Nacional

Em três pequenas cidades do Nordeste, as prefeituras do PT provam que a realidade miserável de seus habitantes pode ser mudada. Para insatisfação dos coronéis, aos poucos ganha força a noção básica de cidadania.

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Jaguaquara, Janduís, Icapuí. A toca da onça, a ema pequena e veloz, a canoa ligeira. As três cidades que o PT administra na Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará vão bem, obrigado.

E funcionam como uma grande vitrine, numa região do país onde os números que vemos nas estatísticas se materializam em realidade violenta: fome, sede e o eterno ranger de dentes de quem acorda pronto para sobreviver mais um dia.

Em Jaguaquara, Icapuí e Janduís já se ensaia viver, apenas. Viver o minguado. Mas, de qualquer forma, avançar este sinal vermelho que o país dá a quem busca alguma dignidade.

Nelas, o PT tem amplas chances de vitória nas próximas eleições municipais. Os coronéis, pilares do poder no Nordeste, têm a sensação de ver escorrer pelos vãos dos dedos o que sempre foi extensão de suas casas. E, o que é pior, uma tênue noção de cidadania já corre de boca em boca. Há uma grande voracidade pelo que parece ser o "novo''.

Longe do perfil que carimba o PT em outros lugares, ali o partido se ergueu junto, senão depois, das administrações. Delas herdou alguns vícios. E cresce muito mais pela imagem que suscita do que pelo avanço da organização popular. Armadilhas do subjetivo. Ao olhar fotográfico da metrópole, certamente este não é o PT que botamos no papel em um sem-número de documentos. Mas funciona. Está desenhando uma outra realidade neste incansável devorador de verbas oficiais que é o Nordeste dos coronéis.

Percorridas as três cidades, fica a sensação de que o resto também tem jeito. Afinal, elas sustentam a "revolução" quase sós, com alguns parcos tostões dos governos federal e estaduais. E empolgam a vizinhança, curiosa, que já quer conhecer de perto este tal PT.

Na mira da ONU

O povoado de Icapuí surgiu em meados do século passado na divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, quando portugueses e holandeses, que praticavam a pesca e a agricultura de subsistência se estabeleceram por ali. Encravado sobre uma falésia entre dunas e a serra, circundado por carnaúbas, tem uma paisagem digna de cartão postal em seus 420 quilômetros de área. O que os colonizadores não sabiam é que, além da beleza, a borda da Bacia Potiguar, onde está assentada a cidade, é uma região rica em petróleo. E a lagosta, comercializada a partir de 1958, é abundante.

Apesar da relativa independência econômica, Icapuí só virou cidade depois de 85, quando se emancipou de Aracati, cidade com 60 mil habitantes, a principal da região e remanescente do Brasil colônia. No vale do baixo Jaguaribe, Aracati é dominada por uma oligarquia que foi se revezando no poder desde o século 18, quando passavam por seu porto couro e charque vindos do interior do Ceará, Rio Grande do Norte e Maranhão.

Desde o ano passado, Icapuí deixou de ser mais uma pequena cidade no litoral cearense. Sob a administração do petista Dedé Teixeira, virou a única cidade brasileira agraciada com o prêmio Paz e Liberdade da Unicef, órgão que se dedica ao estudo de soluções para os problemas das crianças na Organização das Nações Unidas. Ganhou também uma relação privilegiada com o governador Ciro Gomes (PSDB) e o respeito das cidades vizinhas.

Os motivos que impressionaram os observadores da Unicef não estão em nenhum programa mirabolante, como os Ciacs de Collor ou os Cieps de Brizola. Estão no cotidiano da cidade. E saltam aos olhos de quem chega de fora.

O caminho do velho e barulhento ônibus que sai toda manhã da rodoviária de Fortaleza é uma via-crúcis pela pobreza. A cultura - falida - do caju se estende ao longo dos 195 quilômetros de asfalto que separam Icapuí da capital. Em cada povoado o velho Scania cumpre o preguiçoso ritual de recolher e deixar passageiros. Em cada parada, uma pequena multidão de crianças invade o ônibus com frutas, doces e castanhas. Quase ninguém compra.

Quando o ônibus se vai, o que fica é muito parecido com o México dos desenhos animados: a hora da sesta, a magreza, os olhos grandes. E tudo parece amarelo.

Icapuí se rebela neste cenário. Da entrada da cidade se vê o mar, alguns poços de petróleo e nenhum pedinte. Esta feliz "coincidência" é responsável pelo "milagre". A cidade tem uma economia diversificada: há exploração de petróleo, extração de sal, pesca da lagosta, artesanato em renda - o "labirinto" é famoso em todo o Nordeste e algum comércio. As monoculturas, como a da cana, que já foi predominante na região, nunca fizeram muito sucesso por lá.

Em termos de arrecadação, Icapuí está fora da média dos municípios nordestinos. A venda da lagosta para os frigoríficos, que exportam a maioria do produto para os EUA, movimenta grande parte do ICMS, que representa cerca de 20% do orçamento. Outros 10% da receita são resultado do pagamento de royalties, a título de indenização, pela Petrobrás. Este dinheiro é considerado receita vinculada, ou seja, deve, por lei, ser aplicado em eletrificação rural e obras de saneamento básico. O resto vem do Fundo de Participação dos Municípios.

Nasce o Tertius

A campanha pela emancipação do distrito de Icapuí uniu interesses distintos: um grupo de estudantes da Universidade Federal do Ceará, núcleo da atual administração, uma parcela da "elite" local e os moradores mais ou menos organizados das comunidades pesqueiras.

