Nacional

Nesta entrevista a TD Otavino conta sobre sua participação na resistência ao golpe de 64, na organização da Greve de Contagem e sobre a clandestinidade e o exílio

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Otavino Alves da Silva, começou a militar no Partido Comunista Brasileiro a partir de 1951, participou da fundação da Polop e foi membro da direção nacional da organização. Filiou-se ao PT e foi presidente do partido em Contagem e membro da Direção Estadual na Bahia. Nesta entrevista a TD ele conta sobre sua participação na resistência ao golpe de 64, na organização da Greve de Contagem e sobre a clandestinidade e o exílio.

Onde e quando você nasceu?
Eu nasci em 18 de fevereiro de 33. Quando meu pai foi ao cartório de Jequié, registrou três filhos de uma vez: eu que nasci em 33 e fui registrado como se tivesse nascido em 32, o meu irmão que nasceu no dia 17 de fevereiro de 35, como se fosse em 34 e só uma irmã que nasceu em 37 foi registrada corretamente. Nasci em Jequié, Bahia, e lá fiquei até os 17 anos. Depois, fui para Itapetinga, no sudoeste da Bahia, com meu pai, que era carpinteiro e muito se orgulhava de nunca ter trabalhado de empregado para ninguém. Quando aparecia uma cidadezinha nova íamos para lá com as ferramentas trabalhar. Eu tinha feito o curso primário até o 3º ano.

Seus pais influenciaram sua formação política?
Minha mãe, Orlinda Silva Pinto, não tinha participação política. O meu pai, Sebastião Alves da Silva, não era filiado a nenhum partido e também nunca foi empregado de carteira assinada. Ele era getulista, mas não era do PTB. Ele me influenciou mesmo foi numa certa obrigação de estar trabalhando: cinco ou seis horas da manhã ele já me acordava. Profissionalmente também foi muito importante. Meu pai era um profissional que fazia de um carro de boi a um violão, viola, cavaquinho, fazia todos os móveis. Dizia: eu pego o terreno e entrego a chave da casa mobiliada. Embora o sonho de toda a esquerda fosse ser metalúrgico, ser marceneiro também abriu espaço para a participação política e cultural, porque é uma profissão que exige uma influência na arte, o gosto pela leitura.

Quando você tomou contato com o Partido Comunista?
Eu tomei contato com o PC através da imprensa. Um farmacêutico chamado Otávio Rolim, que era do PSD mas era amigo do Partidão, assinava o jornal do partido, O Momento, e deixava-o em cima da mesa. Então eu lia. Era um jornal diário, de Salvador, um standard de quatro a seis páginas. Foi aí que tomei contato com a imprensa de esquerda e quase que com a imprensa propriamente dita. Comecei a conversar com as pessoas que entregavam o jornal, e aos poucos fui sendo cooptado para o partido.

Quando você foi recrutado?
Nunca fui oficialmente integrado sendo assimilado aos poucos, a partir de 51. A primeira vez que falei em público foi no 1º de Maio de 54, representando o Sindicato da Construção Civil, em Itapetinga. O partido tinha me mandado a história do 1º de Maio e foi em cima disso que preparei meu discurso. Meu primeiro emprego foi numa serraria do velho Norberto Odebrecht, em Itapetinga. Já como militante do partido do Comitê Distrital, vinculado ao Comitê Zonal do Sul da Bahia. Passei por uma série de treinamentos, como, por exemplo, organizar um sindicato, uma associação civil e, claro, o partido. Eu participava de uma célula. O pessoal era de classe média e só dois eram operários, eu marceneiro e um companheiro encanador, o Silvino, que trabalhava como bombeiro hidráulico. Fundamos o Sindicato da Construção Civil, o presidente era da Igreja Católica, o Rozaivo Cipriano de Souza. O Rozaivo morreu há uns cinco anos. Chegou a ser vereador pela Arena, teve um filho que morreu na Guerrilha do Araguaia, o Mundico. Quando eu estudava no ginásio à noite, em Itapetinga, ele estudava de dia.

Voltando ao Rozalvo Cipriano...
Ele era Congregado Mariano, mas dava para trabalhar. Porque como comunista naquela época, no interior, era meio segregado, tínhamos uma vida meio de seita, um grupo muito fechado, fazendo as coisas clandestinamente. Minha primeira greve foi em Itapetinga, em 54, quando saiu o salário mínimo. Nós tínhamos uma base do partido na própria serraria, éramos oito companheiros clandestinos lá dentro, e achávamos que tínhamos que peitar a empresa. Fizemos uma assembléia e comunicamos ao partido, através de um dirigente zonal do extremo sul da Bahia. O assistente tinha uns 45 anos, Carlos dos Santos Friedick. Era austríaco, naturalizado brasileiro, remanescente de 35, ligado aos marinheiros. Foi uma espécie de referência, como o Eric Sachs foi depois. Dissemos a ele que tínhamos que entrar em greve para que o patrão pagasse o salário mínimo. Então fizemos uma reunião, o dono da empresa, eu e o representante do partido, que chegou lá como representante do Ministério do Trabalho. O dr. Evandro abriu a reunião dizendo que eu era comunista, que estava lá para fazer subversão. Mas fez um acordo de que pagaria o salário mínimo, e logo em seguida me mandou embora.

Como o partido viu isso?
O partido botou o problema em cima de mim. Eu estava divergindo da linha do partido, de implantação da revolução democrática burguesa. E que esse cidadão devia ser ganho para a revolução e que tinha faltado habilidade minha e uma série de coisas. Isso rolou durante um ano, as coisas na clandestinidade demoram muito a acontecer. Eu fui chamado a uma reunião em Itabuna, onde me fizeram uma série de críticas. Mas eu não me convenci de que estava errado. Mas eu não tinha uma formação teórica para discutir essas questões. Líamos a imprensa do partido, tinha a Tribuna do Sul, que era quinzenal e impressa numa gráfica em Salvador; O Momento, diário; Imprensa Popular, porta-voz do Comitê Central; Classe Operária, que divulgava a política de massas do movimento operário do partido. Tinha Novos Rumos, que era o jornal da juventude, e recebíamos também a revista Problemas, com os artigos do camarada Stalin. Essa era a minha literatura, a minha formação teórica.

