Internacional

A América Latina rural encontrou-se em Lima, no Peru, de 21 a 25 de fevereiro, no 1º Congresso Latino-americano de Organizações do Campo

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A América Latina rural encontrou-se em Lima, no Peru, de 21 a 25 de fevereiro, no 1º Congresso Latino-americano de Organizações do Campo. Participaram do evento um total de 251 delegados, pertencentes a 84 entidades de dezessete países. Dirigentes sindicais, representantes de entidades camponesas e lideranças de organizações indígenas debateram dez grandes temas durante o período: coca; direitos humanos; reforma agrária; nacionalidades; comunicação e formação; mulher, infância e juventude; meio ambiente; educação e saúde; desenvolvimento e modernização da agropecuária; e organizações do campo.

Esse congresso resultou de uma maratona iniciada em 1989, na Colômbia, durante encontro sobre os quinhentos anos; passando pela Nicarágua, em outubro de 1992 (3º Encontro Continental dos 500 Anos), onde se tirou a comissão organizadora; e finalmente Salvador (BA), em julho do ano passado, quando ficou acertada a sua realização em fevereiro. Participante dessa maratona, Egídio Brunetto, da direção nacional do Movimento Sem Terra (MST), conta que a idéia era fazer um congresso massivo: "os países tinham que formar um comitê e este definiria quem iria. Tinham que ser entidades representativas, de luta, e o critério era levar gente de base, não só os 'capas pretas' de sempre." No caso brasileiro funcionou: a maioria dos cinqüenta delegados (quinze mulheres) era de quadros intermediários, do MST, Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais (DNTR/CUT), Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Movimento dos Atingidos por Barragens.

A Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), do Brasil, não quis participar porque o evento não seria de entidades sindicais. Esse argumento é parcialmente verdadeiro, a maior parte das organizações de camponeses da América Latina não é sindical. Mas isso não justifica a ausência. O DNTR/CUT, com a maioria de seus sindicatos de pequenos produtores (ou camponeses), não apenas foi ao congresso como participou de sua organização desde o início.

O simples fato de o Congresso acontecer, na opinião de Brunetto, foi um avanço para o movimento camponês da América Latina, porque "permitiu a realização de um intercâmbio muito grande e articular a organização no continente, com entidades de lutas." Segundo ele, contribuiu para o clima de consenso o fato de não fecharem questão sobre conceitos: "foram índios, e assalariados - trabalhamos a questão do campo."

Na América Latina hoje, pelos debates nos grupos e em plenário durante o congresso, e por suas resoluções, ficou evidente que a questão do campo vai muito além do problema da posse da terra. Engloba também a preservação ambiental (aí incluídas as questões das barragens, dos agrotóxicos, da contaminação de rios e lagos por minerações, da exploração florestal ... ); o respeito aos direitos dos indígenas à vida, aos seus hábitos culturais e territórios (reservas); o cumprimento das leis e obrigações trabalhistas em relação aos assalariados; e condições de viabilização da produção agrícola familiar, o que inclui o desenvolvimento das áreas rurais.

Toda essa movimentação de indígenas e camponeses na América Latina, desde o final dos anos 80, é resultado da pressão do aumento da miséria rural, causado pelas políticas neoliberais em vigor em todos os países do continente. O neoliberalismo arrebenta os agricultores pobres. Deixa livre a importação de alimentos; retoma terras reformadas; eleva os juros, tornando proibitivo o crédito; e estimula as agroindústrias exportadoras e os grandes empreendimentos agrícolas, florestais e de mineração, levando-os a tomarem as suas terras.

O diagnóstico da situação do campo em todo o continente, apresentado por João Pedro Stédile, do MST, do Brasil logo no início do congresso, dava conta da existência de forte concentração da terra, agroindustrialização generalizada, desemprego estrutural elevado e, conseqüentemente, concentração da população nas grandes cidades. Apontava que os capitalistas não precisam mais da reforma agrária (essa fase já teria sido superada) e que isso implicaria "a necessidade de mudanças mais profundas" nesses países.