A família Cirilo funcionou até meados de 80 como extensão do domínio da oligarquia dos Costa Lima, hoje representada pelo "coronel" Abelardo - uma espécie de Sinhozinho Malta local. Por trás do chacoalhar de suas pulseiras há um império que inclui terras, veículos de comunicação e, é claro, poder político. O atual prefeito da vizinha Aracati, Cleber Gondim, é "afilhado" de Abelardo Costa Lima. Com a máquina de um município, os Cirilo poderiam barganhar mais alto o apoio oferecido.

Já as comunidades pesqueiras viviam esquecidas pela Prefeitura de Aracati. Para se ter uma idéia, a primeira escola municipal da comunidade de Redonda, que tem 1.200 habitantes, apareceu depois que os próprios pescadores construíram um quartinho destinado às aulas. A organização dos moradores começou a partir da Igreja Católica, exigindo a instalação de serviços públicos básicos - água potável, calçamento de estradas, postos de saúde e escolas de 1º grau.

Os "estudantes" queriam mudar o mundo. Com a idéia de emancipação e rompimento, com o coronelismo enfiada no saco, eles percorreram as comunidades, reunindo pescadores e discutindo a emancipação e alguma direção para a futura Prefeitura. Acabaram levando as eleições, pelo PMDB, com José Airton Cirilo, engenheiro recém-formado, à frente. "Quando o PMDB tinha algum compromisso com as lutas populares", justifica Zé Airton.

Esta união durou pouco - o suficiente para que a família do prefeito percebesse que o rumo da administração não era exatamente o que tinha sonhado. Sobriedade com o dinheiro, obras de interesse social e investimento em saúde e educação são exceções no Nordeste. Principalmente quando o poder público presta os serviços sem exigir a presença de um vereador, de um cabo eleitoral, ou de alguém que vá cobrar depois, na urna, o "favor" realizado.

Rompida a aliança, a briga foi boa. Com requintes de roteiro de novela das oito. Assim que decidiu ingressar no PT, José Airton foi isolado pela família. Numa cidade pequena, onde as pessoas se cumprimentam pelo nome, isso não é algo menor. Mal pôde ir ao enterro do pai e sofreu pelo menos um atentado, até hoje não apurado, atribuído aos próprios familiares - "minha família é mais brava que siri em lata", brinca Airton.

Nesta época, as carências da cidade eram enormes. Não havia o mínimo de infra-estrutura e a grande obra era a instalação dos chafarizes - bombas que puxam a água do lençol freático à superfície. Sem eles, quem queria água potável tinha que caminhar até um quilômetro com a famosa lata d'água na cabeça. Foram construídas as primeiras escolas e uma rede de atendimento na área da saúde. O acesso, ainda que tímido, a estes serviços básicos era o "novo". Serviu de marca para a campanha eleitoral de 88.

Para a sucessão foi escolhido "seu" Gabriel, candidato pelo PT, com um plano de governo que elegia como prioridade a conquista da cidadania. A idéia era descentralizar os serviços, civilizar o processo eleitoral e discutir política com a população razoavelmente organizada.

Mas o clima de "faroeste macarrão" dominou a campanha. Ameaças de morte e agressões de todo o tipo levaram "seu" Gabriel três vezes ao hospital - em todas elas o médico anotou: princípio de infarto. Na última, a recomendação foi tácita, desistência ou morte. "A barra foi muito pesada", lembra Francisco José Teixeira, o Dedé, vice que virou candidato eleito.

Mal colocou os pés na Prefeitura, Dedé Teixeira foi cassado pela Câmara Municipal. A denúncia formulada pela oposição, uso da máquina administrativa, que configuraria abuso de poder econômico, serviu de justificativa. O prefeito eleito apelou ao Tribunal de Contas do Estado, que julgou improcedente a acusação e confirmou Dedé Teixeira no cargo.

A denúncia ganha uma saborosa ironia quando se sabe quem a fez. A oposição em Icapuí é formada por fazendeiros e alguns donos de frigoríficos. É muito comum que estes empresários, que ficam com a maior parte dos lucros da venda da lagosta para o exterior, tenham também alguns barcos. Assim, eles lidam direta ou indiretamente com uma mão-de-obra que representa cerca de metade da população economicamente ativa - 10% de toda cidade.

Em dia de eleição é freqüente entre os candidatos com razoável poder aquisitivo o patrocínio de uma outra fila à porta da seção eleitoral - a fila para pegar dinheiro. O candidato não faz muitas promessas, paga em dinheiro para não ser molestado depois.

Antonio Henrique de Souza, proprietário de três barcos e um frigorífico, conta, do alto de sua Pick-Up D20, que quer ser candidato a vereador. Pelo PT. Com uma ponta de contrariedade, repete o discurso feito na sede do partido para justificar sua filiação: "Eu ajudo muita gente com dinheiro que tiro do meu bolso. Agora quero continuar ajudando os pobres, mas com o dinheiro deles também". A "ajuda" se traduz em óculos, dentaduras, pares de botas, material de construção e dinheiro vivo.

O Diretório reconhece que este não é um caso isolado. "Por estar no governo e ter moral, o PT está sendo muito assediado para estas eleições. A gente tem discutido as filiações com mais cuidado", diz Zé Airton. Mas Antonio Henrique vai disputar uma cadeira na Câmara com a legenda do partido.

Partidão

Em Icapuí, hoje, são três os partidos: PDT, PSDB e PT. Não há espaço para os chamados "partidos tradicionais". Até o surgimento do PT, havia PDS e PMDB. Na oposição à Prefeitura os dois partidos entraram em crise. O PMDB tentou continuar e o PDS mudou de nome, virou PMB.