Você chegou a participar das disputas internas do Partidão?
Em meados de 56, me convidaram para uma discussão em Itabuna. Fui preocupado, pensando que iriam me expulsar. Havia um problema psicológico nisso. O que significaria um militante do partido comunista ser expulso? Naquela época só existiam três concepções políticas: da classe dominante, dos comunistas e dos trotskistas. E na visão do PC, o trotskista era o policial, o provocador. Então eu fui para Itabuna apavorado. Quando cheguei, tinham umas cinco ou seis pessoas, a primeira frase que ouvi foi: "Olha companheiro, o partido não existe mais, acabou." Foi um corte na minha vida. Eles mostraram-me o jornal O Nacional, que dizia que o Agildo Barata e o Pedro Mota tinham saído do PC. Eu não tinha condições teóricas ou psicológicas para analisar aquele quadro e tomar posição. É evidente que depois eu fiquei sabendo que essa crise foi mais profunda. Cortei minhas relações com o partido a partir da cisão do Agildo.

Quando você foi para Belo Horizonte?
Eu passei o ano de 56 em Itapetinga. Em 57 eu fui trabalhar na construção de Brasília. Parei em Belo Horizonte, fui na cidade industrial, vi as chaminés e decidi ficar. Fui procurar trabalho na construção civil. Nesse mesmo período, chegou o João Firmino Luzia, presidente do Sindicato dos Marceneiros, que tinha ido à União Soviética com um grupo de deputados progressistas da época. E quando voltaram a polícia prendeu João Luzia. Com sua prisão, o sindicato passou por uma crise, o 1º secretário ficou com medo e eu assumi. Fazia as atas, fui assumindo devagarinho o sindicato. Nesse período venceu o mandato, e eu entrei para a diretoria do sindicato.

Quando você tomou contato com o grupo que deu origem à Polop (Política Operária)?
Em 58, conheci um grupo de jovens que militavam na mocidade trabalhista do PTB: o Simon Schwatm, de origem judaica, sua namorada Suzana, Artur Mota, que hoje é advogado, Teotônio dos Santos Júnior, Vânia Bambirra, Betinho, Vinicius Caldeira Brant, Jair Ferreira de Sá, que depois foi da AP (Ação Popular), entre outros. O Teotônio nunca foi do Partidão. Nessa época discutia-se uma intervenção no PTB e, ao mesmo tempo, um projeto político de combate ao reformismo. O Leonel Brizola bancou o Congresso da Mocidade Trabalhista no Rio Grande do Sul, foram quatro pessoas de Belo Horizonte: o Vinícius, o Pedrinho, um menino da JOC (Juventude Operária Católica), ligado ao Sindicato dos Têxteis, e eu. Quem bancou as passagens de avião foi o Santiago Dantas. Ali nasceu a futura chapa de direção da UNE, do Congresso que ia acontecer em Belo Horizonte.

Você continuou militando no sindicato?
Eu atuava no Sindicato dos Marceneiros e fazia questão de passar para os companheiros essa minha militância política. Isso tem a ver com a passagem pelo PC, que teve várias distorções, mas quem por ele passou mantém uma certa fidelidade, disciplina ao compromisso revolucionário. E aí veio a discussão mais séria nesse período, a questão da eleição do Lott. Pessoalmente já não estava convencido de participar do processo eleitoral. Em 55, eu tinha participado da campanha do Juscelino porque achava válido, apesar de estar desvinculado do partido. Num prazo de cinco anos, cinqüenta anos, desenvolvimentista. Por isso, assumi a campanha com muita garra. Já a do Lott não, porque já se tinha elaborado alguns princípios. E a gente já discutia os textos do Marx. Os companheiros datilografavam os textos, quatro ou cinco cópias e nós reuníamos os marceneiros e discutíamos. Naquele primeiro momento foi Dezoito brumário. E a visão que tínhamos era que o Jango queria ser o Luís Bonaparte. Mas tínhamos uma certa intuição de que a burguesia brasileira e o João Goulart não tinham o pique de um Bonaparte.

Foi nessa época, então, que você teve contato com Eric Sachs?
O Eric dirigiu uma revista de intelectuais do PSB do Rio de Janeiro. Saiu antes do golpe. Era austríaco, a mãe dele era russa, morava no Rio, e não falava uma palavra em Português. O pai parece que era austríaco, não tenho bem certeza. Quando veio o nazismo na Alemanha, eles fugiram para a Rússia. O pai era bolchevique, participou junto com Lenin. Quando Eric falava da história do Partido Bolchevique, citava fatos de pessoas que ele conheceu e Rosa Luxemburgo, inspiradora da Polop conviveu. Aqui no Brasil ninguém tem muita coisa sobre ele. O Eric trouxe uma terceira visão marxista, além da trotskista e da stalinista. Colocava Rosa Luxemburgo como porta-voz dessa nova concepção. Ele sempre valorizou a formação teórica do militante. Seu sonho eram as escolas de formação onde Rosa Luxemburgo tinha sido professora.

Ele chegou a militar no Partido Comunista Alemão?
Sim, mas nunca me falou da relação dele com Spartaco (Liga Spartaquista). Eric citava como contribuição ao debate comunista Talheimer (Oposição Alemã). Ele tinha uma biblioteca toda em alemão, muito boa.

O Eric chegou a ser acusado de "agente alemão"...
O Clodomiro publicou uma matéria no jornal das Ligas Camponesas, acusando o Eric de policial, infiltração do governo alemão no movimento operário. Isso porque ele traduzia textos para a Embaixada Alemã.

Ele não vivia clandestinamente?
Não, tinha uma vida legal, o que ele mantinha reservado era sua vida pessoal. Veio rapazinho para cá, logo depois da 2º Guerra, trabalhou numa gráfica em São Paulo. Depois entrou no Ministério da Educação, no Teatro Brasileiro de Comédia. Mantinha uma vida cultural intensa no Rio, com o pessoal de teatro e cinema. Ele só usava o nome de guerra Ernesto Martins na clandestinidade. Legalmente era conhecido como Érico, só que como Érico Sachs, o sobrenome não era comum, parece que ele adotava Érico Mendes. Parece que foi uma opção de naturalização.

