Mundo do Trabalho

Entrevista com Luiz Marinho

Presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores, a maior do país, com 3.353 sindicatos filiados e 22 milhões de trabalhadores em sua base, Luiz Marinho faz um balanço dos vinte anos da entidade, das diversas reformas em tramitação no Congresso e fala com tranqüilidade da relação “cheia de contradições” com o governo Lula

Fazendo um balanço desses vinte anos de CUT, que papel a Central desempenhou na história do Brasil?
A CUT nasceu contestando o regime militar, a ditadura, lutando pela democracia, por cidadania, espaço e voz para os trabalhadores; brigando por um outro Brasil e pelo direito de a sociedade construir um novo rumo. Tem, portanto, uma história extremamente vitoriosa, porque participou desse processo de conquista e consolidação da democracia, da luta pelas Diretas, contra a ditadura e de todas as lutas sociais desse período, do impeachment de Collor. Participou ativamente da vitória de Lula, um fundador da CUT, motivo de muito orgulho.

Há quem reclame das contradições advindas do governo de Lula. Brinco que temos bons problemas agora, mas prefiro a complexidade, as contradições, pois com elas certamente caminharemos para construir. Se considerarmos que esse era um sonho da CUT quando fundada, ao completar vinte anos podemos pensar no próximo, não somente para ela, mas partilhado com a sociedade. Agora seria o rompimento com outra espécie de ditadura, a da exclusão social, da falta de democracia econômica e de acesso ao emprego, ao trabalho, para milhões de pessoas. Condição de cidadania, verdadeiramente falando, para milhões de pessoas excluídas, educação, moradia, saúde, transporte, teatro, cinema. Esse seria um sonho a ser conquistado não somente nesses próximos quatro anos do mandato de Lula, mas talvez nas próximas duas décadas, são coisas de longo prazo.

Tocamos então no ponto-chave que é presidir uma central sindical quando se tem um governo federal que se ajudou a eleger. Como viver isso sem passar a imagem de adesista, de chapa-branca?
É andar no fio da navalha. A CUT tem a obrigação número 1 de representar seus filiados e se pautará por esse compromisso, mas também tem um compromisso histórico de olhar para a sociedade, para o desenvolvimento do país, de pensar o Brasil como um todo. Quando digo excluído, não estou falando necessariamente de um filiado da CUT. Vamos honrar esses compromissos. Evidente que a relação com o governo é cheia de contradições. A CUT tem o compromisso de ajudar o governo a dar certo, porque se isso acontecer a sociedade brasileira estará implantando no país outro modelo. Acho que está dada a oportunidade à sociedade brasileira de trilhar um novo rumo, a partir da participação democrática dos movimentos sociais. E, como tal, a CUT, para ajudar o governo, não poderá ser governista, adesista, dizer “amém” a tudo o que o governo propuser, na primeira hora. Apoiará as medidas do governo se corresponderem aos compromissos históricos a que me referi, aos atuais e olhando para o futuro. Com a mesma tranqüilidade a CUT deve dizer não, contestar, dialogar e disputar com o governo, até porque é reconhecidamente um governo de esquerda que, dentro das regras democráticas brasileiras e da correlação de forças políticas, precisou compor com o centro e até com a direita para ter condições de governabilidade. Sem isso, especialmente no Congresso, não haveria como fazer coisa alguma.

Nesse sentido, já temos o exemplo da reforma da Previdência. Esse episódio deixou alguma cicatriz na relação entre a CUT e o governo federal?
Como presidente da Central, não vejo cicatriz, porque parto do ponto de vista de que, além do compromisso histórico com o conjunto da sociedade, temos de representar nossos filiados. Governar significa olhar para o todo, e muitas vezes contrariar setores. A CUT representa um setor que eventualmente é contrariado com determinados encaminhamentos do governo. O governo não está lá para fazer tudo o que a CUT quer, ou o que qualquer outro setor da sociedade queira. Deve ter ficado cicatriz com setores, particularmente do funcionalismo, mas com a CUT não.

Não vejo nenhuma cicatriz na relação, pois estou preparado para essas contradições e diferenças. Há quem pense que o governo atenderia a tudo o que queremos. Não é possível, assim como o governo também não pode pedir que façamos tudo o que ele gostaria. São as contradições às quais me referi. Prefiro isso a ter um governo que não dê espaço para o diálogo, que não estimule a organização e a participação da sociedade...