A sopa de letrinhas resolveu se fundir em PSDB, todos contra a prefeitura petista. Em 91, o PSDB rachou, dando cria ao PDT, que achou muito espinhoso o caminho da oposição sistemática. O discurso contra a administração começava a não colar muito bem. O PDT começou a votar com a bancada petista. Depois de receber o prêmio da ONU e os elogios rasgados do governador Ciro Gomes, a administração corre o risco de ter o apoio do PSDB.

É certo que a oposição patina e o PT cresce. Mas lcapuí não é exatamente o nirvana petista. Nas reuniões entre administração, partido e movimentos populares, não se define muito bem quem é o quê. Se alguém pergunta quem convocou a reunião, uma boa meia hora não é suficiente para esclarecimentos. Muitas vezes, tudo termina em pirão, com um "ah, é tudo a mesma coisa".

A composição do partido e da Prefeitura evidencia a fusão entre as duas instâncias. O presidente do partido foi prefeito e é candidato às próximas eleições. Todos os membros da Executiva estão no primeiro escalão, ou na Câmara Municipal. Faltam quadros. Falta oposição qualificada. E enquanto a oposição perde credibilidade e afunda nos interesses particulares de seus integrantes, o PT dita o monólogo.

Sem medo de ser PT

Assim pode se entender o que acontece na comunidade de Redonda, a 16 quilômetros da sede. Dali saiu o vice-prefeito, Francisco Bezerra Neto. Ali se decidiu a eleição de 88. Os candidatos majoritários e proporcionais do PT ganharam as eleições de 90 e Lula deu um banho em Covas e Collor, nos dois turnos. Se aparecesse por lá, o militante da Convergência Socialista que ateou fogo em uma bandeira do PT, durante a greve dos condutores em São Paulo, viraria farinha. Uma maioria impressionante se orgulha de ser petista.

Em Redonda há um centro de saúde, três escolas, um grupo de teatro de rua, um posto telefônico, alguns chafarizes, uma estrada calçada, uma fábrica comunitária de material de construção e limpeza regular da praia. O suficiente para Silvério Soares da Silva, um artesão de 70 anos que chegou em Redonda em 1924, constatar sem medo de cometer algum exagero: "menino, isso aqui hoje é igual a um Rio de Janeiro".

Dona Maria José da Silva, rendeira de 53 anos, conta que os doentes eram levados de rede até Aracati, a 45 quilômetros, onde eram atendidos, com a ajuda de algum político. "Mas era raro que algum chegasse vivo. No meio do caminho já entornava e ali mesmo era enterrado", lamenta.

O vereador Raimundo Bonfim Braga lembra que não havia escolas, água potável e a comunidade ficava isolada com as chuvas. A organização popular, através da associação de moradores, conseguiu os investimentos realizados pela Prefeitura.

Mas ele acha que a população ainda "se organiza em torno de interesses muito imediatos. A Prefeitura fez um bom trabalho na questão da educação, em saúde e deu um grande salto ao construir o frigorífico comunitário. Mas nós temos que trabalhar muito mais a questão cultural, porque a tradição política das pessoas daqui ainda é o cada um por si. Um exemplo disso é que a gente só consegue levar os pescadores para as reuniões quando há um assunto muito específico, como a briga com os pescadores potiguares que pescam com o compressor".

A pesca da lagosta em Redonda é artesanal. Os barcos ficam cerca de dez dias no mar, espalhando os manzuás uma armadilha feita de madeira - e recolhendo-os na volta. A pesca com compressor, feita pelos pescadores do Rio Grande do Norte, permite fazer em horas o que se leva dias na pesca tradicional.

Quem pesca com compressor é visto como adepto da "lei de Gerson". E o PT, na campanha eleitoral, percebeu o que havia de simbólico na pesca com compressor. Ganância de poucos, desequilíbrio ecológico e futuro ameaçado. Em um muro ainda resiste a mensagem da campanha de 88, "Contra o compressor, vote em Dedé".

O prefeito diz que o resultado desta sintonia com o imaginário popular e a nova forma de relacionamento entre prefeitura e cidadãos faz emergir outra cultura política. Ele acredita que hoje seja muito difícil administrar "sentado sobre o orçamento, entocado no gabinete". "Mesmo que um candidato de outro partido ganhe as próximas eleições vai ter que governar de um jeito moderno. Vai ter que prestar contas do que faz. Hoje nós temos um departamento de assistência social que politiza e equaciona de forma honesta as carências pessoais mais imediatas. Mesmo porque não atender carências pessoais aqui significa isolamento imediato. O clientelismo e o paternalismo têm que ser abolidos aos poucos num processo que não deixe à margem da nossa ação as pessoas que devem estar conosco. Um avanço em Icapuí é que se você perguntar a qualquer cidadão, ele saberá lhe responder quanto entrou de dinheiro na Prefeitura, e em que ela o gastou. As pessoas entram no hospital de cabeça erguida, não pedem mais favor a políticos. Sabem que isto é obrigação da administração. Se um chafariz quebra, em um dia já se forma uma comissão dentro do meu gabinete, exigindo o conserto. Isso é cidadania, coisa nova para uma cidade do Nordeste".

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Efeito Icapuí

O distrito de Mata Fresca já pediu o desligamento de Aracati e a incorporação de suas quatro comunidades ao município.

A comunidade de Fortim, baseada no "sucesso da Prefeitura de Icapuí", conseguiu sua emancipação. A maior liderança da campanha é filiada ao PT e pode até vencer as próximas eleições.

O partido está organizado em todas as cidades do vale do baixo Jaguaribe.

O PT tem chances de vencer as eleições em Quixadá, um dos principais municípios do estado.

