Internacional

Entrevista com Gregor Gysi, líder da bancada do PDS que fala sobre o fim da RDA, a conjuntura atual e as perspectivas futuras da Alemanha

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As grandes manifestações populares no outono de 1989 levaram ao fim do "primeiro estado socialista em solo alemão". A República Democrática Alemã (RDA) deixava de existir por obra e vontade de seus próprios cidadãos.

Ao contrário de Praga em 1968, ou Budapeste em 1956, os 400 mil soldados russos acantonados no país assistiram a tudo sem sair dos quartéis: em Moscou governava Gorbachev com sua política de glasnost e perestroika.

A poderosa Alemanha unificada, que surgiu depois de 3 de outubro de 1990, é caracterizada por desigualdade e assimetrias sociais, políticas, econômicas e culturais.

O Partido do Socialismo Democrático (PDS), sucessor do SED que deteve o poder durante os 40 anos da RDA, é parte desta nova Alemanha. Sem socialismo" (Programa, 1993).

Praticamente inexistente na Alemanha Ocidental ele tornou-se a terceira força eleitoral nos estados da ex-RDA e, em Berlim Oriental, o maior partido após as últimas eleições regionais.

Teoria & Debate conversou com Gregor Gysi, líder da bancada do PDS, sobre o fim da RDA, a conjuntura atual e as perspectivas futuras da Alemanha. Aos 47 anos ele é seguro de si, carismático, irreverente e polêmico. Admirador do PT, acredita que o impulso de uma nova esquerda virá da América Latina.

Em que fracassou a tentativa de construção do socialismo na Alemanha Oriental (RDA)?
O socialismo real fracassou em primeiro lugar por ser absolutamente ineficaz. E isto vale para a economia, para a ciência, para a cultura e também para a sociedade como um todo. Nada era baseado em critérios de eficiência, o desperdício era determinante. Não existia quase nenhuma pressão econômica e em certo momento começamos a viver acima de nossas possibilidades. O pãozinho, por exemplo, não aumentou de preço desde 1949. Exigimos demais de nossos próprios recursos, as dívidas tornaram-se sempre maiores e todas estas deficiências econômicas foram disfarçadas, encobertas pela propaganda. O segundo aspecto é que esta estrutura socialista não era democrática e isto teve conseqüências: não possibilitou renovação porque não permitia novas idéias. Nosso Politburo desde 1946 até 1989 não sofreu nenhuma mudança significativa, apenas houve algumas mortes, uma ou outra expulsão e algumas renovações. Eles ainda pensavam como em 1946.

Do Politburo só se saía morto ou expulso?
Não havia na direção do partido e do Estado de fato nenhuma renovação.

Eles tinham o seu próprio mundo e viviam extremamente isolados, ou seja, não tinham mais nenhuma relação com a população, com sua maneira de pensar e de sentir.

Eles tinham até mesmo uma vila própria para morar, não é verdade?
Sim, em Wandlitz, ao norte de Berlim. No entanto, nós já tínhamos novas gerações que não viveram a segunda guerra mundial e o fascismo. As pessoas toleram estruturas antidemocráticas numa situação em que está em questão a própria sobrevivência. Mas quando este ponto foi ultrapassado e temos muitas pessoas com excelente qualificação, mas que não são chamadas a opinar, não têm acesso aos mecanismos de poder, suas opiniões não são realmente importantes para o desenvolvimento da sociedade, então elas sentem - precisamente quando já possuem um nível de vida mais alto - muito mais claramente a falta de democracia. Quando, por exemplo, ainda se tem fome, não se sente necessidade de viajar.

Mas se você já está saciado, você quer, principalmente quando jovem, conhecer o mundo e quando isto não é permitido, e nunca lhe é explicado o porquê desta proibição, então surge com certeza uma frustração.