Por que, então, você não deixou Lula usar o boné naquele dia?
Em relação ao boné, nós o levamos e eu disse: “Vai usar se atender as nossas reivindicações”. Ou seja, basicamente defender o interesse dos baixos salários. Vamos insistir no Senado em buscar o meio-termo em relação ao teto, além de outros pontos que significam proteção aos baixos salários. O governo negociou com os estados e, a partir daí, criou dificuldades para atender a essas reivindicações. Negociou com os altos salários, que ainda estão descontentes, e isso foi, naquele momento, a grande frustração para a CUT e para milhões de funcionários públicos. Não sei, na intimidade, qual o sentimento de Lula em relação a isso. Acredito que houve uma grande “bateção” de cabeça internamente entre governo e bancada. Mas isso não remete para uma frustração com o governo. Acreditamos na possibilidade de o governo ser vitorioso, até porque essa vitória pode ser a vitória da classe trabalhadora brasileira.

Mas você espera ter maiores ganhos nas próximas negociações?
Espero que nas próximas negociações o governo atenda mais às solicitações, particularmente dos baixos salários. Nossa chiadeira se deve à grande insatisfação com o resultado final da reforma da Previdência, apesar de termos conseguido incluir alguns pontos.

Do que resultou a reforma da Previdência, com o que a CUT está de acordo e com o que está em desacordo?
A Central desde o início tem uma resolução de que essa reforma é necessária, mas precisaria mexer no conteúdo original proposto pelo governo. E a essa proposta inicial conseguimos incorporar várias mudanças. A paridade e a integralidade para os atuais servidores na transição eram coisas que reivindicávamos, a proteção aos pensionistas e até o teto são importantes. A isenção de parcela na taxação é importante, nós reivindicávamos a isenção total. A constitucionalização para criar condições de inclusão dos 40 milhões de excluídos é uma reivindicação da Central, é importante, e tem outros itens. O que faltou foi, ainda na transição, retirar o redutor de 5% quando a pessoa adquire, pelo tempo de contribuição, direito à aposentadoria, mas pela nova regra, pela idade, não tem condições ainda para ter integralidade. Caso queira, se aposentará pela média, com redutor de 5% ao ano, o que para os baixos salários é terrível. Então, a integralidade nesse caso pode atender aos altos salários, mas para o baixo salário é muito sacrificante. Para quem tem alto salário, trabalhar sete anos a mais para ter um salário pós-aposentadoria de 13 mil, 15 mil reais, é diferente de alguém ter de trabalhar sete anos a mais para ter uma integralidade de 550, 600, 700 reais... Essa é a realidade da maioria do funcionalismo público, particularmente dos estados. A grande massa está nessa faixa de baixos salários. Achamos o teto de 2.400 reais baixo, a nossa proposta era de vinte salários mínimos. Estávamos dispostos a negociar algo intermediário entre os dois valores.

Havia uma contradição no seio do funcionalismo, particularmente na CUT, uma minoria defendia que nem se fizesse a reforma. Com isso nunca concordamos, porque era preciso olhar para a sociedade. Para incluir os 40 milhões era preciso tirar o direito dos magistrados, em especial os desembargadores dos estados, de continuar com aposentadorias milionárias, de 50 mil, 30 mil reais.

Os servidores criticaram bastante as posições da CUT e fala-se até em uma nova central, que os incorpore...
Há muita desinformação sobre isso. Na verdade trata-se de uma deliberação de uma parcela de entidades do funcionalismo que nunca estiveram no seio da Central. Então, elas venderam essa idéia, e a imprensa fez questão de divulgar.

Já que elas não estão representadas em nenhuma central, têm o direito legítimo de se constituir numa que as represente. De fato, algumas nunca participaram de nenhuma mobilização histórica. Agora se mobilizaram, fizeram bastante barulho... Para uma nova entidade, aliás, à direita da CUT. Não há espaço, a meu ver, no âmbito sindical, à esquerda da Central. Nenhuma entidade filiada à CUT fala em deixá-la para integrar essa nova central.