A coligação com o PDT pode levar o PT à Prefeitura de Aracati.

* As eleições municipais correm o risco de virar plebiscito em Icapuí - há uma coligação com o PDT e o PSDB enfrenta dificuldades para escolher um candidato. O governador Ciro Gomes declarou seu desejo de ver uma aliança entre tucanos e petistas na cidade.

* O PT deve fazer, na região, uma numerosa bancada de vereadores. E ninguém lembra mais quem é Maria Luiza Fontenelle.

Petróleo e pobreza

Além da distância, uma espécie de linha imaginária separa Aracati de Mossoró, as maiores cidades da região. O fio que divide Rio Grande do Norte e Ceará está expresso no tamanho da pobreza. Mossoró é a segunda cidade potiguar em importância econômica e política. É também o cartão de visitas para quem entra no estado pelo Ceará. Nos lugares mais movimentados uma legião de pedintes e camelôs, vindos das recentes favelas, mostra que o progresso emergente, impulsionado em grande parte pelo petróleo, não bate à porta da periferia.

Vem sob o signo de desigualdades cultivadas ao longo de séculos. Sob a sigla do PDT, o esquema da família Maia domina a cidade, que incha e toma uma forma muito conhecida nas grandes pólis do Sul: crescimento desordenado, ausência de infra-estrutura e um mercado de trabalho repleto de mão-de-obra barata e desqualificada.

Guardadas as proporções, na rodoviária as cenas não são muito distintas das que se vêem no Terminal Tietê, em São Paulo. Gente chegando com os parcos pertences e ainda um bocado de esperança. Vêm de todas as partes do estado, fugindo da impossibilidade de levar o dia-a-dia.

A visão bizarra dos poços de petróleo, que poderiam sugerir ainda o poder e a riqueza que algumas fitas de Hollywood trazem, se dilui no mormaço e na certeza de que ali a humanidade caminha a passos lerdos. A eterna chuva que cai sobre Macondo - a cidade imaginária de García Marques - é em Mossoró uma poeira quase maldita. Um pó açafrão que gruda na roupa.

No caminho para Janduís, o ônibus percorre a estrada beirada por carnaúbas e cajueiros. A paisagem vai mudando devagar, revelando uma cabeça de gado aqui, outra ali, até parar na entrada de Caraúbas. Um pé de mandacaru em cada lado do bar anuncia o começo do sertão. Duas prostitutas e um bando de garotos sugerem que o lugar tem alguma prosperidade.

A cena repetida à exaustão no Ceará recomeça, sem graça: com desânimo os garotos oferecem frutas e castanhas. Ninguém compra. Eles arriscam um "me dê cem". Cem cruzeiros. Fim dos negócios, todos voltam à televisão. De olhos grudados na tela da Globo, vêem a Sessão da Tarde, que mostra os remanescentes da humanidade brigando pelo que sobrou da civilização - o filme Mad Max, com as pernas de Tina Turner, é a atração do dia.

Cidade Seca

No alto sertão potiguar, no sopé da Serra do João do Vale, a 6 horas de viagem de Natal, Janduís é uma das menores cidades administradas pelo PT no país. Seus vilarejos e sua pobreza se espalham por 264 Km2.

Em Permissão, a 20 quilômetros do núcleo urbano, a miséria deixa de ser palavra. Ganha as cores do cotidiano. Meia dúzia de casebres, ao lado de um açude seco. Dentro de um deles, uma mulher tece a rede de dormir. O menor de seus filhos tem pernas e braços muito finos, cabelos longos e ralos. Olhos arregalados, resmunga alguma coisa, a mãe secunda: "O que é que tu tem meu canarinho?". Nos casebres, silêncio e fúria.

A cidade se estende em torno de uma rua. Tem uma pracinha, uma igreja, um posto telefônico, a Prefeitura e a Câmara Municipal. Desmembrada de Caraúbas em 63, Janduís leva o nome de uma tribo da raça Tarairu, da nação Cariri. Que o capitão-mor Manuel Mascarenhas, homem que cravou a bandeira de Portugal em terras potiguares no ano de 1598, descrevia como "taciturnos". Tempos remotos. Mas não faltam motivos para serem chamados taciturnos os habitantes de Janduís.

De 89 a 91 a cidade amargou uma das piores secas de sua história. "Estávamos nos preparando para apanhar água a 100 km", revela o prefeito José Bezerra. Quem vive ao lado de alguns açudes, ainda conseguiu plantar - o de comer - nos leitos que ficaram úmidos. Toda a população passou o triênio dependendo dos convênios com entidades do governo federal, como a LBA.

Do governo estadual não chega um centavo. "O problema é que mesmo estes convênios, por sermos do PT, não foram cumpridos e nós vivemos durante três anos num estado de penúria terrível", conta o prefeito.

No caminho até Janduís, pode-se ver que há um alívio momentâneo. Verdes vales, verdes ramas. Vários açudes cheios, pasto bom para a engorda e a vegetação não se restringe à resistente jurema, uma pequena árvore que insiste em exibir folhas verdes durante o castigo das secas.

Durante muito tempo sustentada pela cultura do algodão, a economia da cidade definhou quando a praga do bicudo, o descaso de sucessivos governos e a seca levaram o algodão à lona. Hoje a principal fonte de renda da cidade chama-se Fundo de Participação dos Municípios. Através dele, a Prefeitura mantém alguns pequenos produtores, os funcionários e o comércio quase insignificante. E, às vezes, sustenta boa parte da população de forma direta, distribuindo cestas básicas.

A distribuição de cestas básicas e o atendimento, pelo "Estado", de carências pessoais acontece em todas as cidades da região. Em Janduís a diferença repousa nos critérios. A administração repassa dinheiro e produtos - de comida a material de construção - para o Conselho Popular que os distribui à população.