E a diferenciação social entre a população?
O mesmo aconteceu no plano econômico com a introdução dos Intershops (lojas com produtos importados ocidentais) e dos Divisenrestaurants (restaurantes onde só se aceitavam marcos ocidentais e dólares como forma de pagamento). Com a introdução de duas moedas se acaba com os incentivos morais e de desempenho. Por exemplo, você tinha dois operários, um, bastante esforçado e o outro extremamente preguiçoso. O esforçado recebia a cada três meses uma bonificação, mas como ele não tinha acesso a dinheiro ocidental, não podia comprar nas lojas e comer nos restaurantes especiais. O seu colega preguiçoso por hipótese com uma tia na Alemanha Ocidental, por intermédio dela tinha acesso à segunda moeda e com isso um nível de vida muito superior ao de seu colega de trabalho.

Como era a relação do Estado com o meio ambiente?
Não éramos nem um pouco ecológicos. Tínhamos reservas ecológicas que no Ocidente as pessoas não conheciam, espécies que lá já estavam extintas, mas eram na maioria em regiões onde ainda não tínhamos chegado em função de deficiências econômicas. Eu diria: ecologia como resultado das carências econômicas. Por outro lado, causamos enormes danos nos rios com a indústria química. E quanto maior se torna o nível de vida das pessoas, mais importantes se tornam os seus direitos. Nós tínhamos uma gigantesca falta de estado de direito. Na verdade não socializamos, apenas estatizamos. Não possibilitamos a criação de nenhuma estrutura democrática, não empreendemos nenhuma reviravolta na relação com o meio ambiente, nunca tivemos eficiência na economia e na sociedade e, além disso, encobrindo tudo, uma propaganda mentirosa mostrava um mundo cor-de-rosa, indo até ao culto da personalidade que lembrava mais uma monarquia do que um país socialista. No fundo éramos mais parecidos com uma sociedade absolutista. Naturalmente pode-se dizer que dentro deste sistema também havia diferenças. De Kim II Sung, na Coréia do Norte, ou Ceausescu, na Romênia, até Kadar na Hungria, que foi certamente o mais modesto de todos.

Uma economia planificada aliada à falta de liberdades políticas fez com que, principalmente a partir dos anos 70, a economia parasse de crescer e até mesmo retrocedesse nos anos 80. Quais foram as causas da estagnação?
Existem muitas causas. O problema principal é que quando existe uma economia destruída, como depois da guerra, é urgente e necessária uma reconstrução planificada desta economia e naturalmente para isto é necessário organizar um certo centralismo. Mas depois já tínhamos uma certa estrutura econômica, com empresas de diferentes tamanhos. Entretanto não nos adaptamos à nova situação e isto se tornou um freio. Teríamos de ter aumentado consideravelmente a autonomia das empresas e os estímulos econômicos. Em princípio, se recebia sempre o mesmo, trabalhando bem ou mal. Com isto, também não importava para os trabalhadores na empresa se o plano seria cumprido ou não, ele era sempre considerado cumprido pela propaganda mentirosa, pois ele era simplesmente corrigido. Assim funcionava o velho truque: uma fábrica de tratores deveria produzir cinqüenta tratores no ano, dizia o plano. Até setembro eles tinham produzido vinte tratores, então já se sabia que não conseguiriam alcançar os cinqüenta. Faziam então a chamada correção do plano e o reduziam simplesmente para 25 tratores, porque sabiam que até dezembro produziriam 26. Assim, o plano tinha sido cumprido e produzido até um trator a mais...

Que papel cumpria o Comecom, conselho de ajuda econômica mútua, a organização econômica dos países do bloco soviético?
No Comecom foi articulada uma divisão de trabalho de forma a não gerar concorrência entre os países socialistas. No início, tanto a RDA como a Tchecoslováquia produziam bondes. Depois houve um acordo para que só a Tchecoslováquia os produzisse. Isto nos custou um absurdo, porque tivemos que trocar os trilhos todos, mas a partir daí não havia mais nenhuma concorrência.