A América Latina tem hoje 530 milhões de habitantes e uma dívida externa de US$ 450 bilhões. Mais da metade da sua população (270 milhões) é pobre - e desses, um total de 76 milhões está na área rural, de acordo com estudo realizado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), órgão das Nações Unidas, em 114 países em desenvolvimento. Chama a atenção nesse estudo ("O Estado da Pobreza Rural no Mundo"), não apenas a quantidade de pobres, mas também os "destaques": a Bolívia aparece em 1º lugar, com 97% da sua população rural abaixo da linha de pobreza; em 5º lugar, o Peru, com 75%; e em 6º o Brasil, com 73%. O Brasil destaca-se mais uma vez, ocupa o 4º lugar, entre os 114 países, onde a miséria rural mais aumentou, no período 1965-88.

As resoluções do Congresso, ricas em diagnósticos e propostas, não apresentam grandes novidades do ponto de vista político. Deverão servir pelo menos como referencial para as lutas dos próximos anos. Os destaques ficaram por conta das questões da coca, das organizações e do desenvolvimento do setor agrícola.

A cultura da coca, específica dos países andinos (Bolívia, Peru, Colômbia), está na mira dos Estados Unidos, que vem investindo para exterminá-la. Considerada entorpecente pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a coca tem a sua comercialização proibida no mundo inteiro. Essa situação coloca em risco a sobrevivência de milhões de camponeses/indígenas desses países e agride seus hábitos culturais. Não fazemos idéia no Brasil da importância que a coca tem para esses povos. A folha é utilizada, segundo eles, há 5 mil anos na região, para diminuir o efeito da altitude e da fome e como medicamento. Dizem que não utilizam-na para fazer cocaína, isso seria um "desvio" do homem branco. Ser agricultor a 4 mil metros de altitude, com temperaturas entre 18ºC negativos e 17ºC positivos, só mesmo mascando muita folha de coca.

Protesto com proposta que obtenha resultados concretos para o movimento. Assim foram definidas as formas de luta e resistência, dentro do tema organizações camponesas. E foram além, deixando claro que no contexto atual "deve-se superar a luta meramente sindical e reivindicativa, levantando projetos alternativos, iniciativas de leis e sobretudo organizar formas de gestão e desenvolvimento empresarial a partir do movimento camponês."

Mexendo na ferida, propõem renovação e capacitação (nas organizações) em todos os níveis, o que inclui renovação de lideranças, discurso e práticas. Batem no burocratismo, na separação dos dirigentes de suas bases, o descompasso entre o que dizem e o que fazem. "Deve-se democratizar e modernizar as estruturas de nossos sindicatos, abrindo espaço a novas formas de organização e representação, pondo força na presença da mulher e da juventude, ampliando a sua participação política e capacitação ( ... )"

Defendendo a agroindustrialização ("transformar antes que transporta?') em nível local, como forma de gerar empregos e agregar valor aos produtos agrícolas, "nesta nova etapa", os indígenas e camponeses tratam da autogestão conscientes de que ela "só é possível com autofinanciamento, mercado, recursos e gestão eficiente, além de uma boa e eficiente organização." São os novos tempos. Os neoliberais que se cuidem.

Apesar de existirem muitas organizações de camponeses, assalariados, indígenas e sem terra (algumas de apenas uma categoria, outras com várias) em todos os países, os delegados presentes ao congresso não demonstraram conhecer além das suas. Pouco dispunham de informações precisas sobre a estrutura fundiária, quantidade de trabalhadores no campo etc. Procuramos montar um quadro com o que foi possível obter.

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Peru

A situação dos camponeses e indígenas é muito dramática, por causa a violência política no país. A guerra entre o grupo guerrilheiro de orientação maoísta Sendero Luminoso e as Forças Armadas coloca-os "entre dois fogos". Essa guerra, iniciada em 1980, já teria causado a morte de 20 mil a 25 mil pessoas, obrigado 600 mil famílias a abandonarem suas moradias e transformado 55 mil crianças em órfãos.