Para Irene Lopes Galdino, vereadora do PT e presidente do Conselho, essa forma revela ambigüidades: "Ao mesmo tempo que esse procedimento politiza a assistência, provoca um efeito negativo no movimento popular. Muita gente acaba se filiando e vindo às reuniões do Conselho por causa da assistência. Mas não há dúvida que é um avanço, dentro desta realidade que a gente vive. Em quase todo o Nordeste a distribuição de cestas se transforma em campanha eleitoral e ajuda a manter no poder a mesma oligarquia que sobrevive deste assistencialismo. Com o Conselho, acaba a história do ‘voto por dinheiro’ e a cidadania começa a ser praticada. A pessoa organiza, discute, cobra da Prefeitura e dos outros poderes públicos. Nós temos 3.084 sócios que já estão formando os Conselhos de Rua, que se reúnem regularmente e que estão se organizando para sair da miséria. Se nós convocamos uma assembléia de manhã, de tarde a praça está lotada."

Mesmo aos solavancos, a Prefeitura possui uma rede de serviços e programas que amenizam as carências mais gritantes.

Em comunidades rurais mais organizadas, existem convênios com cooperativas de pequenos produtores. Verrumas, a 16 quilômetros da sede, é um exemplo. A Prefeitura comprou seis vacas que são sustentadas pela cooperativa local. O resultado da ordenha é revertido para a própria comunidade o leite é comprado pela prefeitura e vai para a creche, onde as crianças têm aulas e alimentação garantidas.

Na base do voluntarismo e da solidariedade, a administração também deslancha na ação cultural. Há cinco grupos de teatro de rua, um grupo de danças, um de capoeira, um grupo circense e bandas de música que participam de festivais por todo o estado.

Ficar uma hora dentro da biblioteca municipal leva à descoberta de outra cidade, com padrões de Primeiro Mundo. As crianças são responsáveis pela maioria dos trinta empréstimos diários e das setecentas consultas mensais. E o burburinho cultural que a sede vive se estende às comunidades rurais com o projeto Caminho do Mato, que o secretário de cultura e chefe de gabinete do prefeito, Raí Lima, está implantando.

De dia acontecem as oficinas envolvendo teatro, maculelê, capoeira, artes circenses e música. De noite, um show reúne toda a comunidade.

O último coronel

A Revolução de 30, que segundo a História do Brasil abalou as oligarquias rurais e o coronelismo no interior do país, demorou a chegar por aquelas bandas. Vários coronéis detiveram a hegemonia política na região, continuando uma tradição que teve início em 1866.

Naquele ano, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, líder do núcleo republicano do Rio Grande do Norte, chegou ao poder do estado sustentado por parentes, que se espalhavam pelo interior. Na definição de vários historiadores, "exerceu um total, embora manso, despotismo". Augusto Severo, um destes coronéis locais, dá nome a uma cidade vizinha a Janduís.

O último representante deste esquema de poder na região foi o "doutor" Onezimo Maia. Ao longo de quase três décadas, ele foi duas vezes prefeito de Janduís e uma de Caraúbas. Teve cinco mandatos para o Parlamento. Durante seu "reinado", três governos estaduais foram exercidos por primos seus.

Nas palavras de um antigo morador, "Onezimo era um Deus pequeno". Este mesmo morador lembra que ninguém andava na mesma calçada que o coronel e os seus apadrinhados. Um homem simples, sequer olhava nos olhos de algum dos "senhores" da cidade.

Este domínio existiu até o fim dos anos 70, quando o grupo que hoje está na administração começou sua ação política. Durante a ditadura militar, militavam no movimento estudantil e eram ligados ao Partidão. Romperam em 79 com o PCB e estabeleceram na cidade um grupo de estudos.

Nas palavras do prefeito José Bezerra, "a idéia era preparar quadros e colocar em prática os ideais políticos que a gente defendia no movimento estudantil. A questão principal era a democratização do poder".

O resultado chegou em 85, com a formação do Conselho Popular. Filiadas ao PMDB, as principais lideranças do Conselho lançaram, em 88, a candidatura de Sebastião Gurgel a prefeito. Rompido com o esquema da família Maia, Gurgel desapareceu em um episódio até hoje não explicado.

Assumiu Salomão Gurgel, seu irmão, que terminou a campanha e ganhou as eleições. A história aconteceu como em Icapuí. Rompendo com a parcela da oligarquia local que o apoiava, Salomão começou a colocarem xeque o sistema de dominação política, democratizando o acesso aos serviços públicos e estabelecendo alguns serviços essenciais inexistentes.

Em 86, depois de uma assembléia na praça, a população resolveu tomar o único hospital, usado como comitê da família Maia. O estado reagiu e Janduís ficou sob sítio durante cinco dias. A crise só terminou quando uma comissão liderada pelo secretário de saúde do estado foi negociar a desocupação.

Desde então, nada que seja importante para a cidade se decide sem o crivo do Conselho. A Câmara Municipal é completamente desmoralizada. O partido acaba sendo o reflexo da Prefeitura e do Conselho. O candidato à eleição, definido pelo Encontro Municipal, Bastim Gurgel, ex-presidente do Diretório Municipal, resume: "a convicção petista aqui é muito pequena. O pessoal acompanha mais essa parte da administração".

Os seis vereadores da oposição são motivo de piada. A maior crítica que fazem ao Executivo são os baixos salários pagos aos funcionários e, principalmente, aos parlamentares. Janduís não paga o salário-mínimo, mas é referência na região - no município de Caraúbas os servidores da limpeza pública receberam em janeiro Cr$ 6 mil por mês, contra os Cr$ 18 mil em Janduís. Os números são do oposicionista Bruno Martins Veras, do PSDB, que tem espaço cativo nos meios de comunicação da capital para fazer denúncias a granel.