A imagem da ex-Alemanha Oriental, divulgada pela imprensa, é muito caracterizada por racismo, criminalidade e principalmente desemprego. Cinco anos depois, os chamados Ossis, os ex-alemães orientais não querem um retorno da RDA? Qual é o balanço destes cinco anos?
O racismo na Alemanha Oriental não é maior do que na Ocidental, o que de forma alguma é uma desculpa. Temos aqui o fato de que o chamado cidadão comum aplaude as ações contra estrangeiros e isto foi especialmente ruim. A criminalidade aumentou consideravelmente, o desemprego é gigantesco, os problemas sociais são grandes, mas também a humilhação, que nem sempre é só uma questão social.

Humilhação em que sentido?
Quando, por exemplo, um professor universitário de matemática da antiga RDA perde a sua cadeira para um professor vindo do Ocidente, mesmo que ele tenha um emprego numa seguradora ganhando sete mil marcos por mês, o que é um ótimo salário, ele está no entanto, apesar de sua situação social segura, completamente humilhado. Muita gente na Alemanha Oriental hoje vê a RDA de outra forma. Porque eles vêem que, ao lado de tudo o que relatei de forma crítica, havia a tentativa de criar relações sociais mais humanas e mais solidárias. Mas não acredito que desejem viver novamente na RDA. Eles desejam uma Alemanha Federal modificada, que também considere os resultados do trabalho dos cidadãos da ex-RDA, onde também havia empresas muito modernas e um elevado nível educacional e cultural da população. Não acredito que eles queiram uma volta à RDA, mas acho que eles estão decepcionados com o Ocidente, com o capitalismo e desejam uma outra sociedade.

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Que outro tipo de sociedade?
Uma sociedade prá frente, não no sentido de volta ao passado.

Mas a imagem que temos é dos alemães orientais comemorando o fim da RDA, a unificação...
Eles não comemoram mais, isto é certo.

Existe até a palavra Ostalgie que define este sentimento, algo como antes era melhor.
Isto existe em alguns casos, mas não é o comum. O comum é que eles digam: eu estava descontente com a RDA e continuo descontente, mas estou muito mais descontente com esta sociedade do que imaginava, por isso desejo que ela se modifique. Quero que, para isto, minhas experiências e meus conhecimentos da época da RDA também sejam utilizados e não quero ser desvalorizado só porque venho da ex-RDA.

Voltemos ao outono de 1989, o que aconteceu naquele processo, uma revolução ou, uma contra-revolução?
No começo foi um protesto. Eu não falaria em revolução porque no início não se tratava, por exemplo, de mudar relações de produção. O difícil neste movimento do outono de 89 foi que ele sabia o que não queria mais, mas não sabia para onde queria ir. Esta deficiência foi utilizada então pela Alemanha Federal que disse: vocês nos têm, vocês podem simplesmente vir a nós e com isto não se realizaram os muitos sonhos de uma RDA reformada e democrática. Mas eu não falaria de uma contra-revolução, diria simplesmente que foi um movimento que não conseguiu se impor e realizar seus objetivos. Mas isto não é atípico na história. A intenção no início não era anti-socialista, ela se tornou depois. A Alemanha deveria, primeiramente, terminar de fato com a guerra fria no seu interior. Eles continuam com as antigas batalhas, como se a RDA ainda existisse. Se o PDS não existisse, eles precisariam inventá-lo. Internacionalmente aumentou a responsabilidade da Alemanha Federal, ela se tornou maior, tem mais peso econômico.

A Alemanha vai se tornar de novo uma potência militar?
Pratica-se passo a passo uma política de grande potência. O governo reconheceu que não se pode ser grande potência somente nos planos financeiro, econômico e político. É preciso ser também forte no plano militar. Por isso, querem participar em todas as ações militares internacionais e querem que os EUA aceitem que a RFA é o poder número um na Europa. Para isso eles estão de acordo que os EUA sejam o poder número um no mundo.

Qual a estratégia para isto?
Sozinha a Alemanha não consegue realizar esta pretensão, por isso buscam uma parceria com a França, para que desempenhem conjuntamente este papel. Com isto o papel dos ingleses, italianos etc. seria um pouco reduzido, mas como eu conheço os alemães, quando conseguirem isto se livram do parceiro francês e assumem este papel sozinhos. Eles já são, sem dúvida, o primeiro poder na Europa Oriental. A Polônia, a Hungria, a República Tcheca, a Eslováquia, as Repúblicas Bálticas ou a Rússia, todos estes países são mais dependentes da Alemanha do que da França, da Inglaterra ou da Itália.

Em diversos países da Europa Oriental os ex-comunistas têm conquistado vitórias eleitorais e em vários deles estão novamente no governo. Como você vê este processo?
Considero muito lógico, porque todos estes partidos passaram por consideráveis reformas desde a bancarrota de 89/90 e ainda representam o principal potencial intelectual destas sociedades. Além disto, como a antiga oposição se mostrou incapaz de dirigir o país com justiça social, os partidos de esquerda reformados receberam uma grande votação porque, primeiramente, eram diferentes do que foram, haviam passado por transformações e, em segundo lugar, eles ainda eram os mais competentes para governar a sociedade com justiça social e de forma ecológica e dirigir os processos por que passam estes países, inclusive os processos de transição para a economia de mercado. Isto se dá de maneira um pouco diferente na República Tcheca porque lá havia uma outra tradição do movimento de oposição. Na Hungria jogou um papel o fato de que o partido sucedâneo tenha se dividido, existe agora um partido mais comunista e a outra ala, que agora governa, se tornou um partido social-democrata. Nestes países não havia uma tradição social-democrata, de forma que os partidos reformistas assumiram o papel da social-democracia.

O que não é o caso da Alemanha...
Na Alemanha, a aceitação do PDS no leste cresce também, mas temos que disputar com colossos de experiência e estabilidade política, que são os partidos alemães ocidentais.

Mas nos países da Europa Oriental existem outros tipos de problemas.
Estes países enfrentam problemas muito maiores do que os nossos, pois não têm um parceiro que garanta transferências como a antiga RFA que tem sempre condições de amortecer os grandes problemas sociais. Por outro lado, não podem, como aconteceu na RDA, simplesmente desmontar totalmente, privatizar ou mesmo liquidar as empresas. Se a mineração de carvão fosse liquidada na Polônia eles simplesmente não teriam mais carvão. Se eles interrompem a produção de carvão na RDA, ainda terão carvão suficiente produzido na RFA. Em todas os países da Europa Oriental é a mesma sociedade, são as mesmas pessoas e elas estão subordinadas àquelas estruturas que lá estão. Se demitirem todos os professores não terão mais professores. Se demitirem todos os policiais não terão mais policiais, se demitirem todos os diretores não terão mais dirigentes de empresas. Isto não é possível. Nosso problema com a unificação foi que, exagerando um pouco, para a vida da RFA e também para o funcionamento de sua economia, não foi necessário nada da antiga RDA. Quer dizer, tudo que agora ainda existe, existe, na verdade, por piedade.

Piedade?
Eu exagero um pouco, mas se todas as empresas, no dia 3 de outubro de 1990, data da unificação, tivessem sido fechadas, a população não teria passado fome. É uma situação que não houve em nenhum outro país do bloco oriental. Esta é a grande diferença, por um lado, a nosso favor, através do amortecimento social; por outro, é uma desvantagem, pois não possibilita um desenvolvimento independente. A remoção do já existente, a substituição de pessoal é muito fácil de ser realizada. Eles podem mandar para casa toda a intelectualidade da antiga RDA e terão ainda, apesar disto, número suficiente de professores, engenheiros etc.