A ditadura militar de Velasco Alvarado (1968-75) realizou uma reforma agrária pra valer. Desapropriou os latifúndios, inclusive o da empresa americana Cerro de Pasco Co. (o escritor Manuel Scorza, dirigente do Movimento Comunal, denunciava, em 1961, que essa empresa teria 500 mil hectares (lia). Para que se tenha uma idéia do que essa área representava no Peru, a área total dos camponeses era de 615 mil ha).

Essa reforma agrária foi feita de maneira muito rápida, com muitas desapropriações, sem pessoal técnico. Um processo de cima para baixo, em que os camponeses eram obrigados afiliar-se à central de trabalhadores criada pelo governo (CNA, hoje com 400 mil associados) e a organizar-se "na marra" em cooperativas. O fato de não ter repassado as terras aos produtores individuais, preferindo coletivizá-las através do sistema cooperativista, foi uma das razões do seu fracasso, na opinião da Confederação Campesina do Peru (CCP, fundada em 1947 e com 3 milhões de camponeses filiados).

Colômbia

É um país em guerra, entre narcotraficantes, guerrilheiros, latifundiários, mineradores, grupos paramilitares, forças da repressão e "assessores" dos Estados Unidos, por três bons motivos: petróleo, cocaína e ouro, em grandes quantidades. Levando tiros de todos os lados, camponeses e indígenas lutam e morrem por suas terras. Os latifundiários aproveitam-se da guerra contra a guerrilha e o narcotráfico para obterem terras, e as mineradoras, para efetuarem uma "limpeza" nas áreas desejadas, o que inclui o assassinato de dirigentes.

A população de 34 milhões de habitantes já está em grande parte (70%) nas cidades, restando no campo principalmente mulheres, jovens e crianças. Os homens foram mortos ou obrigados a mudar-se por causa da violência política. Trezentas mil pessoas teriam migrado no período 1986-92, segundo estimativas de entidades de direitos humanos, que contabilizam, em 1991-92, o assassinato de 367 camponeses e 51 indígenas e o desaparecimento de 75 camponeses.

Há um total de onze organizações de trabalhadores rurais. Destas, apenas três seriam de luta: Onic (Organização das Nações Indígenas), Fensuagro (Federação Sindical de Trabalhadores Agrícolas) e Anuc-UR (Associação Nacional de Usuários Camponeses Unidade e Reconstrução). Esta última foi criada em 1969, pelo Estado, e dirigida por latifundiários que dominavam e manipulavam a entidade. Em 1985, houve um "racha" e hoje existem duas Anuc: a oficial e a "Unidade e Reconstrução".

A Anuc-UR tem influência em quatorze departamentos, do total de 23 existentes no país, segundo Edilia Mendoza, dirigente da entidade. Ela explica que não possuem dados sobre os filiados por questões de segurança, e que a participação das mulheres na direção - oito, de um total de trinta dirigentes tem a ver com a realidade do campo hoje, com poucos homens. "A luta pela terra é a questão principal", diz ela, "e as mulheres é que ocupam as terras." Investigam tudo sobre a área desejada e depois ocupam. "O mais duro são os três primeiros meses" - assegura, porque é o período de enfrentamento mais feroz com os latifundiários e seus pistoleiros, a polícia e os grupos paramilitares (um levantamento realizado no país identificou a existência de 153 desses grupos).

Argentina

Sob o ponto de vista da concentração de terras, a Argentina não fica devendo nada ao Brasil: 33 mil estabelecimentos, de um total de 523 mil existentes, abocanham 156 milhões (lia), do total agricultável de 209 milhões de lia. Os produtores médios (200 a 1.000 lia), um total de 77 mil, ficam com 33,5 milhões de lia. A área ocupada pelos pequenos (50 a 200 lia), um total de 135 mil produtores, é de apenas 15 milhões de ha. E os 4,5 milhões de lia "sobrantes" são divididos entre a massa de 278 mil minifundiários (até 50 lia). Essa concentração, com 6% dos estabelecimentos dominando 75% do total de terras, ajuda a entender porque a Argentina hoje mantém 86% da sua população nas cidades - apenas a região metropolitana de Buenos Aires reúne 12 milhões, dos 33 milhões de habitantes do país.