Como quase tudo no Rio Grande do Norte, os meios de comunicação se dividem em "Alves" e "Maia". Não interessa, a nenhum deles, o que se passa em Janduís, uma pequena cidade de quem todo o estado já ouviu falar.

Efeito Janduís

A cidade funciona como um pólo petista no estado. A Assembléia Legislativa dedica parte de seu trabalho a fustigar a administração petista. No começo do ano, o deputado estadual do PDS, Irani Araújo, encomendou uma pesquisa sobre a administração. Mesmo sendo duvidosa, revelou uma aprovação de 52%.

O prefeito José Bezerra é convidado para viajar por todo o estado para ministrar palestras sobre a experiência de Janduís.

O ex-prefeito Salomão Gurgel Pinheiro era apontado por várias pesquisas feitas até o mês de abril como o principal candidato à Prefeitura de Natal. Na definição da política de alianças, houve uma crise que culminou com a saída de Salomão do PT. Ele já se filiou ao PSB. Até o momento a dissidência não se refletiu na cidade.

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Relho e telefone celular

Situada no sudeste do estado, próxima de Vitória da Conquista, Jaguaquara fica a 320 quilômetros de Salvador, em uma região serrana, de clima parecido com o dos municípios que formam o "cinturão verde" ao redor da Grande São Paulo. E como essas cidades, se destaca pela produção de hortifrutigranjeiros, sendo o maior pólo do estado.

Pela BR-116, comboios de caminhões escoam as 5 mil toneladas mensais de produtos agrícolas que Jaguaquara vende na Capital, em Feira de Santana, Itabuna e Vitória da Conquista, principalmente.

Essa atividade responde por quase todo o ICMS do município, que representa 35% da receita. A relativa autonomia torna a cidade, e seus quarenta mil habitantes, bastante atraente na disputa pelo controle político do estado.

O estilo caseiro de Antônio Carlos Magalhães, o governador que nomeou metade do ministério de Collor, é despachado. Mas em Jaguaquara ele parece um menininho encabulado. Suas "marcas" se restringem a placas espalhadas ao longo da rodovia. Elas "explicam" que o governo do estado recuperou o asfalto e está trabalhando por mais. Nelas se lê quanto a obra custou e quem a fez. A propaganda só não cola bem por causa do chão que o motorista tem sob os pés. Algumas pequenas ilhas de asfalto pontuam a terra batida pelo movimento, fazendo soar ridícula a propaganda.

O governador baiano é uma "Brastemp" em cara-de-pau, mas é a referência política do estado. Ele dá o tom para a bandinha de chefes políticos locais. Um ou outro desafina, mas coronel na Bahia agora usa "relho" e telefone celular.

Em Jaguaquara não é diferente. Seu homem na cidade, o ex-prefeito ítalo Amaral, é um próspero comerciante de implementos agrícolas. E dono da única rádio local, a Vale Aprazível. As atitudes violentas se restringem a um ou outro acontecimento provocado pelo delegado, seu apadrinhado. O negócio de ítalo é tocar a loja e atacar a Prefeitura e PT pela rádio.

Ele reconhece que a rádio é uma concessão pública, mas não admite intromissão em seus negócios. A bíblia do jornalismo da Vale Aprazível resume-se em uma única frase de seu proprietário: "A rádio é minha e eu não dou microfone para inimigo".

Inquerido sobre os meios que utilizou para conseguir a concessão do governo federal, ítalo esclarece: "O Antonio Carlos, que é muito amigo meu, deu de presente várias rádios quando era ministro para seus amigos aqui nas prefeituras. Eu não pedi não, foi ele quem deu. É o jeito dele reconhecer a lealdade de um amigo".

Terra em transe

Emancipada em 1921, a antiga fazenda Jaguaquara sediou o primeiro núcleo protestante da Bahia. Sem condições de enfrentar a Igreja Católica e as religiões africanas e afro-brasileiras na capital, a estratégia foi povoar o interior. Da aliança entre protestantes e elite local surgiu um modelo político conservador, mas menos agressivo do que em outras regiões da Bahia.

Até então, Jaguaquara era apenas mais uma cidade na periferia da cultura do cacau, que dava fôlego aos coronéis do sul do estado. Um fato curioso levou a cultura de hortaliças e a estrutura agrícola baseada em minifúndios à cidade. No pós-guerra, a União assentou ali uma leva de imigrantes italianos, fazendo uma primitiva reforma agrária. Distribuiu títulos, deu alguns incentivos fiscais e deixou o resto ao tempo. O clima favorecia o cultivo de hortaliças, que não é exatamente propício ao latifúndio.

Estava desenhada sua estrutura econômica e política-pacatos lavradores, vidinha simples. Os governos municipais que se sucederam até 88 eram representados por comerciantes e proprietários rurais que, em sintonia com as igrejas Católica e Protestante, não fugiram à tradição política regional. Um favor aqui, um voto mais adiante. Um amigo, um parente feito funcionário público eterno. A máquina da Prefeitura era cosa nostra de algumas famílias que se revezavam no poder.

O PT foi fundado por profissionais liberais e estudantes que voltavam da capital em 88, no bojo do processo eleitoral. A campanha ganhou impulso nas comunidades rurais e chegou à cidade prevendo inversão de recursos, acesso aos serviços essenciais e cidadania" nós quebramos aquela prática de dar dinheiro ao eleitor", lembra Paulo Sérgio Oliveira Nunes, atual secretário de saúde e candidato do PT às eleições de outubro.

