AP, sua integração na produção em uma fábrica de porcelana em Mauá, no ABC paulista; as viagens na clandestinidade para o Uruguai e Cuba; o exílio no Chile, Canadá e México e seu retorno ao Brasil, onde dirige o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e a Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids ). Portador assintomático do vírus da Aids, Betinho nos brinda com suas reflexões sobre o sentido da democracia.

Como foi sua infância?
Eu nasci em 1935, em Bocaiúva, nordeste de Minas Gerais. Tive uma infância marcada, primeiro, pela hemofilia, a doença que se manifesta desde os primeiros dias de vida, e depois pelo fato de ter passado oito anos morando, com minha família, numa penitenciária onde meu pai trabalhava. Uma parte da infância e da adolescência eu vivi num outro ambiente inusitado, uma funerária. Acho que ninguém nasceu numa penitenciária e se criou numa funerária. Herbert de Souza

Seus irmãos também passaram por essa experiência?
O Henfil ainda mais do que eu, porque ele nasceu na penitenciária e se criou praticamente na funerária. Então, todo aquele humor negro, todo aquele sadismo e masoquismo tinham uma razão muito real, ele via aquelas coisas. O Chico já não teve a experiência da penitenciária. Talvez por isso ele fosse o menos politizado. Eu acho que é uma combinação altamente política, penitenciária e funerária.

Quando você chegou a Belo Horizonte, como começou seu relacionamento com a Ação Católica?
Minhas irmãs tinham sido educadas em colégios de freiras, e uma delas entrou para a Ação Católica. Foram elas que introduziram a família neste outro ambiente. Eu adoeci nos anos 50 e, quando saí da doença, entrei em contato com os padres dominicanos, particularmente o frei Mateus, que chegara a Belo Horizonte para fundar a JEC (Juventude Estudantil Católica). Por muito tempo os padres dominicanos exerceram em Belo Horizonte uma influência dentro da Ação Católica e particularmente dentro da JEC.

Você foi da direção da JEC?
A militância na JEC era muito grupal. A gente não dava importância a título ou cargo. Eu fazia parte de um grupo de pessoas extremamente ligadas entre si, com uma convivência intensa. Eu lembro de nós como um grupo que andava e trabalhava junto. Quando dizem que eu era da direção, eu acredito que tenha sido, mas não é uma lembrança marcante. Essa questão do poder interno não era determinante.

Como funcionava a JEC?
Tínhamos reuniões quase todos os dias, numa sede em cima do Cinema São Luís, em Belo Horizonte.

E as discussões eram em torno da Bíblia e da realidade?
Existia o método da ação Católica, que era Ver-Julgar-Agir. Esse método na verdade era aplicado em cima de duas preocupações. Era toda uma discussão em torno do Evangelho. A ação católica não lia a Bíblia, lia o Evangelho. Era uma visão bastante revolucionária do que significava o Cristianismo. A outra vertente era a análise política. Essa constituía para todo mundo uma novidade, porque de repente chegava um cara e dizia que Cristo era homem, que o Evangelho revolucionava a vida, quando você tinha sido criado numa Igreja conservadora. A Ação Católica produziu um choque cultural e conseguiu atrair uma turma grande. Esse período se caracterizou por um amplo processo de recrutamento. Alguns anos terminavam com quinze caras decidindo largar tudo e entrar para o convento. E foi assim que a Ordem dos Dominicanos cresceu imensamente neste período.

Esse grupo da JEC de que você participou teve grande inserção no movimento secundarista?
O movimento secundarista cresceu lá pelos anos 60. Tivemos na JEC um começo, que se politizou mesmo e virou movimento estudantil na JUC (Juventude Universitária Católica), quando disputávamos a direção da UNE.

Em que ano você entrou na JUC?
Em 58, e fiquei até 62.

Parece que a Faculdade de Ciências Econômicas, em que você estudou, era um núcleo forte da JUC em Minas Gerais.
Eu diria que foi o núcleo que gerou o pensamento político da JUC e depois o da Ação Popular. Vinícius Caldeira Brandt foi um dos que escreveu parte do documento-base da Ação Popular, e Antonio Otávio Cintra era outro que tinha um desenvolvimento intelectual e cultural forte. Acho que nós três tínhamos uma presença maior. E esse grupo, depois, se articulou com outros fora da Faculdade e de Minas Gerais. Veio a articulação com o grupo do Rio, da PUC, onde se deu o encontro com o padre Vaz, o Landim e outros. Mas eu acho que quem realmente partiu para um processo de elaboração de pensamento foi esse grupo de Minas.