A unidade econômica por família é de 100 lia na Pampa Húmeda e de 500 lia na Pampa Seca - onde há necessidade de muita terra porque trabalham com cereais, de acordo com Arnaldo Chiavidoni, do Movimento Agrário da Região Pampeana (Marp). Ele diz que os pequenos têm entre 10 e 30 ha, sendo obrigados a se assalariar uma parte do tempo. "Hoje há um excesso de mão-de-obra na Pampa Húmeda - a região agrícola mais rica do país -, e muitos sem terra." Chiavidoni destaca ainda que existem 3 milhões de pobres na área rural - dos 9 milhões abaixo do limite de pobreza no país.

A pobreza rural é mais dura nas províncias de Rio Negro e Neuquen, região da Patagônia, habitada por 35 mil mapuche, nação indígena dividida pela Cordilheira dos Andes (há mapuche também no sul do Chile). Hermenegildo Liempe, do Conselho Assessor Indígena (CAI), conta que não é possível plantarem devido às baixas temperaturas - no inverno a temperatura chega a 30ºC negativos -, restando-lhes a criação de ovelhas como atividade econômica.

"As terras estão empobrecendo, não sustentam mais as criações de ovelhas como antigamente, e a falta de terras obriga os criadores a colocarem mais animais nos pastos", explica Liempe, completando que com isso caíram o rendimento e a qualidade da lã, e, para piorar a situação, também o preço, antes de US$ 2 o quilo e hoje apenas US$ 1. A pobreza dos mapuche agravou-se, porque cada família possui em média 150 ovelhas, e uma ovelha produz 3 kg de lã por ano - resultando em miseráveis US$ 450 por família anualmente. "A fome se instalou", resume Liempe.

Solo e povo pobres, subsolo rico: a Patagônia tem petróleo, ouro, prata e a cobiça do mundo. Os mapuche lutam para garantir a demarcação da reserva e a preservação de suas terras ancestrais. Como não estão conseguindo mais se sustentar em suas terras, as empresas madeireiras e mineradoras são incentivadas, pelos governos provincial e nacional, a devastarem a região Liempe denuncia que "o objetivo é passar à iniciativa privada quase 4 milhões de lia de terras da União, hoje ocupadas em regime de comodato por pequenos e médios produtores".

Provavelmente pensando nas eleições presidenciais de 1995, o governo Menen lançou, no início deste ano, os programas "Mudança Rural" e "Plano Social Agropecuário". O primeiro beneficia cerca de 30 mil produtores em todo o país, com renda mínima de US$ 13 mil por ano. Deverá durar quatro anos e prevê US$ 480 milhões para empréstimos e US$ 47 milhões para assistência técnica. Atinge 15% dos produtores da região de Rio Negro, aqueles com 2 mil a 2,5 mil ovelhas.

Já o Plano Social visa cerca de 195 mil minifundiários, com menos de US$ 13 mil de renda anual. Dispõe de apenas US$ 35 milhões e tem duração prevista de um ano. Além desses dois, há as "Cédulas Hipotecárias", para os grandes produtores, com recursos da ordem de US$ 1,054 bilhão. É crédito de baixo custo, com sete anos de prazo e dois de carência.

Equador

Quase metade da população (45%), de 11 milhões de habitantes, ainda vive na área rural. Desse total de 5 milhões de pessoas, aproximadamente 1,1 milhão trabalha na agricultura. Uma parte delas está organizada na Fenoc-i (Federação Nacional de Organizações Camponesas e Indígenas), através de 22 uniões zonais e provinciais e 989 organizações de base (comunas, cooperativas, associações de trabalhadores, organizações de mulheres, de jovens), totalizando 93 mil famílias.

Messias Tatamuez, presidente da Fenoc-i, diz que no Equador o salário mínimo é aproximadamente US$ 32, "mas os trabalhadores agrícolas ganham menos, cerca de US$ 28 mensais". Os baixos salários e o desemprego rural, agravado pela mecanização, são as causas do drama vivido pelos assalariados, concentrados na região da costa (onde se planta banana e flores para exportação). Para os camponeses, "o problema central é a falta de terra - estima-se que existam atualmente no Equador um milhão de sem terra, filhos de camponeses que não possuem terras para trabalhar", resume Tatamuez. E acrescenta que a luta dos camponeses equatorianos hoje, por mudanças na legislação agrária, "não dispensa os enfrentamentos, como a ocupação de terras."

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Chile

Os militares teriam desfeito a reforma agrária do governo Allende, a partir de 1973, e se apropriado de um total de 3 milhões de lia, segundo denúncia da Confederação Nacional Sindical da Agricultura, El Surco. Hugo Díaz, presidente da El Surco, afirma que a entidade reúne 15 mil dos 30 mil trabalhadores na base, através de 120 sindicatos e quatorze federações regionais. Díaz estima existirem 700 mil assalariados agrícolas, organizados em sindicatos por empresas e interempresas e 300 mil pequenos produtores. Estes são obrigados a se assalariar. A grande maioria trabalha com frutas ou em explorações florestais.

País com 81% da população urbana, o Chile possui também uma estrutura fundiária concentrada, com os estabelecimentos maiores de 80 lia ocupando 18% dos 30 milhões de lia agricultáveis do país. Os minifúndios ocupam 41% dessa área, e os médios e grandes (20 a 80 lia) outros 41%.

Nicarágua

Os camponeses mantém em seu poder 4 milhões de ha, ainda da época dos sandinistas, e os 120 mil assalariados agrícolas recebem uma diária mínima de US$ 2, mais três refeições e alojamento, segundo José Adán Castillo, secretário de organização da Associação de Trabalhadores do Campo (ATC). Ele diz que essas conquistas econômicas e sociais ainda se mantém - o "ajuste" realizado após a mudança de governo resultou em aumento do desemprego, congelamento de salários, aumento dos custos dos serviços sociais e dos preços em geral.

Castillo explica que das 72 mil famílias existentes na ATC, cerca de 35% não possuem homens. Mais da metade (65%) das famílias são assalariados e camponeses pobres. Haveria ainda, desse total associado, 18 mil famílias nas ATP - áreas de propriedade dos trabalhadores organizados em empresas autogestionárias. Os empresários e médios e grandes agricultores estão organizados na União Nacional de Agricultura e Pecuária (Unag).

A pequena Nicarágua depende muito de sua agricultura, com 500 mil famílias na atividade, aí incluídos, além dos assalariados, pequenos e médios produtores. Ela responde por 30% do seu Produto Interno Bruto (PIB) e segura 40% da população do país na área rural. Castillo diz que hoje o campo luta por infra-estrutura, principalmente de saúde e educação; crédito para desenvolvimento econômico visando recuperar empregos; e participação orgânica em distintas instâncias de gestão social e econômica. Otimista, crê em vitória eleitoral dos sandinistas em 95, e garante que pretendem descentralizar o poder.

México

Existem 90 milhões de mexicanos, dos quais 50 milhões são pobres - 13 milhões no meio rural. Esse quadro de miséria, para Federico Ovalle, secretário-geral da Central Independente de Trabalhadores Agrícolas e Camponeses (Cioac), deverá se agravar com o Acordo de Livre Comércio (TLC), realizado com os EUA e Canadá. "A produção mexicana de alimentos não resiste ao livre comércio com os EUA", ele garante, exemplificando com os casos do trigo e do milho: "o TLC (ou Nafta, para os americanos) abre as portas do México para produtos desses dois países, como o trigo dos EUA, que custa US$ 100 a tonelada, enquanto o nacional custa US$ 180, e o milho, que rende 2 t/ha no México e 7 t/ha nos EUA.

A reforma agrária mexicana dividiu 106 milhões de lia, a maior parte terra de má qualidade. Há 25 milhões de lia cultivados por 3,5 milhões de camponeses e por 1 milhão de pequenos, médios e grandes empresários. Há ainda, no campo, um total de 6,7 milhões de assalariados (2 milhões permanentes), recebendo o salário mínimo de US$ 4,3 ao dia e trabalhando dez a doze horas. Não recebem 13º salário e os patrões também não respeitam o direito a férias, apesar de constarem na legislação.