Além da plataforma que representava "o novo", o PT baseou a campanha no carisma do médico Osvaldo Cruz. Conhecido em toda a cidade, Osvaldo conseguiu juntar os votos de setores médios e dos pequenos produtores rurais.

Com o PT na Prefeitura, a cidade ganhou investimentos inéditos em saúde e educação, programas de orientação ao pequeno produtor e um prefeito que politizou as ações administrativas. Cada vez que os atravessadores forçam a queda dos preços, a Prefeitura chama os produtores a bloquear a BR-116, despejando na estrada parte da produção.

Quando a população resolveu brigar por água encanada e tratada, a administração e parlamentares do PT foram à praça reivindicar ao governo do estado as melhorias. Mas Osvaldo acha que o saldo desta atuação é ambíguo: "Ao conseguirmos conscientizar a população a exigir seus direitos, nós radicalizamos o processo e afastamos a classe média".

Neste episódio, o governo do estado enviou um batalhão da PM para sitiar a cidade. O deputado petista Nelson Pelegrino negociou a ida de uma comissão até Salvador e parte das reivindicações foi atendida. Mas a classe média ficou assustada. "Era aquele negócio de os vermelhos estão na praça", lembra Osvaldo.

Junto com o crescimento do PT e o reconhecimento popular da administração começaram as divergências entre ambos. Mais propriamente entre o prefeito e o partido. Embora o candidato à sucessão seja de consenso, há diferenças na concepção e condução da política de alianças. A Executiva Municipal quer apenas o PS13 na chapa. Osvaldo quer "o partido mais aberto, menos sectário". Corre à boca pequena que existem os "osvaldistas" e os "petistas".

O partido é predominantemente formado por integrantes da tendência Força Socialista. O prefeito se considera "independente".

Mas ambos, partido e prefeito, reclamam que o Diretório Estadual não dá a devida importância à cidade. "Eles não vêm conversar comigo porque pensam que eu sou da Força Socialista", diz Osvaldo. "O Regional. que é majoritariamente formado pela Articulação, não vem aqui porque nós somos fechados com a Força. Eles esquecem que Jaguaquara é a vitrine do PT no estado", diz Pedro Bernardino Filho, ex-presidente do Diretório Municipal e secretário de agronomia.

É inegável que há troca de alfinetadas. "A administração é muito na base do aqui, agora", dispara Pedro Bernardino. "Eu não agüento essa coisa de reunião de oito horas", reclama o prefeito.

Mas não chega a gerar uma crise visível à sociedade. Na hora de implementar as políticas da administração, todo mundo arregaça as mangas.

Jaguaquara reduziu o inchado corpo de funcionários de 1.100 para setecentos. É a única cidade da região que registra em carteira, tem como piso o salário-mínimo, e realiza concursos para admitir servidores.

Tem uma rede de saúde que atende à demanda de cinco cidades vizinhas Itaquara, Apuarema, Santa Inês, Cravolândia e Irajuba. Um hospital, cinco postos e um centro de saúde dão conta do recado. A média é de um médico para cada dois mil habitantes, algo sem precedentes na região. Na área de educação também dá um banho. Abriu 4 mil novas vagas, aplica o método Paulo Freire e, em convênio com a Universidade Federal da Bahia, realiza um programa pioneiro de qualificação dos professores da rede municipal.

A administração promove o Dia de Campo, uma atividade que leva às comunidades rurais a estrutura da Prefeitura. O prefeito ouve as reivindicações enquanto médicos, dentistas e um advogado assistem uma média de trezentas pessoas. Veterinários dão as orientações básicas e vacinas contra doenças elementares e agrônomos levam aos pequenos produtores tecnologias alternativas no cultivo e combate às pragas.

O resultado disso tudo, novamente, se chama cidadania. Na região, é comum que as ambulâncias fiquem na garagem da casa do prefeito. É comum que as instituições públicas sejam vistas pela própria população que as sustenta como propriedade do "eleito".

É notório que as mudanças despertaram um sentimento crítico em relação às autoridades. Da mesma maneira, é evidente que a organização popular ainda é muito frágil. É cedo para dizer que a lei do silêncio e a obediência ao coronel estão condenadas. Mas pelo menos estão em xeque.

Com as cartas na mesa, o Partido dos Trabalhadores já pode se debruçar sobre sua responsabilidade e seu papel neste outro Brasil, que de vez em quando aparece no Globo Repórter, ganha um prêmio na ONU e está muito longe das capitais.

Efeito Jaguaquara

A administração foi eleita por dois jornais, um ligado ao PSDB, outro ao PFL, como a melhor da região.

Em todas as cidades vizinhas se conhece o nome de Osvaldo Cruz e o PT é bem aceito. Jaguaquara tem fama de "pagar o salário".

Na campanha presidencial, Lula ganhou no primeiro turno e só perdeu no segundo por causa das chuvas. O grosso dos eleitores da cidade está na zona rural.

Na campanha eleitoral de 90, o PT ganhou de ponta a ponta e teve dois mil votos na legenda. Ao lado de Paratinga, foi a única cidade onde o candidato a governador Sérgio Gabrielli ganhou as eleições.

A maior votação do deputado Nelson Pelegrino foi em Jaguaquara e a votação do deputado federal Jorge Almeida superou a do ex-prefeito do PMDB, Renê Dubois.

Edson Campos é editor do boletim Linha Direta.

Dados sobre as cidades:

 

Jaguaquara

População - 39.034

Área em km2 - 850

Número de eleitores - 20.000

Filiados ao PT -1.100

Receita - Cr$ 300.000.000 (em abril).

A máquina - Setecentos funcionários que consomem 65% da receita. Secretaria da Educação: 79 escolas espalhadas em seis centros. Secretaria de Obras: carros e maquinário responsáveis pela recuperação de 800 km e construção de 200 km de malha viária. A Prefeitura construiu duzentas casas populares e recuperou outras trezentas durante a cheia de 90. Secretaria de Saúde: cinco postos, um centro (em ampliação para se tornar hospital) e um hospital. Farmácia básica com distribuição gratuita de medicamentos.

Trunfo - A Prefeitura inverteu prioridades e hoje concentra esforços nas áreas sociais. Acabaram-se as obras de validade questionável.

Projeto - O município começa a enfrentar problemas com menores de rua. A Prefeitura pretende ativar programas que garantam casa, educação, saúde e profissionalização a essas crianças.

Frase - "Esse partido aí, o PT, é a esperança que o povo tem aqui na Bahia." José Castro Galhano, 30 anos.

Estilo - Osvaldo Cruz é falastrão e simpático. Acorda cedo e, em um sofá estrategicamente colocado na varanda, atende o constante grupo de pessoas que fica na frente de sua casa. Popular é pouco para defini-lo. É a personagem central em procissões, festas religiosas e populares. No dito de um cidadão, "Osvaldo não perde nem batizado de jegue". Puxa protestos contra os baixos preços das verduras, trabalha na reconstrução de casas. Tem o respeito de todos os setores da sociedade.

Do contra - Ítalo Amaral reclama que a Prefeitura não tem planejamento, transparência e, principalmente, obras. "No meu tempo, a cidade tinha muita obra e era mais bonita. Tá certo que eles fizeram o hospital. Mas é só perguntar para o povo, aí na rua. A cidade está feia, os jardins estão mal-cuidados".

Janduís

População - 5.987

Área em km2 - 264

Número de eleitores - 3.400

Filiados ao PT - 220

Receita - Cr$ 65.030.147 (em abril)

A máquina - Um hospital, 375 funcionários que consomem 65% da folha de pagamento. Um hospital, para serviço curativo, e quatro postos na área rural que fazem trabalho preventivo. A rede de ensino possui vinte escolas e quatorze creches. Trunfo - O Projeto Recriança, que permite a crianças e adolescentes o acesso à prática de esportes e educação artística, serviu de modelo para várias outras cidades. Interrompido por falta de recursos - a LBA não cumpre regularmente a contrapartida-, o projeto está sendo retomado com recursos próprios e vai beneficiar quatrocentas crianças até junho.

Projeto - O açude do clarão, incluído no orçamento da União pelo deputado Eduardo Jorge, está saindo do papel e pode resolver o problema da seca na cidade.

Frase - "Eu não pego dinheiro no banco, vou plantando conforme Deus consente. E da minha terra só saio morto", João Simão, da Comunidade de Verrumas.

Estilo - José Bezerra acha que a administração atual conseguiu suplantar o personalismo da primeira administração popular - "naquela época foi preciso um mito, o de Salomão, para vencer outro, o do coronel Onezimo Maia". Bezerra foi um dos principais responsáveis pela filiação do grupo dissidente do PCB ao PT. Ele não conversa "com a oposição desonesta". Sua casa, a uma quadra da Prefeitura, funciona como uma "república" da administração. Durante a crise de 89/92, Bezerra decretou estado de calamidade e contraiu empréstimos em seu nome para ativar um programa de emergência. Em sua opinião o PT não dá a devida atenção ao município. "Janduís, pela miséria, por ser um município pequeno, incomoda o partido. Essa postura é questionável. Janduís é o retrato da maioria dos municípios brasileiros e o PT não pode deixar de ter propostas para essas cidades."

Do contra - O vereador Bruno Martins Veras, do PSDB, principal opositor da administração petista reclama dos baixos salários pagos a funcionários. E vereadores. A segunda maior queixa de Bruno é a limpeza pública. Diz que a administração é "incompetente, porque às vezes os galhos da poda das árvores ficam até dois dias no meio da rua".

Icapuí

População – 13.658

Área em Km2 – 420

Número de eleitores – 7.000

Filiados ao PT – 417

Orçamento – Cr$ 338.406.000 (em abril de 92).

A máquina – 400 funcionários que consomem 65% do orçamento. Secretaria de Saúde: cinco postos (área rural) e dois centros de saúde (sede), uma ambulância. Secretaria de Educação: uma biblioteca e 31 escolas.
Secretaria de Obras: um trator, um arado e uma carroça.

Maior problema – Na época do reservo, 1º de janeiro a 30 de abril, quando a pesca da lagosta fica proibida, 1.300 pescadores ficam desempregados. A arrecadação da cidade despenca. A mortalidade infantil aumenta vertiginosamente. Em 91, dos 29 óbitos infantis, 17 foram no período do paradeiro, por desnutrição.

Maior trunfo – Qualquer criança que viva no município tem matrícula garantida até o término do 2º grau. Neste ano, há 4.197 alunos matriculados na rede municipal de ensino.

Projeto – Já em andamento, a construção de um hospital em convênio com o governo do estado.

Frase – “Aqui é o melhor lugar do mundo”, Weslei Antonio da Silva, morador de Redonda, 7 anos.

Estilo – O prefeito cumprimenta todo mundo pelo nome. Quando está em casa, as portas ficam abertas. Na parede lateral de sua residência, que dá para a única praça da sede, está pintado em letras garrafais o orçamento municipal do mês. Conversa com todos os vereadores, seja qual for o partido. Às segundas-feiras, abre o gabinete à população para audiências públicas.

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