Que importância a CUT atribui à reforma tributária?
Para a CUT a reforma tributária seria a primeira, pois é preciso buscar um entendimento que traga uma distribuição de renda para o país. O sonho a que me referi de vencer a guerra da exclusão social, em grande parte, passa pela reforma tributária, trazendo uma visão distributiva. É preciso reduzir o impacto indireto dos tributos nos bens de consumo, particularmente na alimentação, nos remédios, que é muito maior no baixo salário que no alto. É preciso mudar a forma dos tributos do país criando, por exemplo, uma cesta básica de alimentos e de remédios que tenha tarifa zero. É preciso pensar na desoneração da produção e dos investimentos, mudar a tributação previdenciária da folha de pagamento para o faturamento. Uma empresa que na década de 1980 tinha em torno de 40 mil trabalhadores hoje tem a metade, e paga a mesma alíquota na folha de pagamento da Previdência. Houve redução de funcionários, aumento da produção, porque se implementou tecnologia. Então, tem de passar para o faturamento, para que as empresas, à medida que implementam mais tecnologia, aumentem sua contribuição, para fazer a distribuição de renda. Existem as empresas de grande incremento de mão-de-obra sendo sacrificadas por esse sistema.

Discutimos nossa visão de reforma tributária no Parlamento. Há evidentemente restrição, é difícil, porque cada um tem sua reforma na cabeça. Mesmo em relação à alíquota zero para os alimentos, dependendo de qual estado produz o quê, há reação. Construímos um consenso para a intervenção das centrais sindicais em relação à reforma tributária. Da mesma maneira estamos apresentando um conjunto de propostas para a retomada do crescimento e desenvolvimento, importantíssima para o país.

É preciso mudar a tabela de imposto de renda, para ser uma tabela progressiva: quem ganha menos paga menos, quem ganha mais paga mais. Defendemos que fique claro qual é a contribuição do sistema financeiro, que tem um grande resultado e contribuído muito pouco com o desenvolvimento do país. Um tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas. No Brasil há muita sonegação, muitas empresas informais. Se você tem um tratamento diferenciado para as micro, pode trabalhar para que as empresas informais passem a se formalizar – e acabem participando do desenvolvimento do país. Há uma preocupação que as empresas têm apresentado contra a reforma tributária, o que é um erro, da forma como estão abordando, porque a sociedade não pode perder a oportunidade de fazer a reforma tributária. E as empresas que sempre reclamaram essa necessidade não podem entrar no jogo, colocando em risco a possibilidade de executar a reforma tributária. Mas nós defendemos que haja um freio para que os governadores, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), não venham no futuro a aumentar a carga tributária.

Outra coisa que sugerimos, tendo em vista que há muita sonegação no país, é uma grande campanha para que as pessoas peçam nota fiscal. É preciso fazer esse debate na sociedade e, à medida que diminua a sonegação e aumente a arrecadação, exista o compromisso de redução das alíquotas.

Outra reforma prevista, talvez a mais vital para a Central, é a trabalhista e sindical. Como vocês estão se preparando para ela?
Há o Fórum Nacional do Trabalho, que envolve trabalhadores, governo e empresários. Separamos essa discussão em duas: sindical e trabalhista. A sindical e a reforma política, que é uma outra, são importantíssimas, para uma visão de longo prazo do país, de consolidação da democracia.

Ao tratar da sindical temos de fazer referência à própria Central, que nasceu a partir de uma contestação do atual sistema sindical brasileiro. Mas é preciso avançar e mudá-lo de fato. A CUT, de forma majoritária, defende um sistema que tem como conceito a liberdade e autonomia sindical, dos trabalhadores se organizarem a partir de seu local de trabalho, que é altamente decisivo nesse processo de fortalecimento do papel dos sindicatos; e a implementação da contratação coletiva, o novo conceito de contratação. Sinteticamente é isso que defendemos. Ocorre que nesse item não há consenso no movimento sindical, não há consenso com o empresariado, nem sequer há consenso na CUT. Talvez a maneira mais eficaz de não dar em nada é se todo mundo fincar pé em sua posição original.

Essa é minha visão pessoal. Precisávamos partir da liberdade e da autonomia sindical, mas estamos abertos a um processo de construção de um entendimento com o conjunto das centrais. Nesse caso, a reforma depende muito mais de um entendimento entre as centrais e o empresariado do que do governo. Estamos abertos a construir um entendimento, apesar de existir quem não queira absolutamente nenhuma mudança.