A luta de classes não é mais uma categoria para explicar a realidade social na Alemanha?
É sempre muito difícil operar, nos dias de hoje, com certos conceitos que vêm de uma época totalmente diferente. Naturalmente a nossa sociedade continua como antes, dividida em classes. Existe uma questão de classe, mas existe também uma luta da humanidade pela sua sobrevivência. Esta luta está acima das classes, as afeta. Além disto, há uma certa confusão relativa aos conceitos de classe, porque, por exemplo, a estrutura da classe operária vai mudando totalmente. A parcela dos trabalhadores da indústria diminui de forma permanente, enquanto o número dos funcionários do setor de serviços cresce enormemente. Mas além disto, temos por exemplo o grande exército de desempregados, o grande exército dos chamados aposentados precoces que ainda não são realmente aposentados, mas estão sem trabalho e recebem por isso uma indenização. O que são eles? A qual classe pertencem? Quando não tenho nenhum posto de trabalho, pertenço à classe operária porque uma vez pertenci? Quem representa eficazmente os interesses dos desempregados numa sociedade? Essas questões são altamente complexas. Meu amigo Mandel, da IV Internacional, me deu a seguinte definição: todos que dependem do trabalho pertencem à classe operária. Então eu lhe disse: até mesmo o diretor do Deutsche Bank depende do trabalho, ainda que ele tenha salário de 200 mil marcos! Quando o incluo na classe operária, fica ridículo. A pequena empresária, que está numa situação social muito difícil, não é incluída, enquanto um diretor de banco sim. Existem naturalmente classes, existem também contradições de classe, mas isto tudo só tornou um tanto difuso. E hoje é muito complexo, porque provavelmente um operário especializado trabalhando num computador corresponde muito mais à antiga imagem de um engenheiro do que à do clássico operário industrial. Muitos setores sofrem mesmo um recuo. Suponho que daqui a cinqüenta anos não haverá mais extração de carvão na Alemanha. Contudo, a exploração do carvão vai continuar na Rússia e em outros países. Isto significa talvez que em algum momento não será mais possível trabalhar com os conceitos de classe no âmbito nacional, porque talvez surjam novas categorias internacionais. Ainda não existe nenhuma pressão séria para um ajuste dos salários ao nível internacional, enquanto os consórcios há muito estão organizados internacionalmente. Falhamos aí como esquerda, estamos muito atrasados. Os sindicatos também. Minha experiência é que pelo menos desde a metade deste século muitos movimentos populares, que também tiveram seus êxitos e conquistas, com freqüência não partiram da classe operária. Penso por exemplo no movimento estudantil alemão, francês de 1968. Não se pode dizer que a classe operária teve participação. Isto parece diferente na América Latina, porque lá as condições são outras. Por isso, acho que o impulso de uma nova esquerda virá mais provavelmente da América Latina.

O PDS é qualificado de comunista, stalinista, populista de esquerda social-democrata de esquerda, até de traidor da revolução. Que tipo de partido é o PDS?
Estamos ainda em processo de definição. O que é difícil de compreender para alguns de nossos amigos, mas também para nossos adversários, é o fato de que não podemos ser carimbados e todos lutam para conseguir nos pregar uma etiqueta. O PDS não é um partido comunista, no sentido clássico; não é, sem sombra de dúvida, um partido social-democrata; não é um partido liberal, nem também um partido ecológico, ou seja, nada daquilo que comumente se usa para definições na Alemanha. Antes de mais nada ele é um partido socialista, um partido de esquerda, que tem princípios pluralistas. É bem-vindo quem conosco quer procurar alternativas para garantir um grande grau de democracia, de liberalismo e de direitos sociais, para impedir o desemprego em massa, quem é a favor de um grau maior de efetivação dos direitos humanos, de proteção das minorias, de oportunidades iguais na educação, cultura e assim por diante. É indiferente para nós se alguém se define como comunista, social-democrata, ecológico, pacifista, ou simplesmente como socialista democrático - o que mais se aproxima de nosso nome -, mesmo que seja um empresário que briga por mais justiça social. Precisamos, porém, prestar atenção para não nos tornarmos um partido qualquer. Por isso tentamos traçar determinados limites: o nacionalismo, o chauvinismo, o racismo, o anti- semitismo são incompatíveis conosco. Por outro lado, o nascimento do PDS esteve ligado ao rompimento com as estruturas stalinistas e não permitiremos um retorno. Por estruturas stalinistas ou pós-stalinistas entendemos todas as concepções antidemocráticas de socialismo, não-liberais, antiemancipatórias, vanguardistas e centralistas.

Vocês estão tendo problemas com a Plataforma Comunista, a tendência stalinista do PDS?
A Plataforma Comunista é tão diferenciada como o próprio PDS. Ela tem membros com os quais me entendo de forma excelente. Eles dizem simplesmente: meu sonho é uma sociedade sem classes onde a liberdade de cada um é a condição para a liberdade de todos, como definiram Marx e Engels no Manifesto Comunista. Isto eu posso muito bem entender, pois é um ideal muito bonito para o qual se deve trabalhar. Mas há outros com os quais tenho grandes dificuldades e, sem dúvida, eles também comigo. Na opinião deles, defendo posições muito social-democratistas. E eles, na minha forma de ver, são pessoas que não abandonaram, que ainda tentam justificar, suas estruturas dogmáticas de pensamento. Cheguei à conclusão, em função da derrocada da RDA, que uma sociedade socialista que não é desejada pela maioria da sociedade não pode funcionar! Porque nesse caso, como minoria, se tem sempre de pensar em como vai se dominar a maioria. E isso só é possível através de métodos antidemocráticos, antiliberais. E então existem dissensos, acontecem as discordâncias e os conflitos.

Como são as relações internas ao partido?
Não temos somente plataformas, temos grupos de trabalho, grupos de interesse, portanto diversas possibilidades de se organizar dentro do PDS. Pode ser a partir de visões ideológicas: é o caso da Plataforma Comunista, da plataforma ecológica, da social-democrata. Temos grupos de interesse, grupos de trabalho que se orientam mais por campos de atuação política, por empresas, sindicatos, áreas sociais, feministas, políticas para mulher, juventude. E agora, grupos de empresários estão se organizando ou tentam se organizar no PDS. A Plataforma Comunista tem também seus contatos com outros partidos dentro da Alemanha e em nível internacional. Mas é necessário tomar cuidado, pois não é permitida a formação de um partido próprio dentro do PDS.

Como é a relação com os empresários?
Os que simpatizam conosco são, na maioria pequenos empresários. Para a formação deste grupo de trabalho existem pelo menos três motivos: queremos ampliar, dentro do PDS, o entendimento da política econômica e da política fiscal; queremos discutir com eles como é possível combinar efetividade econômica com justiça social e ecologia; queremos que eles se conheçam entre si para que também possam fazer negócios entre eles. Queremos ter realmente uma política para a classe média e para pequenos empresários. Sabemos o quanto eles são importantes por exemplo para a criação de novos postos de trabalho. E também aprendemos com os erros da RDA. Na RDA tivemos, durante um longo tempo, algumas empresas do tipo médio, por exemplo na fabricação de instrumentos musicais. E a partir do dia em que, em 1971, transformamos a fábrica de violinos, que era privada, em empresa estatal, os violinos não tocavam mais. Os empresários orientais são ainda consideravelmente prejudicados na abertura de uma empresa em comparação com os ocidentais. E é necessário que alguém defenda estes interesses.

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Numa entrevista você citou o PT como exemplo para o PDS. Por quê?

Depois da derrocada do socialismo real, o PT, como outros partidos, se defrontou com várias possibilidades de reagir. Uma era a da profunda resignação: já não há soluções, a não ser as da direita. A outra variante é a que diz: pode passar no mundo o que quiser, eu fico com minhas concepções, não as mudo um milímetro; mesmo que o mundo venha abaixo diante de mim sou fiel às minhas posições. Isto significa que não estou disposto a aprender de forma nenhuma. A terceira variante diz: seremos um partido social-democrata, fechemos com uma posição intermediária. E o quarto caminho, partindo de uma derrota terrível, se pergunta por que isto aconteceu? Quais estruturas eram erradas? Sempre partindo do fato de que o capitalismo não oferece soluções sociais justas para mudanças na sociedade. Ou seja, sou obrigado a pensar, a partir de novas bases e de forma não dogmática, em como mudar esta sociedade. Para tanto, preciso de um princípio pluralista, pelo menos no pensamento, uma abertura mental para qualquer proposta. Tenho de tentar superar o centralismo, porque ele significa sempre que as idéias das bases não têm nenhuma chance. Eu tinha a impressão de que o PT optou exatamente por este caminho, somando e juntando desta maneira as mais diferenciadas forças de esquerda. Com grande esforço venceu o dogmatismo, sem social- democratizar-se de forma barata. Não sou adversário da social-democracia. Eu me diferencio consideravelmente deles, principalmente do seu recente desenvolvimento, que de certa forma é aventureiro, mas estou aberto também para um trabalho conjunto. Mas, enquanto na Europa as estruturas estão tão fossilizadas que mais nada pode nascer delas, na América Latina existem muitas novas fontes a partir das quais pode nascer uma riqueza de pensamento. Isto faz a diferença entre a Europa e América Latina. Portanto, enquanto o capitalismo de vocês deu alguns passos na direção de se tornar um pouco civilizado, um pouco democrático, um pouco liberal, com um pouco de estado de direito, um pouco de social - tudo totalmente insuficiente -, o nosso capitalismo, que até já alcançou algumas conquistas, passa exatamente pelo contrário. Passo a passo, ele novamente tenta destruir tudo.

Lula disse uma vez que se no Brasil tivéssemos um nível de vida como na Suécia ele estaria satisfeito e não seria socialista.
Isto já tinha dito Engels também. Ele disse: quando na Inglaterra forem introduzidas as dez horas de trabalho teremos já um pouco de socialismo. Assim se modificam os parâmetros.

Seu pai participou da resistência ao nazismo, foi ministro da Cultura e secretário de Estado para questões religiosas na RDA. Você esteve na organização dos pioneiros (organização mirim comunista), na FDJ (juventude comunista) e no SED (Partido Socialista Unificado da Alemanha). Sendo advogado, e com este currículo, você tinha uma carreira segura, mas acabou se tornando advogado de perseguidos políticos. Como isto aconteceu?
Porque eu não pretendia me tornar juiz ou promotor. Queria ser advogado de defesa e como advogado fiz quase de tudo, divórcios, direito do trabalho, direito civil e também penal. Em direito penal defendi muitas pessoas, mas muitos criminosos comuns. Tive como cliente Rudolf Bahro, que havia escrito um livro A alternativa no qual ele atacou fortemente a direção do partido e por isso foi processado. Com isto acabei adquirindo uma certa fama e a partir daí recebi cada vez mais clientes desta área. Relativamente poucos entre aqueles que queriam imigrar para a RFA, estes procuravam outro advogado porque isto eu não podia intermediar. Mas exatamente entre aqueles críticos do regime que eram levados aos tribunais e que queriam permanecer na RDA muitos tornaram-se meus clientes.

Você teve dificuldades devido à sua atuação como advogado?
Sim, mas nada tão importante que valha a pena registrar. Mas uma profissão como a minha não podia ser praticada na RDA sem que a pessoa enfrentasse dificuldades. Claro que houve vários conflitos que agora, com o passar do tempo, são em parte muito engraçados, mas na época não o eram, mas eu tinha também uma certa margem de manobra. Fui, naturalmente, um pouco protegido através de meu pai, apesar de que era claro que alguns limites bem definidos eu também não podia ultrapassar. Recordo-me de que tive uma vez um cliente que havia escrito numa parede "melhor morto do que vermelho" e foi naturalmente preso por causa disto, infelizmente naturalmente preciso dizer. Ele foi condenado, escrevi então uma apelação e entrei com o pedido de sua soltura com a alegação que aquilo era na verdade um descrédito de tudo que é identificado na sociedade como vermelho, mas que eu não conseguia reconhecer nisto nada de relevante do ponto de vista penal, pois se trata da opinião individual. Mas a apelação não agradou e precisei comparecer à direção distrital do SED para prestar esclarecimentos. Disse a eles que isto não era de sua alçada, mas viam a coisa de outra forma. Recebi também uma repreensão do partido quando era estudante, nos idos de 1968, quando da intervenção das tropas na Tchecoslováquia. Houve discussões e conflitos, mas não posso me pintar de herói ou de alguém que foi muito perseguido, isto não corresponderia à verdade.

Carlos Santos é estudante de Economia e funcionário da Universidade Livre de Berlim.

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