Estima-se que 1,5 milhão de assalariados temporários ("jornaleros") trabalhem em plantações americanas, indo e voltando de acordo com as safras. Não existem sindicatos para assalariados. Há cinco organizações governamentais, com registro, mas sem atuação efetiva. As verdadeiramente dos trabalhadores não conseguem registro para funcionar, o governo não concede.

Os camponeses, em compensação, são "representados" por treze organizações de caráter nacional, sendo que onze estão no Congresso Agrário Permanente (CAP). No bloco oficialista, sustentada por dotações governamentais e tudo, está a Confederação Nacional Campesina (CNC), presente nos 31 estados e constituída por associações, federações e cooperativas. A oposição reúne a Central Independente de Trabalhadores Agrícolas e Camponeses (Cioac), com presença em 26 estados e aproximadamente 200 mil filiados; a Coordenação Nacional Plan Ayalla (CNPA) e as suas divisões: União Geral de Trabalhadores e Camponeses (UGOCP), com 100 mil filiados e presença em 22 estados, e a União Nacional de Trabalhadores e Camponeses (UNORCA), com 300 mil filiados.

Milton Pomar é jornalista especializado na área rural.

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A Esquerda e o Campo

A esquerda urbana abandonou o campo, como se a luta contra o poder dos latifundiários e do capitalismo agroindustrial não dissesse respeito diretamente à transformação da sociedade, e, a curto prazo, à luta contra a fome, contra o desemprego e pela elevação da qualidade de vida da população urbana. Essa parcela majoritária da esquerda não convive com a miséria rural e a dureza do trabalho agrícola. São companheiros e companheiras intelectuais, militantes e dirigentes de partidos políticos de esquerda, de movimentos populares e de sindicatos combativos, vivendo em outro mundo, civilizado, de distâncias pequenas e comunicação extremamente facilitada.

Desconhecem os enormes avanços que o capitalismo conseguiu no campo nos últimos anos, em todas as atividades em que investe - da palma no Pará às frutas e hortaliças para exportação no semi-árido nordestino; da pecuária de corte e de leite, altamente tecnificadas, de algumas regiões do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, ao cultivo e industrialização, de elevada rentabilidade, da cana e laranja em São Paulo.

Desconhecem, ainda, que os milhões de trabalhadores rurais vivem com relações e condições de trabalho do século passado. Desde 1985 a Comissão Pastoral da Terra (CPT) publica um relatório anual sobre essa situação. Existem tortura, trabalho escravo, impunidade, assassinatos seletivos e massacres. Os assalariados não têm carteira de trabalho assinada; morrem em acidentes de caminhões, contaminados por agrotóxicos e de fome - e isso tudo acontece também no interior de estados ricos e urbanizados, como o Paraná e São Paulo.

Os pequenos produtores (tratados aqui por agricultores) vivem um drama à parte. Continuam sendo obrigados a sair de suas terras, por não conseguirem uma renda familiar suficiente. Muitos transformaram-se em assalariados das agroindústrias de fato (os "integrados", do fumo, leite, aves, suínos, hortaliças, frutas), mas não de direito. Estima-se que sejam 5 milhões de famílias, responsáveis pela produção de grande parte dos alimentos básicos. Ao contrário dos camponeses europeus, que costumam apoiar os partidos de direita, no Brasil uma boa parte deles milita no PT ou em outros partidos de esquerda, nos sindicatos filiados à CUT e em movimentos populares combativos.

A sua situação é particularmente delicada no movimento sindical cutista, no qual a grande maioria dos quase 700 sindicatos filiados é de agricultores. Participantes importantes do processo de fundação e consolidação da Central, os rurais estão perdendo peso político dentro da Central. Reduziram os seus delegados aos congressos nacionais da CUT, de 40% do total em 1983, para 10% em 1991. E a sua contribuição financeira não chega a 1% do total arrecadado pela CUT com os sindicatos urbanos.

Caiu também a participação interna: no 1º Congresso do Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais (DNTR), em 1989, havia 55% dos sindicatos; no 2º, em 1993, apenas 51%. Os delegados presentes ao 2º Congresso do DNTR representavam 207 mil filiados, pouco mais de 30% do universo total de 670 mil sindicalizados. Estava ali apenas 4% da base de 5,4 milhões. Analisando melhor, não estava representada 96% dessa mesma base.

