Política

A surpresa maior, o encanto do PT emergente, foi a nossa forma. Forma de ser e de fazer política.

O PT não foi, há 15 anos atrás, apenas uma novidade programática na política brasileira. Foi sobretudo - arrisco-me a dizê-lo - uma extraordinária novidade formal.

A política transformadora é como a grande arte.

A forma na arte é conteúdo.

Foi o que levou Stendhal a dizer que a grande arte, independente da mensagem que explicitamente proponha, é em si mesma uma "promessa de felicidade".

Ao figurar e transfigurar a vida que é, ao mergulhar nas contradições do que existe, ao fazê-lo com a máxima intensidade dos meios estéticos - representando amorosamente mesmo o inimigo, o algoz - a arte destila implicitamente a vida que poderia ser mas não é.

O desejo de liberdade implícito na maior opressão. O desejo de silêncio implícito na rumorosa confusão ("O imenso panorama de futilidade e anarquia que é a História contemporânea", segundo Eliot). O desejo de fraternidade implícito na compulsória solidão.

A dimensão transformadora da arte, sua vocação libertária, estaria menos no conteúdo explícito, doutrinário, programático - e mais na intensidade com que ela desentranha, sem dizê-lo, do real o seu avesso possível, em uma palavra: sua capacidade de auto-transcendência.

O PT não foi, há 15 anos atrás, apenas uma novidade programática na política brasileira. Foi sobretudo - arrisco-me a dizê-lo - uma extraordinária novidade formal.

O PT não foi, há 15 anos atrás, apenas uma novidade programática na política brasileira. Foi sobretudo - arrisco-me a dizê-lo - uma extraordinária novidade formal.

A política transformadora é como a grande arte.

A forma na arte é conteúdo.

Foi o que levou Stendhal a dizer que a grande arte, independente da mensagem que explicitamente proponha, é em si mesma uma "promessa de felicidade".

Ao figurar e transfigurar a vida que é, ao mergulhar nas contradições do que existe, ao fazê-lo com a máxima intensidade dos meios estéticos - representando amorosamente mesmo o inimigo, o algoz - a arte destila implicitamente a vida que poderia ser mas não é.

O desejo de liberdade implícito na maior opressão. O desejo de silêncio implícito na rumorosa confusão ("O imenso panorama de futilidade e anarquia que é a História contemporânea", segundo Eliot). O desejo de fraternidade implícito na compulsória solidão.

A dimensão transformadora da arte, sua vocação libertária, estaria menos no conteúdo explícito, doutrinário, programático - e mais na intensidade com que ela desentranha, sem dizê-lo, do real o seu avesso possível, em uma palavra: sua capacidade de auto-transcendência.

O PT não foi, há 15 anos atrás, apenas uma novidade programática na política brasileira. Foi sobretudo - arrisco-me a dizê-lo - uma extraordinária novidade formal.

Nosso programa conjugava conteúdos democráticos com itens de um projeto socialista. Era criativo, mas não inédito. Algumas organizações da nova esquerda internacional adotavam programas semelhantes. No Brasil, o PSB dos anos 50 tentara a mesma síntese de socialismo e democracia.

A surpresa maior, o encanto do partido emergente, foi a nossa forma. Forma de ser e de fazer política. Esta, sim, inédita na História do país.

Um partido-movimento, oriundo das próprias lutas sociais, capaz de evitar tentações vanguardistas e fazer com que milhares e depois milhões de não-filiados se sentissem tão petistas quanto os que mais o fossem.

Um partido-movimento cuja principal característica era a generosidade transformadora.

A superação afirmativa, veemente, apaixonada, da politicagem tradicional e de sua visão mesquinha do mundo. A nova política como aventura ética e existencial.

As pessoas e os coletivos sociais aderiam menos à plataforma do PT, à sua elaboração doutrinária ou programática (Ali, o bizantinismo ideológico das esquerdas ...) e mais à "promessa de felicidade" implícita em nossa conduta, em nosso convívio, em nosso olhar.

Aderiam não tanto à honestidade proclamada (esse gasto cacoete político) quanto à evidente, quase ridícula, e por isso mesmo convincente, negação da materialidade do poder.

Aderiam à alegria implícita em nossa indignação. À compaixão implícita em nossa raiva (a compaixão, grande virtude revolucionária: fúria que é pietas).

Aderiam - não sem uma pitada de ironia carinhosa - à nossa recusa, flagrantemente ingênua, mas nem por isso menos carnal e criadora, da "face escura" da condição humana.

Aderiam à corrente de desejo que gerou o PT.

Nossa forma emergente, diferente, irreverente, surpreendente, subversiva.
Aqueles meninos criando partido!

Aqueles moços em cima de caminhões!

Aquelas moças e mulheres, novidade histórica espetacular, forma-conteúdo, ali naqueles caminhões, no meio da praça, por onde Nossa Senhora em seu andor!

Aqueles negros, de início poucos e, aos poucos, muitos, em cima dos caminhões!

Operários ou não, camponeses ou não, intelectuais ou não, quadros políticos ou não, simples transeuntes...

Uma nova cenografia, uma nova coreografia. Mais que um novo programa, novos sujeitos sociais. Mais que uma nova plataforma conceitual, uma nova libido, outra sedução.

Sim, eu sei, tempus fugit, as condições agora são outras, o charme do nascituro já se foi, o PT hoje faz parte da institucionalidade democrática que ele mesmo ajudou gloriosamente a construir, é um partido e, enquanto tal, uma instituição. Longe de mim qualquer nostalgia indevida. Um projeto alternativo de sociedade não se constrói com os olhos postos no passado. Certo. Mas tampouco com excessiva volúpia de futuro. Importante mesmo é o presente. É pela capacidade de viver intensamente o presente, de desentranhar do presente as suas virtualidades, que um partido popular comunga com o povo e expressa os seus anseios mais recônditos.

Sem medo de ser feliz, não só no futuro, mas no presente.

"A alegria é a prova dos nove". Sob que outro signo se poderia fundar e consolidar um projeto político-cultural verdadeiramente alternativo no país?

Parêntese: a alegria da forma. A fúria amorosa de pensar e viver o Brasil. O nosso recente programa de TV. Esplêndido, desmesurado, o PT novamente subversivo. Não apenas na forma externa, "artística". Mas na forma de figurar e transfigurar o Brasil, como sujeito e não como objeto, como fonte de energia e desejo, e não como problema, como portador de um discurso fascinante ("pesar de todas as quedas", diria Manuel Bandeira) e não como um vazio miserável a ser salvo, redimido etc.

Um discurso, o do Brasil, anterior e posterior ao próprio PT.

Um programa de TV que recuperou a nossa capacidade de surpreender. Ao país e a nós mesmos...

E chego ao ponto: denúncia e anúncio, a equação da alegria transformadora, para usar os termos do mestre Paulo Freire, se desequilibraram em nossa forma-conteúdo, em nosso modo de ser e de agir, naquilo que a sociedade capta efetivamente de nós.

Terá sido pelas violências, sabotagens, safadezas tantas que nos fizeram?

Pela descoberta, quem sabe, de que a democracia, por si só, não melhorava a vida do povo, apenas abria novas possibilidades para a sua luta?

Pela combinatória perversa (a "década desperdiçada") de democratização com recessão econômica, de liberdade política com miséria social?

Pela situação paradoxal de hegemonizarmos politicamente boa parte da sociedade civil organizada e não conseguirmos evitar o predomínio avassalador da ideologia e dos valores neoliberais?

De falarmos em nome dos pobres sem que a maioria deles vote em nós?

Pelas duas eleições presidenciais perdidas?
Não sei...

O fato é que o nosso discurso foi se tornando crescentemente rancoroso. A um só tempo rancoroso e messiânico, duas formas complementares de negação do presente, da vitalidade contraditória e das virtualidades do presente.

E nos tornamos reféns de um árido conteudismo.

Nosso conteúdo transformador assumiu a forma de uma jeremíada, de um lamento constante.

E nos descolamos do sentimento real de tanta gente, de tanta gente humilde que não pode permitir-se a negação em bloco do presente, ao preço de se auto-negar, de extinguir-se.

Parêntese: lembro-me até hoje da impressão que me causou o "Alegria, Alegria" de Caetano, no auge da ditadura. Não só pelo conteúdo explícito da letra, mas sobretudo pela alegria rítmica e melódica da música. A crítica do existente não precisava ser necessariamente elegíaca (ainda que a época tenha sido de tão belas e lúcidas elegias), não precisávamos aceitar a divisão de trabalho espiritual: alegria deles, dos vitoriosos versus tristeza nossa, dos derrotados. A canção de Caetano era a um só tempo pungente e alegre. Como costuma ser, salvo engano, a humana condição. Continha promessas rítmicas e melódicas de felicidade. Contraditórias, dirão alguns. Sim, com certeza, resgatando a dinâmica contraditória (aberta, imprevisível) da vida em meio ao sufoco.

"Viver bem é a melhor vingança", diz o adágio espanhol.

Quinze anos depois, tanta água passada por baixo e por cima da ponte, esse talvez seja o nosso maior desafio: recuperar a alegria da luta transformadora. A alegria intrínseca, palpável, carnal, não apenas a alegria abstrata, utopística, do "dia que vai chegar".

Alegria que, em uma sociedade tão perversa quanto a nossa, com tantas mazelas e tão desesperante sofrimento inútil, há de ser com certeza a alegria da resistência, mas não de uma resistência rancorosa, auto-destrutiva, que torce (inconscientemente?) pelo fracasso da vida que é, dos homens e mulheres que são. Uma resistência, ao contrário, afirmativa, desejante, ousada, que não se limita a negar o outro, e muito menos a considerar-se impotente em função do outro...

Alegria que nega na prática o principal valor do adversário: a morte.

Alegria que destila, pela celebração crítica do que é, e deseja, e luta, a vida que muito mais poderá ser.

A melhor homenagem que se pode prestar ao PT, festejando os seus 15 bravos anos, é fazer com o partido o que ele tem feito com a sociedade brasileira: desafiá-lo à auto superação.

Luiz Dulci é vice presidente nacional do PT e secretário de Governo de Belo Horizonte.