Nacional

Articulada com outras categorias com data base em maio, a greve colocou em xeque a política neoliberal no Brasil

Como foi possível organizar uma greve tão unida?
Um dos segredos do nosso movimento foi exatamente a unidade. A direção da Federação única dos Petroleiros (FUP) é colegiada, composta por onze diretores e dez secretarias. A composição da direção da Federação com porta todas as forças políticas da categoria, eleitas democraticamente em congresso nacional proporcionalmente ao número de votos. De onze diretores da Federação, há seis da Articulação, três do PSTU, um da Corrente Sindical Classista, um da Força Socialista. Temos direções regionais muito capacitadas, companheiros experientes e que passam muita segurança para a direção nacional. Nossa base é altamente esclarecida e relativamente politizada. A categoria participa ativamente dos fóruns democráticos. A maior parte das assembléias é na porta das unidades da empresa, o que dá condição para todos- até quem é contra a greve - participarem. Conseguimos consolidar a CUT na categoria: dos 21 sindicatos, dezenove estão filiados. Temos um índice de sindicalização extraordinário, próximo a 80%. Em vista dessa participação ampla e democrática fizemos a greve - apesar de longa e conturbada pelo governo - com tranqüilidade. A truculência de FHC não nos amedronta. A estratégia de Fernando Collor já era de desmontar a empresa, e demitir 15 mil trabalhadores durante a greve de 1990. Conseguimos reduzir este número para 900, dos quais 700 foram reintegrados em 93. Também soubemos lidar com o Exército. Quando o soldado não tem a quem atacar, ele fica numa situação no mínimo passiva. Montamos um exército invisível para eles atacarem, e avisamos que se chegassem perto de trabalhador nós sairíamos da área.

A que você atribui essa consciência muito mais avançada em comparação com a maioria da população e da classe trabalhadora?
À relativa garantia de emprego que temos. Conquistamos uma cláusula no acordo coletivo que só permite demissões nos casos em que o companheiro é flagrado roubando, o que caracteriza justa causa. Os nossos punidos são sempre por movimentos reivindicatórios e, por isso, eles sempre voltam. Como a rotatividade na Petrobrás é menor, a gente consegue manter um grupo de trabalhadores discutindo permanentemente, com alto índice de sindicalização e participação nos fóruns democráticos da categoria. Os petroleiros têm acesso à informação, assinam jornais e revistas, conseguiram manter um relativo poder aquisitivo. É uma categoria, inclusive, que tem nas mãos uma empresa integrada: através de uma rota interna via satélite, na Petrobrás, o petroleiro do Rio Grande do Sul fala com o petroleiro de Urucu e o de Urucu fala com o Rio Grande do Norte. Não somos massa de manobra em hipótese alguma. Esse movimento não pode ser rotulado como greve de direção, inclusive porque não cultuamos líderes na categoria, e praticamos o rodízio dos companheiros do comando e da Federação.

De quanto em quanto tempo é feito esse rodízio?
A primeira direção da FUP, montada em 93, teve mandato de um ano. O nosso é de dois anos, vence em junho de 96. Sempre há renovação.

Qual o nível de escolaridade da categoria?
Depende da função. Mas todo mundo é concursado, passa por ampla seleção de pessoal, os apadrinhados são muito poucos e quando a gente descobre, alija e denuncia. O petroleiro passa a entender que não é um mero trabalhador, é um representante do povo brasileiro dentro da Petrobrás. Os funcionários mais novos não entendem bem assim. Como os salários estão arrochados, muitas vezes vão em busca de novo emprego. Os mais antigos, acima de 10 anos, permanecem na empresa, sentem orgulho de ser petroleiros, defendem a Petrobrás e têm conhecimento de causa, investigam. Outra característica dos petroleiros é o forte espírito de coletividade. Trabalhamos em regime de turno ininterrupto de revezamento, não temos sábados e domingos livres. A folga coincide com o fim de semana uma ou duas vezes por mês. Aparece um casamento num sábado e você está trabalhando. Quando folga na segunda, os filhos estão na escola. Há necessidade de atividades sociais entre os trabalhadores - churrascos, especialmente. Isso fortalece a defesa da empresa, do emprego, as discussões por melhores condições de trabalho. Todo mundo é meio professorzinho de Petrobrás.