Cabe perguntar, diante desse quadro, se o sindicato é a estrutura de organização e representação política mais adequada para os agricultores. Os sindicatos filiados à CUT contam com 12% da base sindicalizada (média nacional). Vale dizer, com 88% dos agricultores fora dos sindicatos. A grande maioria dos sindicatos cutistas tem 5% a 10% da base associada em dia.

O Rio Grande do Sul, mais desenvolvido, tem 20% da base.

Sindicatos sem gente e sem dinheiro. A auto-sustentação financeira não existe no movimento sindical rural. Alguns poucos sindicatos pagam as suas contas com as mensalidades dos associados; a grande maioria sobrevive formalmente, mas não atua por falta de recursos; os departamentos e federações vivem à míngua, dependendo de auxílios diversos; e o DNTR, às custas da solidariedade européia.

Esse crescente esvaziamento dos sindicatos, vem da sua substituição, pelos agricultores, por estruturas mais eficazes - associações, cooperativas e movimentos. Enquanto isso, gasta-se energia para tentar conquistar as velhas estruturas (sindicatos, federações e a própria Contag) e em disputa pelo poder interno. Quantos anos já foram consumidos no caminho da Contag? Quanto dinheiro, quantas reuniões, viagens e telefonemas?

Valeu a pena o esforço? Não se está remando na direção contrária? Podemos ter perdido um tempo precioso, brigando pelo que está podre para depois concluirmos que a estrutura sindical serve apenas para assalariados. O melhor não seria, por exemplo, a esquerda rural investir para ganhar as cooperativas do "sistema OCB"? Investir mesmo, em todos os sentidos inclusive no de aprender a administrá-las para poder competir com as empresas agroindustriais. É inegável que as cooperativas fazem o que os sindicatos não conseguem, desde a armazenagem e venda dos produtos dos agricultores, em nível local, até negociar com os governos estaduais e federal, através de suas organizações.

Os números são eloqüentes a respeito dos agricultores em sindicatos, mas há também a questão das lutas. Ou da ausência delas. O sindicalismo rural cutista tem se caracterizado por priorizar o enfrentamento com o Estado, deixando de lado o Capital. E este faz o que quer, tanto o capital industrial e financeiro, quanto fornecedores de insumos para os agricultores, como o agroindustrial, como comprador da sua produção.

Houve uma brutal deterioração da relação de troca nos últimos quinze anos - dobrou e até triplicou a quantidade de produtos agrícolas necessária para se adquirir um produto industrial, seja ele um arado ou um trator. Isso vale também para o crédito, antes 5% dos custos totais de produção, e atualmente chegando em alguns casos a até 50%.

A exploração dos agricultores integrados pelas agroindústrias e o domínio até ideológico que estas exercem sobre eles é algo impressionante. Esse processo de integração, característico da região Sul, avança rapidamente pelos estados do Nordeste, contando inclusive com financiamento público para as agroindústrias, dentro do programa de apoio à pequena produção.

O enfrentamento dessas questões exige, primeiro, a sua divulgação para a esquerda urbana. Há muitas novidades no campo e há muito desconhecimento a respeito. Existem idéias já ultrapassadas pela realidade que continuam marcando posições.

Precisamos trazer para o campo a esquerda urbana, conseguir que companheiros e companheiras visitem as propriedades desses agricultores, conheçam os assentamentos de reforma agrária, sintam as condições em que vivem esses trabalhadores. Precisamos discutir com eles a questão dos subsídios à produção familiar, e a necessidade de investimentos para recuperar a capacidade produtiva desses agricultores e para o desenvolvimento das áreas rurais. Não basta desapropriar terras, é necessário viabilizar economicamente os assentamentos, torná-los lucrativos.

É dentro desse contexto maior que se coloca a questão da estrutura mais adequada para a organização dos agricultores, pensando nos próximos anos, de domínio dos complexos agroindustriais e de perda de importância da agricultura familiar. (MP)

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