Na época da ditadura, ele se exilou?
Ficou no Brasil enquanto pôde, se exilou depois de mim. Foi preso no Dops e sua primeira atitude foi comer açúcar. Não falou que era diabético, para provocar uma crise e ser levado para o hospital. Outra vez, trocaram-no de cela. O Eric pegou uma corda, quebrou o vidro basculante, desceu e foi para casa. Aí montam um esquema para ele ir para o México.

Qual a opinião do Eric sobre o PT?
Entusiasmada. Para ele todos tinham que participar do PT , inclusive a Polop. Falou-se em autodissolver a organização em função do partido. O Eric também queria que trabalhássemos junto com o Perseu Abramo. A idéia era fazer um grande jornal de massas. Tínhamos uma experiência acumulada de boletim na clandestinidade, que chamávamos de caixas postais. Rodávamos o boletim e deixávamos em determinado lugar, de baixo de uma pedra ou de um tijolo, e o militante passava e pegava.

O núcleo que deu origem à Polop tinha trabalho entre os operários?
O Eric dava assistência aos têxteis do Rio e o Eder aos gráficos de São Paulo. No Sindicato dos Marceneiros, tínhamos O Serrote, um boletim que tratava dos problemas da categoria. Tinha um editorial com uma análise de conjuntura nacional, escrito por Carlos Alberto de Freitas, o Beto, estudante de sociologia, um dos fundadores do Colina (Comando de Libertação Nacional), hoje é um dos "desaparecidos", preso no Rio. O Serrote chegava todas as segundas-feiras nas marcenarias. Conseguimos organizar um grupo de uns cinqüenta marceneiros, distribuídos nas várias fábricas, mas nunca tivemos a preocupação de fazê-los militantes da Polop. A preocupação era de que atuassem no sindicato, na fábrica.

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Fale um pouco sobre como foi a fundação da Polop.
O congresso de fundação aconteceu em Jundiaí. Dos operários só fui eu, representando os marceneiros. Nesse Congresso de Formação participaram um grupo de espanhóis, o Eder e o Emir Sader, o Paul Singer. Antes de 64, o Paul Singer era ligado ao PSB, foram o Eder e o Emir, jovens estudantes da época, que o motivaram. Aquele congresso foi só uma tomada de posição mais aberta, mas não se unificou. O Juarez Brito, que morreu durante a repressão, também participou do congresso de fundação. E continuamos nossa militância dentro da perspectiva de um sindicato autônomo, um projeto político revolucionário marxista-leninista, fundamentado na realidade brasileira. Nossa posição era de crítica aberta ao stalinismo e ao reformismo, embora reconhecêssemos os acertos da União Soviética.

Como a Polop reagiu ao golpe?
Apesar de termos uma análise de que o golpe era latente e trabalhássemos com essa perspectiva, torcíamos para não acontecer tão rápido. Em janeiro de 64, me parece, saiu um jornal Política Operária, de tiragem nacional, em que o pessoal colocava a iminência do golpe. Esse jornal foi distribuído durante o famoso comício do 13 de março. Fizemos o 3º Congresso da Polop em São Paulo. O Emir foi um dos responsáveis. Tínhamos um jornal, uma sede num salão alugado em Belo Horizonte. Nós marceneiros fizemos os móveis, uma mesa, um quadro negro e os bancos. Esse Congresso de março de 64, nós preparamos com os companheiros de Goiânia, o Pirajibe, mais a Eveline (já ex-esposa do Paul Singer), Guido Rocha, que fez sociologia e Belas Artes, o Juarez Brito, do Colina, e a Maria do Carmo, sua mulher. Eu saí delegado. É importante dizer que eu tive uma situação privilegiada na categoria. Tinha o melhor nível de escolaridade e formação política, e eu e minha mulher não tínhamos filhos. Ela trabalhava para seu sustento e, às vezes, também para o meu. Então, podia participar de tudo, enquanto os outros não. O Congresso foi em frente à casa do Ademar de Barros, no cursinho da Faculdade de Filosofia. No domingo, ao meio-dia, em 30 de março, veio um companheiro e disse: "o golpe está aí". E disse que não dava para continuar o Congresso porque teve a marcha da Cruz lá no Viaduto do Chá. Nunca se viu tanta gente.

Foi nesse congresso que você foi eleito para a direção nacional?
Fui eleito para ser o representante dos operários junto a esse grupo. A Polop era um grupo muito mais de intelectuais, muito preocupado em ganhar os quadros do Partido Comunista que já tinham experiência de militância para formar uma oposição e um partido revolucionário.

O que aconteceu depois do golpe?
Segunda-feira de manhã fui para a fábrica, de noite fui para a clandestinidade, em Belo Horizonte mesmo, com o Antonio Ribeiro Romanelli, que era presidente do Conselho das Ligas Camponesas em Minas Gerais. Atuávamos na base junto com as Ligas Camponesas.

Como era o trabalho sindical das organizações clandestinas?
Elas tinham uma base sindical, mas muito limitada, parecida com a da Polop. Minha atividade começou a ter uma conotação diferenciada, de organizar os trabalhadores, apesar da repressão e da clandestinidade, valorizando o espaço sindical, da fábrica. Já as organizações usavam esse espaço para cooptar para a luta armada. Isso é uma diferença de fundo para ser discutida e analisada no futuro.

E a guerrilha de Copacabana?
Durante o mês de abril ficamos mantendo contato clandestino. Não tínhamos muito claro o tempo de duração da ditadura, seu poder de fogo. O Eric, que tinha contato com os marinheiros no Rio, era muito otimista com relação à resistência, política e armada, ao golpe. Então foram criadas condições de se fazer um levantamento. Eu e o Arnaldo fomos fazer levantamento na região de Caparoba no Rio de Janeiro. Eu saí de trem no dia 1º de maio de 64, para encontrar com o Arnaldo, e fazer o reconhecimento da região. Fui para o Rio, quando começaram a estourar os apartamentos, na chamada Guerrilha de Copacabana. Os marinheiros do porto alugavam os apartamentos de uma imobiliária, que alugava também para a própria polícia. O próprio marinheiro é uma pessoa estranha num apartamento de classe média, aqueles que a Polop alugava, no centro de Copacabana. O pessoal chamava a atenção dos porteiros e começou a cair. Aí o Guido Rocha e outro cara que eu não consigo lembrar foram presos. O Arnaldo, preso pelo Cenimar (Centro de Informação da Marinha), na Guerrilha de Copacabana, foi quem fez a primeira denúncia de tortura. Mandou o esquema de como funcionava o sistema de repressão em um mapinha para o Carlos Heitor Cony, que o publicou no Correio da Manhã.

Onde a Polop estava implantada?
Ela esteve implantada no Paraná, no Rio Grande do Sul, em Goiás, em Brasília. No Nordeste, chegamos só até a Bahia. Em Brasília, praticamente era o pessoal de Minas que foi trabalhar na Universidade: o Teotônio, o Teodoro Lamounier, a Vânia e outros. O Teodoro logo depois do golpe, disse não ter estrutura psicológica para enfrentar a clandestinidade. Quando eu vim para a Bahia, ele já era diretor do BNDES. Em Belo Horizonte foi um cara muito humano, muito solidário. Simon foi da mocidade do PCB, fundador da Polop, integrou o staff que recebeu o Kissinger quando ele veio ao Brasil, hoje não sei o que ele está fazendo. O Teotônio fez sociologia, mas sempre se destacou mais como economista. Editamos na clandestinidade dois jornais: Política Operária, uma folha de ofício dobrada, impressa à mão, e também o boletim, que era semanal. É o que falta hoje ao partido, ao PT falta uma imprensa militante.

A Polop tinha um dispositivo militar?
Não. O Eric, o Ceici Kameiama e o Arnaldo estudavam teoria militar. A preocupação deles era estudar o Karl von Clawsevitz. Era mais uma reflexão teórica do que uma preocupação prática. O Eric defendia que a Polop organizasse o que ele chamava de socorro vermelho, criado na União Soviética. Preparar bases de apoio para solidariedade, em caso de ferimento, ou de uma greve se houvesse de fato um combate. Mas isso numa fase superior, quando tivesse a massa na rua.

Qual era aproximadamente o número de militantes nessa época?
Acho que era por volta de uns 300 militantes, no máximo. A maioria do movimento estudantil e da intelectualidade. O núcleo operário era muito pequeno. Eram os marceneiros, em Minas; os alfaiates e a indústria de vestuário, no Rio, e os gráficos em São Paulo. Só nos marceneiros é que tínhamos uma intervenção que seria o ponto de partida para uma política sindical da Polop. O golpe impediu que isso acontecesse, frustrou a nossa vontade de ter um representante dos marceneiros junto ao coletivo dirigente da organização. Isso ficou castrado porque fui para a clandestinidade. Fui profissionalizado para ganhar inserção nos movimentos de massa, participava de todos os congressos do movimento sindical, mas como não tínhamos uma política sindical discutida, participava mais como observador. Em 63, a Polop apoiou a fundação do CGT (Centro Geral dos Trabalhadores), só que defendíamos que o CGT não deveria se limitar apenas aos comandos nacional e estaduais, queríamos que fosse organizado nos municípios também. Para uma eventual resistência ao golpe, também participávamos dos grupos dos 11 do Brizola. A história do movimento sindical, daquele período, termina por aí. Fui profissionalizado na direção da Polop, mas continuei trabalhando três dias por semana. Fazia móveis nas casas dos companheiros, consertos, trocava lâmpada, chave queimada. Isso me fez conhecer muita gente, então à medida que a repressão foi avançando era uma coisa complicada, porque eu conhecia todo mundo, nome e endereço verdadeiros.

O pessoal de Minas não é o mesmo que vai para o Colina?
Depois da leitura de Debray, Revolução na Revolução, eles tomaram uma posição contrária ao que se esperava. Eles tinham uma posição conservadora, de direita, e depois tomam uma posição de ultra-esquerda. Aí houve também um fato que o pessoal fez uma leitura equivocada. O Eder conseguiu um exemplar em francês do livro do Debray. O Eric traduziu e publicaram aquilo. Nós não concordávamos que o partido fosse transformado em grupo guerrilheiro, distante da realidade local. Víamos o partido como um instrumento de direção do movimento revolucionário, quaisquer que fossem as circunstâncias. Mas distribuímos massivamente, vendemos o livro entre militantes e simpatizantes. O pessoal da Polop de Minas não fez a mesma leitura crítica. Pelo contrário, assimilou. No Congresso, saiu o racha.

E depois do Congresso?
Devido à divisão, o pessoal avaliou que eu tinha que voltar para Minas, para organizar o que tinha sobrado da Polop: o Nilmário Miranda, o José Antonio (estudante de engenharia), um que usava o nome de guerra de Lima, uma menina que hoje mora em Guarulhos, a Iara e os marceneiros que tinham sobrado. Desses marceneiros, o Ernesto entrou para a direção nacional. Era um operário simples, uma pessoa que não tinha muita informação, que distribuía boletim. Com a clandestinidade, ele veio para a Polop. Aí fizemos uma reunião na qual o Beto deu sua versão sobre o Congresso. A saída do Juarez e do Beto me deixou muito abalado. Como é que a gente ira fazer uma discussão sem esses companheiros? Mas o pessoal do Colina não conseguiu sensibilizar os marceneiros para o movimento de oposição ao Comitê Nacional. Eles fizeram um trabalho junto aos metalúrgicos, a Belgo-Mineira tinha um jornalzinho - O Piquete - e puxaram a greve de abril de 68. Nós já estávamos lá, mas não dava para participar porque não conhecíamos nenhum contato.

Mas você ajudou a organizar a segunda greve?
Eu propus contato com o pessoal do Sindicato dos Metalúrgicos, porque quem tinha que chamar a greve eram os sindicatos. Articulei com o pessoal da Ação Popular, o Ênio Seabra e o Mário, metalúrgicos da Manesmann. Como dirigentes sindicais, também tinham influência na Belgo. Procurei o Benigno que era do partido, diretor do sindicato, a Maria Imaculada Conceição, da Corrente Revolucionária, ligada ao Marighella e ao Mário Alves. Procuramos também o sr. Joaquim, que era tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos. Nós fizemos uma reunião na qual coloquei uma proposta de preparação da greve. Tínhamos clareza de que a repressão não ia sair como em abril. Olha, a greve de Contagem foi feita. A Belgo nunca conseguiu parar. O Jarbas Passarinho, que era Ministro do Trabalho, foi correndo porque não podia permitir que se quebrasse o acordo salarial. E ele concedeu um aumento de 10%, o que deu um rebu tremendo no esquema da ditadura. Não ia acontecer uma greve pacífica na data base, ia acontecer intervenção no sindicato. Então montamos a greve que ficou conhecida como a Greve de Contagem. No dia 30 de setembro, os metalúrgicos deveriam estar mobilizados, com organização mínima para dirigir a greve na clandestinidade, mas a partir do próprio sindicato. Quem falaria pelo sindicato seriam os dirigentes do próprio sindicato. O Benigno não entrou porque era ligado ao Partidão. Passamos a fazer reunião clandestina, a montar comandos nas fábricas. Fizemos uma reunião do comando da greve, umas vinte ou trinta pessoas, inclusive três companheiros do Colina. Aí eu contei o que pensávamos: a greve tinha que ser decretada em uma assembléia do sindicato e que só falaria na assembléia uma ou duas pessoas, e que quando falassem que sairia a greve, a categoria já estaria em greve, não precisaria de votação. O pessoal da AP defendeu que o comando tinha que ser tirado da massa. Obviamente, ser preso em seguida, porque a assembléia estaria cheia de policiais. Ficou estabelecido que eles não participariam desse comando que propúnhamos. O pessoal do Colina foi contrário à rainha participação no comando porque eu não era da categoria. Eu e o Milton éramos empresários.

Mas vocês eram?
Muito cedo aprendi que, sem autonomia financeira, não se pode ter autonomia política. Então, eu e o Milton montamos uma pequena marcenaria em Belo Horizonte e trabalhávamos com uma fachada semilegal O pessoal da AP chamou a assembléia para o dia 30/9 e continuamos com um certo contato. Para organizar o esquema de apoio eu recorri a um pessoal ligado a eles, os advogados: Antonio Lins, do Partido Democrata Cristão e depois da AP; o Cássio, do Sindicato dos Metalúrgicos e que chegou a ser deputado federal depois de 64; o Élcio Reis, que foi secretário de Finanças da Polop, em Minas, fundador do núcleo dos advogados que elaborou o Estatuto do PT; o Arnaldo, que era da direção nacional da Polop e é presidente do Metrô. Preparamos um manifesto chamando a greve e colocando que não seria pacífica como da outra, que os sindicatos sofreriam intervenção dessa vez e que poderia haver repressão policial. O Ricardo Prata, que era da AP e depois passou para a Polop, trabalhava numa imobiliária e ofereceu a chave de uma casa na rua Rio de Janeiro, para usarmos como sede. A AP tirou seu comando na massa e nós formamos um comando clandestino. O Colina organizou um comando que não sei o que fez. No dia em que acabou a greve, 3 de outubro, fizemos uma assembléia na Cidade Industrial e fomos presos. O Nilmário escapou porque corre mais que eu. Eu tentei aplicar a experiência do Eric, que dizia que os soldados são muito apegados às suas coisas. Tentei tirar o capacete do soldado que me perseguia. Naturalmente ele me deu uma pancada com o revólver e fui jogado numa caminhonete. Como o Sindicato dos Bancários também estava em campanha salarial, eu tinha articulado com eles uma greve de solidariedade. Foi um desastre, prenderam gente adoidado. Quando a imprensa deu que eu tinha sido preso, meu irmão procurou um advogado e o meu álibi coincidiu com o que ele montou, embora não tivéssemos combinado. Dissemos que eu estava ampliando a casa onde morava, e para ir à fábrica de cimento Itaú tinha que passar em frente a igreja, onde tinha sido preso. Disse que eu não tinha nada com a greve, eram bancários e metalúrgicos, não marceneiros. O delegado do Dops acreditou e me liberou. Então fomos para o aparelho onde estava o Nilmário, já tínhamos reunião marcada. O Colina tinha feito um assalto ao Banco do Brasil e distribuíram um boletim vinculando o assalto à greve. Conhecendo a notícia, eles estavam reunidos para avaliar os possíveis complicadores. O Milton, que saiu primeiro da prisão disse: "o Otavino está fodido a essa hora, está preso lá." Quando eu cheguei na reunião eles quase caem duros, pensando que atrás de mim estava a polícia. Logo em seguida, em 13 de dezembro de 68, sai o AI-5 e fecha-se toda a possibilidade de um trabalho mais de massa. Teve uma reunião nacional depois da greve quando me criticaram por um "um desvio sindicalista". Nessa reunião eu decidi não participar mais da direção.

E o seu contato com o Mário Alves?
O PCBR procurou a gente para discutir o programa e a questão da Primavera de Praga. O Eric colocava para a gente que não tinha nenhuma informação a não ser pela imprensa burguesa, então era prudente não entrar num apoio aberto. Mas, de qualquer forma, era bom saber quem eram esses caras, que já tinham manifestado apoio. Para discutir essas duas coisas, o Eder arranjou uma chave de um apartamento em Higienópolis. Ele era muito esquecido, muito desligado, fazia mil coisas ao mesmo tempo, e alguma tinha que furar. Eu só conhecia o Mário Alves de nome, ele foi de chapéu e com uma capa de chuva esquisita. Ele só andava assim. Foi também o Gorender. Combinamos aquele esquema em que dois dos companheiros subiriam de elevador dois andares acima daquele onde deveria acontecer a reunião e desciam dois lances de escada. Outros dois desceriam do elevador dois andares abaixo e subiriam dois lances de escada, para despistar o porteiro. Eder foi na frente para abrir a porta. Nesse vai e vem, enfia a chave errada, no apartamento errado e quebra a chave na fechadura. Ficamos esperando enquanto ele foi buscar a chave. O Mário Alves morreu sem saber disso. Um dia eu conto para o Gorender.

E afinal, o que vocês acertaram?
Precisávamos de mais informação para apoiar. O Mário Alves não deu nenhum dado novo a não ser da imprensa, do Jornal do Brasil, informações dadas pelo Mauro Santayanna, que era do Partidão, e portanto não mereciam tanto crédito.

A polícia chegou a invadir a pensão onde você morava?
Quando eu sai da prisão e fui para aquele aparelho, já avaliava que não dava para ficar. O Ernesto pensou em ir para o Rio, eu fui para São Paulo, onde em uma reunião coloquei pela primeira vez a possibilidade de sair do país. Quando eu estava em São Paulo discutindo isso, meu irmão chegou e contou que minha casa tinha sido invadida, minha mulher presa e arrastada para dentro de casa. Puxaram ela pelos pés, e davam pontapés. Eu não voltei a me encontrar com ela. Decidiu-se que eu iria para a Bahia avaliar sobre a perspectiva de sair do Brasil. Ela morreu pouco depois, em 72,  parece, eu já estava outra vez casado. Os vizinhos me contaram que desde a invasão da casa ela não teve mais saúde. Isso foi em final de 68.

Foi quando você conheceu o Peri?
A direção nacional do POC, que foi escolhida no congresso fez uma cooptação, e cada estado tinha um representante. O Peri eu conheci como um dos representantes da Bahia, um dos últimos moicanos que tinha sobrado do racha com o Colina. Ele foi preso, era um dos quadros da UNE clandestina. O Peri foi preso na casa da Neusa. Quando o Peri foi para uma reunião na casa dela, a repressão já estava de olho. Ele se escondeu atrás da cortina, os caras olharam, não viram ninguém, iam embora, quando viram os pés dele atrás da cortina. Foi levado para o Colégio Militar, tentou o suicídio, cortando os pulsos, pensamos em um esquema de seqüestro, mas não deu certo. O Peri era o maoísta do Comitê Nacional. Eu sei que ele foi preso de novo já no Nordeste, trabalhando com os canavieiros.

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E você fez o que da vida?
Fui trabalhar numa marcenaria, com uma carteira fajutada, juntar dinheiro para ir para o exílio. À medida que trabalhava, vi que tínhamos um pique de revolução permanente. E o povo não estava nem aí. A repressão avançava, teve a morte do Marighella. Falei com o pessoal do POC que deveríamos parar, para ver quem tinha condição de voltar à legalidade. A cada dia, a sobrevivência era mais difícil. Quem sustentava a Polop era a militância da universidade, que ganhava um salário melhor e bancava infra-estrutura. Para fazer um comício na porta de uma fábrica, tínhamos que montar um esquema de segurança como se fosse assaltar um banco. E correr os mesmos riscos. Depois de preso qualquer militante era terrorista, assaltante de banco. Então fui para o exílio. Antes, fui para o Sul, trabalhei um mês em Porto Alegre, numa marcenaria, para poder me adaptar, adquirir um sotaque de gaúcho e poder sair pela fronteira.

Você conhecia o Pila Vares, o Marco Aurélio Garcia e o Flávio Koutzi?
O Pila Vares parece que foi um dos delegados da fundação da Polop. Ele mantinha contato com o Eric e o Eder e mais um pessoal. Já o Marco Aurélio e o Koutzi eram da dissidência leninista, tomaram a direção do partido. O Marco Aurélio estudou na União Soviética, me parece que ele chegou aqui logo depois do golpe. Ele não esteve no Congresso de fundação do POC, mas era para ser o responsável pela formação de quadros do POC. O Eric dizia que ele tinha estado na União Soviética, que tinha tido uma formação marxista. Do Flávio Koutzi, lembro bem, inclusive acompanhei a trajetória dele na Argentina, quando foi preso e torturado.

Houve problemas para atravessar a fronteira?
Eu já tinha estado no Uruguai. O Brizola editava um jornal lá, e a Polop tinha um relacionamento. Mas não conhecia a realidade uruguaia. No dia em que o Costa e Silva morreu eu estava na fronteira. Havia um acordo entre as polícias uruguaia e brasileira, e por isso fui interrogado pelas duas. Disse que trabalhava com artesanato. Depois de liberado, peguei o ônibus: 13 horas sem abrir a boca para nada, nem cochilei na viagem.

Pediu asilo ao Uruguai?
No Uruguai eu não pensava em pedir asilo, ia ficar só por um tempo. Mas lá encontro com três irmãos, ex-militantes da Polop e da VPR (Pio, Pedro e Nelson Chaves). O Pio disse que eu estava maluco, que tinha que pedir asilo, senão seria pego pela polícia que me devolveria para o Brasil. Então, eu que achava asilo político status da burguesia, acabei pedindo asilo. Fui o último brasileiro a se exilar. Daí para a frente não negaram asilo a ninguém, mas também não deram asilo a ninguém. Isso foi mais ou menos em 69 ou 70. Foi no governo Pacheco Areco. Voltei para o Brasil em 10 de outubro de 73.

Você teve contato com os tupamaros?
Tive um relacionamento de exilado. Não tinha muito interesse em me aprofundar nas questões locais. Eu era um crítico do conjunto político deles. Não tinham esquema organizativo para os trabalhadores. Em geral, o povo achava que os Tupamaros eram o braço armado do Partidão. Eles não faziam o trabalho que fazíamos aqui, de confronto ideológico. Então tinha toda uma política nacionalista e de uma certa forma populista. Muita gente não participava, nem dos Tupamaros nem da frente Ampla, apesar deles terem convidado.

Mas você foi dirigente da Frente Nacional dos Inquilinos?
Mesmo sendo brasileiro fui eleito secretário de agitação. Minha mulher, Lila Beatriz Lotito de Alvez, foi secretária da comissão feminina. Eu a conheci no vai e vem de fronteira. O pai dela era do Partido Comunista Uruguaio. Tivemos um relacionamento meio clandestino, militante, sem saber se ia ou não para frente. Temos duas filhas, Tatiana de vinte anos e a Nádia que vai fazer dezessete. A primeira votou no Lula e a segunda ainda vai votar.

Como foi sua volta ao Brasil?
Hoje ninguém quer assumir, mas ninguém acreditava que a anistia viria tão rápido. Quem estava fora estava preparado para ficar muitos anos. Tínhamos como referência o Salazar, o Stroessner, o Getúlio Vargas. Levando em conta que a ditadura brasileira era mais moderna, sabia quem queria atingir, não dava para ter esperança. Essa anistia que saiu tão cedo, a meu ver, foi um aborto. Eu decidi voltar ao Brasil em plena Guerrilha do Araguaia. Como ninguém queria que eu voltasse, saí clandestino da colônia brasileira. É claro que se tivessem me pegado na fronteira, eu teria morrido. Mas não dava para continuar sendo perseguido no Uruguai e no Brasil, preferi ser perseguido só no Brasil. Foi o Tarso Genro quem me deu apoio na entrada. Ele foi a primeira pessoa que eu encontrei no Brasil. Era da AV (Ala Vermelha) do Rio Grande do Sul. Já nos conhecíamos do exílio, ele já tinha voltado e vivia legalmente. Eu tinha um companheiro em Juiz de Fora, o Luiz, dono de uma financeira, que foi um bom suporte. Ele fez contato com o juiz auditor, que disse não ter problema em me apresentar. Quando essa notícia chegou, em janeiro de 73, tinha ocorrido aquele episódio do Massafumi, que foi obrigado a gravar um depoimento de adesão à redentora. Eu fiquei apavorado, com medo que fizessem o mesmo comigo. Mas não teve problema, me apresentei na Auditoria.

Quando você voltou do exílio, ficou preso exatamente onde?
Eu entrei clandestino. Tinha que fazer tudo para chegar a Belo Horizonte vivo, pois lá não teria problema. Eu me apresentei em Juiz de Fora, na 2ª Auditoria porque era lá que eu tinha sido processado. Tinha outros IPMs (Inquérito Policial Militar), mas com nome de guerra.

Isso foi em 73, governo Médici, uma época barra pesada ainda. Por que você não foi torturado?
Eu tinha outras propostas: um convite para trabalhar como carpinteiro nos estaleiros navais do Peru, um outro para trabalhar na Venezuela, na Shell, com dois companheiros uruguaios... No mesmo patamar estava a minha volta para o Brasil. Se fosse condenado a dez anos, não voltaria. Depois que soube que a condenação seria de dois anos e que poderia conseguir sair para trabalhar resolvi me apresentar. Havia possibilidade de redução da pena, como aconteceu, porque fomos condenados por uma lei que na época não existia. Por isso eu fiz a opção por voltar, apesar de saber da Guerrilha do Araguaia e já desconfiar do fenômeno do Anselmo.

Você teve contato com o cabo Anselmo?
Foi a Polop que tirou o Anselmo da prisão no Rio. A fuga foi articulada pelo Eric, que veio a São Paulo, colocou para a nossa direção que o traria e pediu que arranjassem um local para ele ficar. Disse que o Anselmo era um quadro valioso. Conhecíamos o Anselmo da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais e das queimações do Partidão, que antes já o queimava como policial. Mas não acreditávamos, aquela era uma prática do PC. Quem discordasse deles era policial, provocador. Então, ele veio. Montamos um apartamento em Pinheiros, onde eu, o Teotônio, o Eder Sader e o Ceici lhe daríamos assistência, uma vez que ele não tinha formação política nenhuma. Demos para ele ler uns textos nossos de discussão político-ideológica e alguns livros do Marx. Aí, ele foi ficando desesperado porque não podia sair do apartamento e começou a colocar a necessidade de ir para Cuba. Mas não tínhamos esquema para ir a Cuba, por isso fizemos contato com o Movimento Nacional Revolucionário, que era dos sargentos cassados. Eu e o Ceici entregamos o Anselmo para o Ribeiro, que hoje é um dos desaparecidos. Foi em Cuba que o Anselmo entrou para o esquema da polícia. Antes disso não tinha nenhum vínculo. Não tinha estrutura psicológica, era muito ingênuo. Ele foi ganho pela CIA mesmo. E a CIA tinha e tem gente atuando em Cuba.

Quando você saiu do Uruguai já tinha acontecido o golpe?
Já. Fiquei ainda uns dias. O golpe aconteceu em 28 de junho, esperei minha filha nascer, dia 2 de julho, e saímos no começo de outubro. No dia 10 de outubro eu me apresentei à Justiça. Estava convencido que não ficaria preso. Mas o juiz auditor tentou me vender a idéia da redentora. Eu disse: "olha Dr. Mauro, hoje eu sou um homem de 43 anos, o Brasil de hoje não é o Brasil daquele jovem de dezoito anos, o Brasil mudou muito, mas se eu voltasse a ser o Otavino aqui no Brasil daquela mesma época, com os erros e acertos repetiria tudo do mesmo jeito." Aí fiquei três meses na Penitenciária de Juiz de Fora. Nessa época consegui um negócio que nunca foi divulgado: fiz um requerimento para encontrar com minha mulher e minha filha num hotel de Juiz de Fora. Fiz um requerimento bem meloso, data da cristandade e por aí afora. Acabei saindo, passei a noite do Natal de 73 com minha mulher no hotel. Estava todo mundo pensando que eu não ia voltar. Como eu não aproveitei para fugir, surgiram uns boatos.

Você não ficou com os presos políticos?
O auditor mandou que me colocassem com os presos de Segurança Nacional (presos por delito comum que eram enquadrados na Lei de Segurança Nacional por assaltarem bancos ou viaturas policiais, nos anos 70). O pessoal queria que eu reivindicasse a condição de preso político e fosse para a ala C. Eu não quis fazer isso. Mas consegui com o diretor da Penitenciária, como marceneiro, consertar as camas e com isso ter acesso à ala C. O pessoal reclamava, o Gilnei dizia que eu tinha que ficar com os presos políticos. Mas que diferença faz? Se tivesse um partido atuando lá fora, se, ainda, tivesse ressonância lá fora tudo bem. Diga-se de passagem, eu me sentia muito bem na ala B. Os presos gostavam, me contavam a vida deles toda. Quando venceu três meses, eu consegui transferência para o Dops, em Belo Horizonte, e consegui sair para trabalhar. Fiquei nove meses dormindo no Dops. Saía às 6 horas da manhã e voltava às 10 da noite. Depois deu para dormir em casa, informalmente, de manhã eu dava uma ligada, a empresa onde eu trabalhava, também avisava que eu havia chegado. Em nove meses, quando saiu essa apelação me soltaram. O Nilmário Miranda foi solto depois. Eu fui condenado a dois anos, reduzidos para um. O Nilmário a dois anos e pouco, reduzido para um ano e quatro meses.

E depois da cadeia?
Fui morar com a Lila na minha casa. Tinha trazido um dinheiro que ganhei no Uruguai, onde trabalhei normalmente na minha profissão, desde o dia 7 de janeiro de 70. Montei uma pequena marcenaria em Belo Horizonte, junto com um espanhol, o Casemiro Varela. Depois montei uma marcenaria na minha casa.

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E como você retornou à militância?
Meio como se fosse um jornal clandestino, eu comprava o Movimento. Raciocinava o seguinte: o Movimento nas minhas mãos, podem me pegar e querer saber quem é quem no jornal. O Nilmário já tinha saído da prisão, estava articulando a fundação do Jornal dos Bairros. Ele me procurou mas eu não quis entrar, mas deu certo a coisa. Então o Nilmário me procurou para entrar no PMDB jovem, tomar a direção do PMDB de Contagem. Eu coloquei para ele que esse caminho não era o correto. Disse que a única coisa concreta era o PT. Eu via no PT algo como sonhávamos na Polop. Outra coisa também que me despertava era o negócio da anistia. Mas foi à partir do atentado que a direita fez contra o Em Tempo, que assumi mais porque percebi que o resultado da repressão não tinha dado no que eu temia, pelo contrário, houve solidariedade. Então, o meu estado de espírito foi melhorando. Comecei a trabalhar em função do PT e organizei um núcleo lá em casa.

E a Polop?
Eu estava marginalizado do processo de discussão que os próprios quadros da Polop tiveram. Quando o Eric chegou do exílio, em 79, me procurou para discutir uma estruturação dos companheiros da Polop. Talvez tenha sido quem primeiro pensou em organizar uma tendência. Eu não concordei. Achava que a Polop tinha cumprido seu papel. Pelo menos queria isso, apenas aconteceu de uma outra forma. Aí ele não gostou muito. O Nilmário estava fundando o Diretório do PT em Contagem. Nesse intervalo tinham chegado o Teotônio e a Vânia. O Teotônio defendia reconstruir o PTB com o Brizola. Ele e o Betinho eram parte do chamado Grupo do México, que colaborou no Congresso de Lisboa do PTB. Nessa época eu já estava com dificuldades na marcenaria e acabei indo para o extremo sul da Bahia.

Para qual cidade?
Eunápolis. Fundei o PT em Eunápolis, Cabrália e Porto Seguro. Procurei dar uma certa assistência ao partido, mas eu acho muita coisa errada, apesar de o PT ser a melhor coisa que se construiu até hoje. O projeto geral do partido é sempre sacrificado em função de uma cadeira atrás de uma mesa, do aspecto burocrático. O pessoal briga. No 4º Concut você viu o que aconteceu.

Você disse que já teve uma experiência anterior de militância no extremo sul da Bahia?
A minha militância aqui no Partidão foi de 51 a 57, na fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O primeiro foi o dos trabalhadores agrícolas do cacau de Itabuna/Ilhéus. Recebíamos o jornal do partido e viajávamos pela roça, onde não havia nem lamparina, usava-se lasca de madeira acesa para iluminar o jornal, que líamos para eles.

Hoje você está trabalhando na FNT. Como é que começou isso?
Eu comecei em 82. Quando cheguei em Eunápolis procurei os sindicatos e a Igreja e me ofereci para ajudar. Organizamos a primeira oposição sindical no extremo sul. Perdemos, mas saímos com o moral alto. Tinha um outro sindicato em Cabrália, e decidimos que um companheiro da Igreja deveria entrar na chapa única com os pelegos. Então, tomamos o sindicato, foi o primeiro a ser filiado à CUT aqui do extremo sul da Bahia. Com isso, o bispo D. Felipe me convidou para a Comissão Pastoral da Terra, como assessor sindical da equipe da Pastoral da Terra de Teixeira de Freitas. Fiquei um ano e pouco. Aí tive um conflito com o coordenador, o padre Jefferson, por causa de suas ligações com a CLAT. Eu já conhecia a FNT, desde seu surgimento em 60. Não me aproximei quando voltei do exílio porque conhecia a origem. Quando saí da Diocese, fiz uma carta dizendo que os trabalhadores brasileiros não precisavam ficar atrelados a nenhuma entidade internacional. Essa carta eu mandei para a CPT e para a FNT. A FNT respondeu com um convite porque também tinham brigado com a CLAT. Escreveram: "a gente sabe que aqui no Brasil não se pode fazer uma transformação sem passar pela análise do marxismo". Então eu disse: "estão procurando a pessoa errada, porque eu não tenho condição de fazer análise marxista de nada, eu sou militante do movimento operário". Mas acabei entrando para a direção da FNT em outubro de 86. Aqui na Bahia eu trabalho na zona cacaueira e na Chapada Diamantina. No PT não estou ligado a nenhuma tendência. A minha idéia é fazer um trabalho mais localizado na Bahia, e pegar um tempo ara escrever sobre essas coisas de que falei.

Valter Pomar é diretor de T&D.

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