Como foram, durante a greve, as relações da FUP com a CUT e o PT?
Ninguém interferiu no direcionamento da greve em nenhum momento. Quem dirigiu e montou as estratégias foi a Federação única dos Petroleiros - isso é inquestionável. Tratando-se do Partido dos Trabalhadores e dos partidos de esquerda, nós respeitamos todos.

Alguns parlamentares entendiam que não era o momento de deflagrar a greve, mas em nenhum momento interferiram nas deliberações, porque inclusive os procuramos somente depois das deliberações. Num determinado momento saiu uma posição equivocada na imprensa, segundo a qual o Lula e o Vicentinho eram contra a greve. Liguei para Luiz Eduardo Greenhalgh, que é da Executiva do PT, e pedi uma posição formal do partido. Ele disse: "Olha, saiu errado, leia a matéria porque não é bem isso". O Luiz Eduardo chamou uma coletiva em São Paulo, na qual se disse, e se firmou mais tarde numa nota oficial, que a continuidade ou não do movimento era, responsabilidade política da categoria petroleira. Para nós a posição é essa, e não uma interpretação de uma simples manchete de imprensa.

Com relação à CUT, vínhamos debatendo desde novembro a possibilidade de sair greve geral ou um movimento mais amplo de reivindicações dos trabalhadores. Foi formado um fórum das categorias com potencial de mobilização. Aí se avaliou que não era possível chamar greve geral, mas sim uma greve unificada das categorias com potencial de deflagrá-la, a partir de 3 de maio. Eram quase todos trabalhadores de empresas estatais, que tinham pendências em suas datas base. No dia 3 pararam petroleiros, telefônicos: eletricitários, funcionários das universidades federais e servidores públicos federais. No dia, a greve se espalhou para os ferroviários e os professores das universidades. Mas esse pessoal não segurou a greve como nós.

E por que isso?
Porque cada categoria tem o seu potencial de mobilização, e ele varia de um momento histórico para outro. Daqui a seis meses talvez a referência seja uma outra categoria que desponte.

Vocês se sentem vítimas de uma armadilha do governo?
O governo é que foi vítima da greve. Como acionista majoritário da Petrobrás, teria que praticar democracia e livre negociação. Em vez disso, cortou salários e botou o Exército nas refinarias. Em termos de truculência, só faltou produzir uma nova CSN. É um governo que ainda vai enfrentar muitas dificuldades para executar o programa neoliberal. Porque se o Fernando Henrique tivesse dito, nos debates com o Brizola e o Lula: "Eu vou privatizar a Vale, eu vou vender a Petrobrás, eu vou rifar o sistema Telebrás", não seria eleito. A população não é a favor de rifar estatais rentáveis e que garantem a soberania nacional. E o governo mostrou que não tem capacidade sequer para gerenciar um conflito numa empresa em que é acionista majoritário. Aliás, ele não sai à rua sem colete à prova de bala e atirador de elite fazendo sua segurança pessoal. É um governo que não conseguiu se concretizar na sociedade. Aprova suas emendas através das velhas negociatas no Congresso Nacional. O que vai acontecer se FHC começar a perder votações? Ele fecha o Congresso? Eu acho que a nossa greve ajudou a colocar esta dúvida para a sociedade brasileira.

Determinados setores da esquerda - e isso teve muita repercussão na imprensa - afirmaram que a greve estava contribuindo para o governo derrubar o monopólio do petróleo e conseguir outras vitórias na reforma neoliberal da Constituição. O que você acha disso?
Eu acho equivocado. Nós montamos em Brasília um fórum em defesa, da soberania nacional, do qual participam, além de vários parlamentares, petroleiros, telefônicos e outras categorias que resistem ao neoliberalismo. Avaliamos que nos dez primeiros dias da greve o governo esteve na ofensiva, polemizou muito com o movimento. Mas, quando ficou claro para a sociedade que a causa da greve era o acordo não cumprido e que o responsável era o governo, o quadro se alterou. Foi possível reverter vários votos na Câmara, em especial do PMDB. O problema é que a correlação de forças no Congresso é muito desfavorável, com ou sem greve. Como é que você dobra 140 ruralistas, que estão conseguindo, às custas dos cofres públicos, abatimento de 1,3 bilhões de dólares na dívida dos fazendeiros com o Banco do Brasil? Como debater o monopólio do petróleo com os partidos que estão sedentos por cargos de segundo e terceiro escalões?

Cecília Luedemann é jornalista do Brasil Agora.