E a trabalhista?
Dependendo do que for feito na reforma sindical, se discute a amplitude da trabalhista. Os empresários querem que a sindical não mexa em nada, mantenha a unicidade, o imposto sindical, mas na trabalhista querem implementar a livre negociação, o negociado sobre o legislado. Com o atual modelo sindical, se isso acontecer haverá no Brasil o retorno do trabalho escravo, porque em regiões onde os sindicatos não estão bem organizados isso é um perigo grande. Então, na agenda da CUT, a reforma trabalhista fica para o ano seguinte.

Você falou que existem setores inclusive dentro da CUT que se opõem à implantação da liberdade e autonomia sindical nos termos da Convenção 87 da OIT? Que setores são esses?
Há vários setores, como a Corrente Sindical Classista, que é hegemonizada pelo PCdoB, mas há gente inclusive do PT. Esse é um debate importante de fazer.

Olhando para dentro da CUT, como é o quadro interno das forças políticas?
No último congresso houve duas chapas. Uma chapa que teve em torno de 75% dos votos, encabeçada por mim, da qual participaram companheiros da Articulação Sindical, da CUT Socialista e Democrática, da Corrente Sindical Classista, mais PCB e PSB. E a outra chapa formada por companheiros do PSTU e por correntes do PT, como o Movimento por uma Tendência Socialista e o Fortalecendo a CUT.

Como essas correntes internas se posicionam em relação ao governo Lula?
Mais ou menos assim: quem estava na chapa encabeçada por mim tem uma relação conceituada conforme defini no início da entrevista. Na chapa 2 tem gente que concorda com essa conceituação, mas a depender de outros instrumentalizam a CUT para fazer oposição pura e simples, o que seria um equívoco. Até porque, se o governo Lula for derrotado, não virá um governo à sua esquerda, e talvez levemos anos para construir outra chance de os trabalhadores elegerem alguém que apresente, novamente, a possibilidade de buscar um novo rumo para o Brasil.

Que papel a CUT deve desempenhar nos próximos anos, num enfoque menos imediato e mais estratégico?
Estamos trabalhando alguns planos estratégicos. Queremos, por exemplo, construir a longo prazo instrumentos que melhorem a comunicação na rede cutista, sindicatos filiados, federações e confederações, e também com os 170 milhões de brasileiros e brasileiras. Precisamos de uma comunicação mais cotidiana com a sociedade, para apresentar nossas bandeiras, a luta pelo emprego, por condições de moradia, por melhores condições de saúde, educação, por cidadania, contra a desigualdade e discriminação sob todos os aspectos. Outro ponto é aumentar a presença da CUT no campo, se apresentar de uma maneira mais orgânica, procurando um entendimento com parceiros, como o próprio MST, de forma que nos somemos a essa luta. Essa é uma intervenção importante.

Queremos introduzir na vida cotidiana da CUT, nessa nova estrutura sindical, a contratação, a negociação coletiva, hoje reservada quase exclusivamente aos sindicatos, algumas federações e residualmente à Central. Precisamos participar ativamente dessas negociações, comandar ações, ter os acordos em nível nacional, estadual, regional e local, de fábrica, inclusive.

A CUT também tem uma experiência desenvolvida por alguns sindicatos em relação ao cooperativismo, seja no campo, seja na cidade, como por exemplo as cooperativas de produção. Organizou a Agência de Desenvolvimento Solidário, que busca atuar em nível nacional, para criar condições de gerar oportunidades de renda, emprego, negócios, na qual os trabalhadores que muitas vezes estão excluídos do mercado de trabalho tenham alguma perspectiva. Guiada por experiências na Itália e na Espanha e há alguns anos em algumas regiões do nosso país, a agência procura orientar segmentos da classe que hoje já estão desgarrados, sem nenhuma condição de disputar no mercado de trabalho, para que se insiram a partir dessa política.

Pretendemos trabalhar a imagem da Central. A idéia de criar no saguão da sede um espaço cultural tem a ver com isso, dialogar com uma parcela da sociedade que venha a freqüentar suas instalações e, assim, conhecer a entidade.

Vamos continuar nos relacionando com o conjunto dos movimentos sociais do país. Quando falei que precisamos muitas vezes disputar a agenda, isso vale tanto para a CUT quanto para o conjunto dos movimentos sociais. Existe inclusive hoje uma coordenação dos movimentos sociais, da qual a CUT é parte, que é um espaço interessante de discussão de vanguarda: para onde vamos, qual a nossa utopia. Temos de continuar sonhando.