Como era o relacionamento da JUC com a hierarquia da Igreja?
As relações eram com alguns padres, particularmente de algumas ordens. A Ação Católica se desenvolveu de uma forma muito autônoma, graças às ordens religiosas, basicamente a dos dominicanos. Eles se reportavam muito mais à França, à Europa, do que ao Vaticano ou à hierarquia tradicional da Igreja.

Foi por aí que veio todo o embasamento no personalismo de Mounier?
Começou por Lebret, depois Mounier e toda a linha personalista. Os próprios dominicanos tinham a pretensão de ter um pensamento próprio, de abrir suas linhas de influência.

Como foi o contato com outras correntes de pensamento a partir da militância estudantil da JUC?
Eu localizo dois grupos com os quais a gente tinha uma tensão muito grande. Um se reunia em torno do Centro de Estudos Cinematográficos, CEC. Era um grupo da área de cultura que nos hostilizava muito. Era formado por Silviano Santiago, Carlos Kroeber, grande amigo do Cazuza, Maurício Gomes Leite, Teotônio Jr., enfim, a nata do pessoal de teatro, da literatura e da crítica de cinema. De outro lado nós, os católicos, que nos sentíamos revolucionários. Eles zombavam de nós, dizendo que éramos "o atraso". A outra tensão, que se manifestou na JUC, era a divergência com o grupo marxista. Ali, no mesmo edifício da Faculdade de Ciências Econômicas, onde estavam os fundadores da Ação Popular, estavam também os fundadores da Polop (Política Operária). Teotônio dos Santos Júnior, Simon Schwartzman etc. Era o conflito entre cristãos e marxistas, que, de alguma forma, levou o grupo cristão a estudar marxismo. Eu não li primeiro Marx, li sobre Marx através de um jesuíta. Mas Teotônio e os outros já estavam lendo direto Marx. O nosso grupo nasceu e teve que debater com os novos marxistas, com o Partidão, com este grupo cultural que infernizava a nossa vida e com a Igreja tradicional.

Você chegou a participar da redação do "Ideal Histórico"?
Participei. O "Ideal Histórico", elaborado pela JUC, é a preliminar do documento-base da Ação Popular. Eu diria que ele ficava além do pensamento cristão clássico e um passo aquém no debate com o marxismo. Fazia a crítica do capitalismo, mas não falava em socialismo. O documento-base da AP tenta situar muito mais concretamente a questão democrática e da revolução, da política. Foi um passo dado quando percebemos que era impossível fazer o tipo de política que queríamos dentro da Igreja.

Este é um documento nacional, que foi aprovado em 62, não?
É, ele foi discutido nacionalmente.

E atraiu para esta discussão setores não jucistas?
Alguns. O documento-base não era uma produção da JUC, enquanto tal, mas a JUC foi muito atraída por ele. Eu diria que todo jucista politizado acabaria na Ação Popular. Exatamente porque o documento-base não fazia uma profissão de fé ideológica, marxista. Usava o marxismo mas não tinha aquela coisa que veio depois, quando você tinha que afirmar que era marxista, como um primeiro passo, depois ter que provar que era marxista e depois que só nós éramos marxistas.

Em outras entrevistas você chegou a comparar o nascimento da Ação Popular com a proposta do PT. É desse ponto de vista?
Eu acho que existem analogias possíveis. Na origem, inclusive nesta combinação de vertentes e de tendências, uma forte presença cristã, preocupação com a base, com o popular. Uma outra coisa é o sentido ético do engajamento. A militância da Ação Popular foi muito marcada pela ética. É o militante full time. O sujeito que se engajava na luta com a alma, o corpo, com a vida, com a morte. Essa coisa do engajamento quase xiita é uma marca. Nós tínhamos uma militância radicalizada e uma identificação muito grande com os pobres, com os dominados, com a desgraça. Essa marca cristã no pensamento de Ação Popular continua no PT, de uma certa forma. Existem marcas muito profundas que talvez venham da mesma matriz, que é a matriz judaico-cristã, de uma grande identificação com o hostilizado.

A partir de quando a Ação Popular se constituiu como organização?
Teve uma pré-fundação com a chamada reunião de Belo Horizonte, em 61. Estavam o padre Alípio, o padre Lage, se eu não me engano o padre Vaz apareceu por lá, essa militância toda de que eu falei, algumas lideranças sindicais, alguns profissionais liberais que já tinham saído da JUC mas que estavam conosco. Depois houve a reunião de Salvador, o Congresso, em 62, e aí é que se fundou realmente a Ação Popular.

Como funcionava organicamente a AP?
No início tínhamos uma direção nacional. Eu fui eleito coordenador nacional. Tinha uma coordenação nacional, um secretariado. Em seguida nós trabalhamos a implantação por estados e por setores: movimento sindical, movimento estudantil etc. Mais tarde apareceu uma espécie de fração parlamentar, que começou a ser criada pouco antes do Golpe de 64. Vieram numa reunião do secretariado nacional, no Rio de Janeiro, pedindo formalmente ingresso na Ação Popular, o Almino Afonso, o Paulo de Tarso Santos e o Plínio de Arruda Sampaio. O Almino tinha sido ministro do Trabalho e o Paulo de Tarso da Educação. Essa foi uma reunião muito curiosa, porque eles pertenciam a uma geração mais velha e se apresentavam a uma coordenação que era muito mais jovem do que eles.

Você trabalhou com o Paulo de Tarso no Ministério da Educação?
Eu fui coordenador da Assessoria do Paulo durante o tempo em que ele esteve no ministério, sete meses. A assessoria era chamada "os meninos do poder", porque era toda uma moçada, uns sete ou oito. E, por incrível que pareça, entre os jovens um deles se chamava Leopoldo Collor de Mello. Mas não se pode dizer que tenha havido algum tipo de influência mais organizada da AP no governo Jango. Afora o Ministério da Educação, onde tínhamos uma influência grande, nós atuávamos muito mais como pressão em torno do governo Jango, na Frente de Mobilização Popular, na Frente Parlamentar Nacionalista etc. A representação política da AP correspondia muito mais a uma força de base.

Durante o período em que você esteve na coordenação, a AP consolidou, no movimento estudantil, maioria que durou praticamente até a dissolução da UNE. Como você vê esta hegemonia?
No movimento estudantil tinha uma disputa de poder entre nós, o PC e a Polop - que era um pouco ousada. Quando você falava assim: "cinco nossos, três do PC e dois da Polop", era a forma de garantir maioria, porque a Polop não tinha bases para as representações que conseguia. Ela tinha pouquíssimos quadros, todo mundo sabia quem eram os caras da Polop. Nos congressos, que elegeram o Vinícius ou José Serra, quando a AP fazia reunião de bancada esvaziava o plenário. 60% eram membros da Ação Popular, que faziam o trabalho escola por escola. Faziam o trabalho de base mesmo, e apostavam neste trabalho. A partir da experiência da UNE Volante, quando passamos pelo Brasil inteiro, o Aldo Arantes com o Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE, nós fomos convocando assembléias em todas as faculdades. Foi um trabalho gigantesco de massa.

Você ficou na coordenação da AP até quando?
De 62 a julho de 64, quando fomos embora para o Uruguai. Eu, Aldo Arantes, e logo depois o Jair Ferreira de Sá.

Como foi a relação com o Brizola?
Para o Uruguai foram, logo depois do Golpe, todas as lideranças conhecidas do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), PUA (Pacto de Unidade e Ação), UNE, AP, Polop, trotskistas, o grupo do Brizola, representantes do Arraes etc. Fazíamos a reunião da Frente de Mobilização Popular lá, com os mesmos personagens. E, lá basicamente, foram formados dois grupos: um articulado em torno do Jango, com o Valdir Pires, Darci Ribeiro, Almino. E outro que se articulava em torno do Brizola. Nós estávamos nesse. E aí o Brizola compôs uma espécie de comando com ele, obviamente, Paulo Schilling, Max da Costa Santos, Neiva Moreira, Cibilis da Rocha Viana, Aldo Arantes e eu. Nós como Ação Popular. Iniciou-se aí, dentro desta direção, um debate entre duas linhas. A linha da mobilização propunha uma insurreição: o Brizola entraria em Porto alegre e formaria a Rede da Legalidade de novo. O Brizola trabalhava intensamente nisso. Havia contatos com setores das Forças Armadas, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, com sindicatos etc. À medida em que essa linha não apresentava resultados, que o dia da "insurreição" era desmarcado sucessivamente, e que o Golpe ia se consolidando, nós começamos a ler Mao. Eu me lembro que lá no Uruguai eu li Escritos Militares. E aí começou a surgir em nossa cabeça, a influência da Revolução Cubana: a idéia da guerrilha. O Brizola dizia: "Bom, vamos tentar os dois. Eu só acredito na insurreição, mas se as pessoas querem fazer guerrilha, eu apóio". Quando nós saímos de lá, em 65, esses dois grupos estavam armando as suas atividades. Nessa época nós víamos que as coisas não iam bem com a Ação Popular. As informações que tínhamos era de que tudo estava desmobilizado. Aí decidimos voltar, para propor à AP a guerrilha. Viemos para São Paulo, retomamos a direção da Ação Popular e foi aí que se decidiu que o caminho da revolução era o da luta armada.

Qual era a sua visão sobre esse processo?
A nossa visão era muito esquemática e eu diria que profundamente equivocada. Nós achávamos que devíamos fazer a luta armada por intermédio da guerrilha, criando um foco, que geraria conflito, e este conflito jogaria a ditadura contra nós, mas a revelaria à sociedade. Esta, sob o impacto da revelação, iria nos apoiar e se rebelar. Boa parte das teorias guerrilheiras da época trabalhavam com a hipótese de um período de guerrilha e, logo depois, um período de greve geral e insurreição, que era o modelo cubano.

E a sua leitura maoísta no Uruguai?
A minha leitura de Mao foi muito específica: era uma leitura de Mao com olhos de Debray. A gente chegava com a teoria da guerrilha mas na verdade começava a fazer trabalho de massa. A AP não montou um grupo guerrilheiro. Não passamos da teoria à prática neste ponto, mas começamos a trabalhar com o movimento sindical, com mulher, com jovem, com Igreja etc.

Como foi sua viagem para Cuba?
A AP tinha participado de um congresso da Organização Latino-Americano de Solidariedade (Olas). Neste congresso tinha sido eleita uma representação do Brasil composta pelo Marighella e pelo Vinícius. Aí se resolveu que, durante um período, a representação permanente na Olas seria a Ação Popular. Eu fui escolhido para ir a Cuba. Fiquei lá onze meses. Pouco depois morreu o Che Guevara. Ele era o pivô de toda a articulação da Olas. Na verdade ela estava articulada tendo como centro a luta guerrilheira do Che na Bolívia. Quando ele morreu, morreu a Olas. Só que os cubanos não enterraram. E eu fiquei esperando onze meses a Ola se reunir e a Organização nunca se reuniu. Até que eu decidi que não tinha nada para fazer lá e vim embora. Isso foi em 67/68.

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Como você encontrou a AP ao retornar?

Quando eu cheguei a Ação Popular estava totalmente dividida entre a linha maoísta e a linha cubana. Eu aderi à linha maoísta, que tomou o poder. A linha cubana foi expurgada, através do chamado "grupo oportunista e provocador de Rolando", que era ninguém menos que o Vinícius Caldeira Brandt, o padre Alípio e o Altino Dantas. Os três foram expulsos.

Você apoiou a expulsão?
Eu aderi ao grupo maoísta. Só havia duas alternativas: ou aderia a tudo o que ele fazia, que era uma espécie de guerra santa, um negócio de um furor ideológico incrível, ou então eu tinha que sair da AP. Sair da Ação Popular naquelas circunstâncias era como pedir para alguém sair de seu próprio corpo. Porque eu era fundador. Só depois, em 71, é que eu elaborei a idéia de sair.

E neste processo do racha você voltou à coordenação?
Não. Os maoístas, Jair e outros, assumiram o poder e fizeram uma coisa fantástica. Eles davam notas para todos os militantes. Todo mundo. Classificavam e davam notas. E eu ganhei um nota +2, uma nota boa.

Numa escala que ia de quanto a quanto?
O Jair, que dava as notas, tinha +1. Era assim: tinha +1, 1 e -1 : +2, 2 e -2; +3, 3 e -3. Militante recebia até nota 3, depois tinha ampliação e simpatizante. E havia nota pra massa também: massa avançada, massa intermediária e massa atrasada, que era como se classificava 99% da população brasileira.

O Jair já tinha voltado de sua viagem à China?
Chegou depois da Revolução Cultural. E eles me deram a nota +2 e depois me rebaixaram para -2. Com essa nota, eu podia, por exemplo, ser de direção regional. Mas a direção decidiu que eu tinha que ir para a base durante um tempo e não podia ser dirigente nem de célula. Eu tinha que ser militante de base.

Qual era a acusação?
Desvio ideológico, foquismo, influência cubana. O proletário puro era +1, que era o Jair.

Era só ele?
Ele disputava com o Estevão, que era o nome do Duarte Pereira. O Duarte também queria ser +1, mas parece que só tinham lugar para um +1. Nessa simbologia, se houvesse dois +1, poderia haver dois secretários-gerais. Na verdade a nota era uma definição de poder. Já tinha uma estrutura totalmente vertical, centralizada e dogmatizada. Você não podia chamar o Jair de Jair, você tinha de chamá-lo de "camarada Dorival", seu nome de guerra. Ele era um companheiro capaz de todas as virtudes proletárias: não transar com outras mulheres, só com a sua companheira, numa época em que todo mundo já tinha se libertado da Igreja. O camarada Dorival e sua companheira eram os exemplos a serem seguidos. Era uma visão extremamente moralista e subjetiva de virtude. Ele era o sujeito de todos os heroísmos, de todas as virtudes etc. Um negócio altamente ideologizado. Eu creio que o Jair morreu em meados de 80 ainda convencido de tudo o que ele viveu. Pra você ver o nível de loucura a que se chegou.

Foi neste contexto que se decidiu a sua integração na produção? Quer dizer, para o pessoal de classe média...
A concepção era aquilo que podia te purificar. Porque se estar na produção fosse um critério, todos os companheiros operários teriam notas boas. Mas eles todos tinham notas 3, -3. Eles também tinham vícios burgueses. Agora é claro que a condição para eu me purificar era me integrar à produção. Eu fui trabalhar numa fábrica de porcelana, em Mauá, onde fiquei seis meses. Saí de lá querendo entrar numa metalúrgica, que era uma categoria mais avançada, mais nobre. Obviamente eu não consegui, já tinha trinta e tantos anos.

O que você fazia lá?
Na primeira semana, eu carregava caixotes com louça. Eu que nunca tinha carregado caixote na minha vida punha no ombro e saía. No primeiro dia começou uma hemorragia no joelho. Eu trabalhei de segunda a sábado com hemorragia. No sábado eu não conseguia nem andar. Fui transferido para outro trabalho. Passei a ser lixador de xícara mais quatro meses. Aí eu tive uma experiência de outro "desvio ideológico": porque era um saco você ficar lixando duas xícaras a cada três minutos, num disco com areia e água. Veio a tentação da invenção: a tentação de colaborar com o patrão. Eu fiz um tipo de uma grade de caixa de cerveja, e punha quarenta xícaras de uma vez. Em vez de duas a cada três minutos eram quarenta.

Aumento de produtividade?
Uma revolução. O engenheiro que trabalhava com o chefe me convidou para trabalhar com ele. Tive que me fingir de louco, que eu prefiria continuar lá mesmo. Fiquei morto de sentimento de culpa de ter ajudado o patrão, mas a tentação de fazer aquela máquina foi irresistível.

E você saiu da fábrica de porcelanas com a perspectiva de buscar outro emprego?
Sim, em uma metalúrgica. Eu tentei na ZF, cheguei a entregar a minha carteira profissional. Cinco minutos depois estava devolvida, por falta de qualificação. Velho e desqualificado.

Depois deste período, você foi readmitido para algum cargo de direção na AP?
Eu comecei um processo de baixo para cima. Primeiro fui escolhido dirigente de célula, contra a posição da célula, contra a posição da direção. Nós criamos mais cinco células, todas em Mauá e Santo André, que era a minha área. Tínhamos que eleger a direção seccional, e eu fui eleito. Como eu era seccional, compunha a direção regional, e o próximo passo era chegar à direção nacional.

Você ficou quanto tempo no ABC?
Em Mauá eu fiquei uns cinco ou seis meses. Depois que eu saí desta fábrica, a coisa em Mauá começou a ficar meio tensa, porque a gente fazia trabalho de panfletagem, pregando a luta armada. Eu me mudei para Santo André e, em dezembro de 70, caiu todo o trabalho em Mauá.

Onde você trabalhava quando estava em Santo André?
Eu já não trabalhava, estava só para fazer o trabalho político.

Quantos militantes foram integrados à produção no ABC neste período?
No ABC eu não sei. Na nossa área tinha uns trinta militantes, umas vinte ampliações e uns cem simpatizantes. Em Mauá e Santo André no final, antes de tudo cair, nós éramos capazes de reunir umas 150 pessoas entre simpatizantes e militantes.

Analisando a retomada que houve no movimento sindical do ABC a partir de 76/77, você poderia detectar algum tipo de influência deste tipo de trabalho que vocês procuravam fazer nas fábricas?
Eu acho que houve, porque houve muita panfletagem, nas casas, nós fizemos cursos etc. Eu não sou capaz de medir o impacto, mas houve. A gente trabalhava com as oposições sindicais que apareciam, eu fui várias vezes ao Sindicato dos Metalúrgicos em Santo André. Tinha a nossa presença e a do PCB. Você via uma associação de moradores melhorzinha, ia conferir e tinha um cara do Partidão lá. Mesmo a Ação Popular conquistou muito militante que vinha do PCB.

Quando "caiu" o trabalho em Mauá, você não chegou a ser preso?
Não. Eu morava em Santo André e a maior parte dos companheiros estava na área de Mauá. E Mauá era uma grande família, todo mundo se conhecia, não adiantava você pôr um nome frio, eles tinham nascido e tinham sido criado juntos. Então a repressão baixou lá de noite e prendeu todo mundo. Prenderam sessenta caras, batendo, torturando. Todos moços, dezoito, vinte anos. Lá pelas duas da madrugada, uma pessoa que conseguiu escapar chegou em casa e falou: "Se manda!". Ainda fiquei até meio-dia nesta área, avisando os outros para se mandarem. Eu saí da casa onde estava. Segundo soube, algumas horas depois a polícia chegou lá. Eu ainda fiquei em São Paulo um ano criando as condições de saída para o exterior, porque a organização não tinha condições de dar nada, tínhamos que conseguir dinheiro, documentos, contatos para sair. E foi aí que eu comecei a tomar uma consciência claríssima do quão suicida era a nossa situação. Porque começa a cair tudo, e a gente pensava: "Se eu cair, eu tenho duas chances: ou eu falo, e me transformo num traidor, ou eles vão me matar". Quando saí eu disse pro Paulo Wright: "Você tem que ir embora, está tudo caindo, você vai cair, é questão de tempo, e você sabe, ou você fala ou vão te matar, e eles sabem que você sabe muito". Era o meu caso, eles sabiam que eu sabia. Foi aí que eu realmente tive medo.

E quando você saiu em 71 você ainda estava na AP?
Dentro de uma vertente, junto com o Paulo Wright e outros.

Naquele livro A História da AP - da JUC ao PCdoB, do Haroldo Lima e Aldo Arantes. . .
Que eu não li, nem lerei.

. . . Sua vertente era o que ele chama de "minoria trotskizante". Como é que você definiria sua posição?
Essa é uma definição idiota, não tem outra qualificação para isso. Só para você ter uma idéia, eu nunca li Trotski na minha vida. O que acontecia neste tipo de loucura é que você tinha que usar, em relação aos companheiros que estavam arriscando a vida com você, as formas clássicas de estigmatização ideológica. Quando você queria estigmatizar um cara, você chamava de trotskista.

Como este grupo via a questão da unificação com o PCdoB?
Não aceitávamos de modo nenhum. Nem com ninguém. Nós achávamos que tínhamos uma proposta, uma história a ser desenvolvida. Este pessoal foi pro PCdoB por uma visão dogmática: "só pode existir um partido, o partido é esse, logo vamos todos".
Que expectativa você tinha de viver o exílio no Chile daquele período?
Confesso que tudo o que via no Chile me surpreendia. Eu cheguei lá com todos os traumas de quem saiu corrido pela repressão e caí num lugar onde você pode sentar na praça. Este gozo no sentido de liberdade foi muito importante. Mas havia um certo temor também, devido às grandes manifestações de massa com conflito, toque de recolher etc. Pouco a pouco me acostumei com aquilo e já estava metido nas manifestações de massa, um milhão de pessoas, 600 mil pessoas. Então, começa a acontecer uma coisa curiosa: você passa a saber o sentido das palavras. Por exemplo, quando eu estava em Mauá a gente dizia: "vamos fazer um ato de massa no 1º de Maio". Compareciam quinze pessoas. Nós fazíamos o relatório "fizemos um ato de massa". No Chile, ato de massa eram 600 mil pessoas! O Chile foi uma experiência espetacular, sob todos os aspectos. Eu fiz meu "curso" de Ciência Política lá: crise econômica, crise do Estado, duplo poder, todo o que você possa imaginar estava lá. E golpe sangrento, barbárie militar.

Você acompanhava do Chile a discussão política da AP?
Um pouco, inclusive porque no Chile estavam cerca de 5 mil brasileiros, e os brasileiros se organizavam. O José Serra era o coordenador da Ação Popular. Todos os grupos brasileiros se reuniam numa espécie de frente, com representantes de quarenta ou cinqüenta grupos de esquerda. Era uma loucura. Começou nesta época o meu processo de desengajamento da Ação Popular. Depois do golpe do Chile fui para o Canadá. Meu desengajamento já era total. A partir daí, voltar a falar da AP é sempre penoso.

Durante o período do exílio no Canadá você fez uma outra opção de vida?
Eu fui fazendo várias opções em diversos tempos, que são cumulativas. Primeiro, decidi reassumir a minha responsabilidade de intelectual. Voltei a fazer cursos e escrever. Eu acho que a maior conquista que fiz, principalmente com a experiência do Chile, foi de recolocar como foco da minha reflexão a questão democrática. Até um certo momento o estudo do capital ainda era o centro da minha atenção: multinacionais, internacionalização etc. O meu pensamento girava muito em torno da economia política. A partir de um determinado momento eu disse: "não é a economia política, é a política, e dentro da política, é a questão democrática, por onde passa tudo".

Como foi fazer política durante esse período no Canadá?
Nós criamos o Centro de Estudos Latino-Americanos, através do qual produzimos análises sobre a América Latina, publicações, textos, livros, até audiovisuais, uma espécie de pré-Ibase. No México, fui professor no doutorado de Economia, fizemos um centro lá também, mas foi muito tumultuado, o México é um turbilhão. Veio a anistia, eu queria terminar a minha tese mas quando vi já estava tomando o avião para vir embora.

Você retomou o contato com o grupo de Brizola?
No Canadá eu soube que o Brizola estava em Nova Iorque. Peguei o avião e fui conversar com ele. Ele começou a defender a tese de que partido era uma coisa fundamental, tinha que refundar o PTB. Uma boa parte dos exilados se articulou em torno de Brizola. Depois fui para o México, e houve contatos com o grupo que também se articulou em torno do PTB, ou seja, Teotônio dos Santos, Neiva Moreira e Vânia Bambirra, Francisco Julião. Foi realizada a reunião de Lisboa, que refundou o PTB e da qual eu participei, junto com o Pedro Celso Uchôa Cavalcanti, Clóvis Brigagão, Maurício Dias Davi. Quando voltei, ainda mantive durante alguns meses contatos com o PTB. Eu já estava com o projeto de fundar o Ibase. Decidi que o Ibase como organização não-governamental seria suprapartidário e supra-religioso, e que eu também não iria ter militância partidária. E foi o que aconteceu: não entrei em nenhum partido, apesar de muita gente do PT pensar que eu sou do PDT.

Pra um cara que foi foquista, depois maoísta, depois trotskizante, essa pecha de social-democrata que você carrega, até por conta desta relação anterior com Brizola, incomoda de alguma forma?
Social-democrata é refresco, porque pode me remeter aos primórdios do socialismo, quando ser social-democrata era revolucionário. Eu acho que neste ponto eu sou radicalmente claro. A democracia, no meu entendimento é absolutamente incompatível com o capitalismo. Uma sociedade democrática deve necessariamente superar o capitalismo e inventar novas relações no plano econômico, político e social. A social-democracia contorna isso. Nesse sentido, eu não sou social-democrata.

Como você viu a criação do PT?
Sempre tive uma posição de muita prudência, porque tenho grandes dúvidas em relação ao PT. Um partido de quadros para mim é um negócio perigoso. Não me inspira confiança. Acho que o PT tem uma vertente, popular-obreirista também perigosa. O fato de que o PT abriga cinco ou seis vertentes de esquerda também me incomoda profundamente, porque eu sei que esses grupos levam ao desastre. Por outro lado, eu acho que ele é o fenômeno político mais importante que aconteceu no Brasil nas últimas décadas. Eu torço para que o PT dê certo. Dada a minha história, eu não tenho condições de entrar e lutar para que ele dê certo. Eu diria, como aquelas pessoas que já sofreram uma desilusão, "eu não agüento a segunda".

Você teve alguma disputa com o Henfil em relação ao PT?
Não, porque o movimento do Henfil e o meu foram inversos. Todo o tempo em que eu fui partido, ele não era partido. Ele colaborava com a Ação Popular, nunca foi militante. Mas isso nunca foi causa nem motivo de conflito entre nós.

Em cima de que análise você concebeu a criação do Ibase no seu retorno?
Na verdade o Ibase nasceu de uma idéia do Carlos Afonso, que me escreveu uma carta quando a gente estava no México dizendo o seguinte: "olha, dado que a anistia vai acontecer e nós vamos voltar mesmo, por que a gente não faz um instituto no Brasil para estudar políticas governamentais?". Essa foi a primeira idéia do Ibase. Formulamos o projeto, eu cheguei com ele e comecei a discutir a idéia.

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Queria que você falasse sobre o que significou para você e sua família a experiência com a Aids e sobre o trabalho que a Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar da Aids) vem desenvolvendo.
Do ponto de vista pessoal, a Aids foi um péssimo presente que recebi numa etapa em que eu acreditava que estava começando a ficar livre da hemofilia. E a hemofilia, com a idade, vai ficando mais domesticada. Nos últimos anos eu estava numa situação estabilizada e a hemofilia praticamente não comparecia. Quando começava a trabalhar essa nova realidade, apareceu de forma bastante contundente a questão da Aids. Ter o vírus significa não somente uma espécie de condenação à morte, mais ou menos antecipada, como também como o Herbert Daniel chama: a morte civil. Se decreta a morte do cara, ele está excluído das relações de trabalho, sociais e sexuais. É uma coisa muito forte. E no meu caso isso veio acompanhado da manifestação simultânea da doença em dois irmãos e, um ano e meio depois, da morte dos dois, com a diferença de um mês entre uma e outra. Foi um período barra pesada. Eu decidi enfrentar esse problema de modo político. Durante dois anos falei sobre Aids, no Brasil inteiro: rádio, televisão, jornal e seminário.

Por que você se dedicou e ainda se dedica tanto a essa questão?
Porque eu acho que a Aids é um desafio aos fundamentos das coisas. A relação vida e morte é um desafio. Toda essa questão da sexualidade é perpassada pela Aids. A sociedade de um modo geral tende a fechar os olhos a isso. A omissão governamental é um reflexo. No caso do cólera, a sociedade se mobiliza, você vê o governo atuar.

E os partidos de esquerda, o que dizem?
Não dizem nada, isso não é um problema deles. E, no entanto, sabe-se que o Brasil é o terceiro país em Aids do mundo. Hoje você pode ter tranqüilamente um milhão de pessoas contaminadas no Brasil, morrendo sem saber do quê. Principalmente os pobres. O que os sindicatos fazem? Não fazem nada. Então, essa é uma luta que precisa ser levada, porque a partir dela você levanta outras coisas.

Do ponto de vista psicológico como você conseguiu trabalhar isso?
Pessoalmente eu tenho conseguido controlar todo o processo relacionado à doença, tanto no que diz respeito à minha cabeça quanto no que diz respeito ao meu corpo. Sou um portador assintomático, estabilizado. Tomo AZT e minha situação é praticamente inalterada. Eu sou uma pessoa bem preparada para enfrentar a Aids. Em função da minha experiência, nunca fiquei muito preocupado com o longo prazo. Trabalho com um horizonte de um, dois anos. Isso me deu um sentido de que o pouco tem uma intensidade muito grande.

Recentemente saiu o resultado do julgamento da União, condenada pela contaminação do sangue que infectou com o vírus da Aids seus irmãos Henfil e Chico Mário.
Isso abre um precedente fantástico, porque pelo menos no caso dos hemofílicos, eles poderão ser indenizados. Recentemente foi publicada uma pesquisa dizendo que 50% do sangue no Brasil ainda não é controlado. Todo mundo fica olhando pelo lado do preconceito e espera a Aids pelo homossexualismo, mas ela está vindo através das drogas e do sangue contaminado.

Sua faceta ecológica, que o levou a receber o Prêmio Global 500 da ONU, tem alguma relação com esta reflexão sobre o sentido da vida, o sentido da democracia?
Desde o começo o Ibase trabalha temas que relacionam meio ambiente, desenvolvimento e democracia. Quando surgiu com força a questão do meio ambiente, foi como se ela se despregasse das outras dimensões e adquirisse a cor verde - como se esta cor pudesse ser separada do restante. Para nós ela não se separa. Este prêmio Global corresponde a uma certa experiência realizada dentro do Ibase nesta direção, mas principalmente à iniciativa de uma pessoa, o Carlos Minc. Ele fez o meu currículo e convenceu o júri de que eu era um global, no bom sentido global do Prêmio das Nações Unidas. É claro que receber um prêmio desses hoje, particularmente para o Ibase, tem um sentido, porque é uma espécie de reconhecimento, de aval de uma instituição internacional. E são só quinhentos ganhadores do prêmio no mundo inteiro. O Brasil tem Minc, Feldman, Chico Mendes, eu e Philip Fearnside, do Pará, que recebeu o prêmio comigo.

E a questão da ECO 92?
Nós temos alguns cuidados em relação a ela. O primeiro é que nós não gostaríamos de jeito nenhum que ela fosse um show dos chefes de Estado para falar nada. Para que isso não ocorra, é fundamental que os movimentos sociais se constituam numa espécie de contrapeso forte, claro, definido, com propostas e principalmente com manifestações, quer dizer, que não seja simplesmente um grande seminário. Para mim o cenário ideal seria aquele em que houvesse um grande debate, grandes manifestações nesta cidade, uma pressão de massa que levasse os chefes de Estado a se mancarem e fazerem um discurso que, se eu pudesse escrever, começaria assim: "Primeiro, nós somos os principais responsáveis por tudo o que aconteceu. Segundo, nós assumimos diante da humanidade tais compromissos concretos..." Isso já seria importante. Principalmente se o Brasil e o Rio de repente tomassem consciência de que somos um grande problema a ser enfrentado, e que somos o resultado de um processo que tem que ser totalmente mudado. Se a gente for capaz de produzir esta consciência, através de uma participação maciça de todo mundo, acho que valerá a pena.

Renato Simões é membro do Conselho de Redação de T&D.

Sérgio Ferreira é cientista político e pesquisador do Ibase.

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