Que relação a CUT deve manter com as demais centrais sindicais, em especial a Força Sindical?
Por várias vezes a CUT procurou o entendimento com as centrais sindicais. Em alguns momentos pontuais funcionou bem, outros foram desastrosos. Mas a CUT, por ser a principal central brasileira, a quinta maior do mundo, com a maior longevidade na história do país, tem por obrigação ser igualmente generosa e procurar interagir com as outras centrais sindicais, liderar um processo de forma natural, sem ser arrogante ou prepotente. Com muita humildade, tem de procurar dialogar e buscar construir um entendimento. A possibilidade, por exemplo, de sair uma reforma sindical passa por um processo de entendimento. Se almejamos um novo conceito da contratação, contrato coletivo, acordos em nível nacional, tudo isso passa por um entendimento do conjunto das centrais. Estamos nesse momento exercitando bastante esse diálogo com as centrais, tentando um novo padrão de relacionamento. Há países que têm cinco, quatro centrais disputando a vanguarda, com propostas ideológicas. Mas, quando há campanha por redução de jornada, em defesa do conjunto dos interesses do trabalhador, elas estão juntas na mesma mesa de negociação.

Fale-nos um pouco de suas atividades como presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
O presidente Lula apresentou um programa social que tem grande abrangência e interlocução com vários ministérios, o Fome Zero. Mas houve falta de entendimento quanto ao programa. Parecia que teríamos caminhões saindo do Sudeste e levando alimentos para o Nordeste, e não é isso. Então a marca Fome Zero causou grande impacto, as pessoas foram sensibilizadas, mas quando se fala em fome pensa-se imediatamente como resposta em distribuição de comida. Essa é uma parte menor do programa.

Outra coisa é a organização da sociedade em torno do tema política alimentar. Então temos o Consea nacional, os conselhos estaduais e os municipais. Há vinte estados que já têm o Consea, o que é razoável. Mas só temos 51 cidades com conselhos municipais. Aí eu pergunto: quantas prefeituras o PT tem mesmo no país? Por que nem os prefeitos petistas se sensibilizaram, ainda, para criar em sua cidade os conselhos, e a partir dela irradiar uma política alimentar na região?

É preciso fazer essa pergunta ao PT, aos nossos prefeitos, prefeitas, deputados, deputadas, vereadores e vereadoras... Tirando a camisa de presidente do Consea e da CUT, como militante do partido acho que isso tem de ser uma disputa do PT.

Há cidade em que o prefeito não quer implantar o Fome Zero porque, por orientação do Ministério, para ter o programa em seu município, para ter o convênio, é preciso formar um conselho gestor com a participação da sociedade. A Igreja deve ser ouvida, os sindicatos dos trabalhadores, dos empregadores têm de ser ouvidos – enfim, a sociedade tem de ser ouvida. E o prefeito quer o dinheiro, mas não quer ninguém fiscalizando-o. Então, nessas cidades, se tem um vereador do PT, ele precisa organizar a sociedade para pressionar o prefeito para criar o conselho gestor. Porque isso pode se traduzir numa disputa inclusive de visão de Brasil, de organização da sociedade, para onde nós vamos. Isso acontece na política alimentar e também nos conselhos da saúde. Vou inclusive conversar com Genoino, para sugerir que a direção do partido faça um chamado a suas lideranças.

Mas o partido criou uma secretaria para acompanhar a implantação do programa.
Criaram uma secretaria, mas eu nunca fui convidado, como presidente do Consea, por exemplo, para discutir o que fazer nesse sentido. Na verdade, deveria haver uma orientação para todos os vereadores, deputados etc., para fomentar esse debate. Pode ser um debate interessantíssimo, de disputa inclusive nas respectivas cidades, na região, uma forma de organizar a sociedade. Falamos sobre o sonho, construir o socialismo, mas isso passa pelo enraizamento da organização popular da sociedade. Esse é um instrumento para construir esse enraizamento, colocar na mão da sociedade essa possibilidade. E, se o PT não o fizer de forma correta, pode chegar um partido “espertalhão” que o faça de forma incorreta. Teremos em março a Conferência Nacional da Política Alimentar, em Recife. Antes, precisam ser realizadas as conferências municipais, até novembro, e estaduais, até janeiro.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate