Cultura

Foram nove meses de trabalho reunindo 54 jovens de diversas ONGs até a estréia do espetáculo 'Samwaad - Rua do Encontro', um projeto extremamente comprometido com a realidade brasileira

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Anderson Dias da Silva, de 20 anos, é hoje um cidadão dançante. Na verdade, ele é um deles, entre os 54 jovens moradores da cidade de São Paulo que constituem o corpo do espetáculo Samwaad – Rua do Encontro, idealizado pelo coreógrafo e educador Ivaldo Bertazzo, em cartaz no Sesc Belenzinho, na Zona Leste da cidade.

Seu trajeto de uma hora e meia, de quarta a domingo, quando vai para o Sesc, inicia-se no Jardim Monte Azul, periferia da Zona Sul, próximo ao terminal de ônibus João Dias. Ali mora com sua mãe e o irmão caçula. Mesmo pequena e construída num terreno acidentado, sua casa já tem um espaço reservado para o berço de seu primeiro filho, que deve nascer no fim de maio. E é nesse bairro, onde vai ser pai, que vive desde os 4 anos.

Foi no Jardim Monte Azul que começou a se tornar cidadão; hoje, após a experiência do aprendizado em Samwaad, está preparado para atuar também como arte-educador, com ênfase na linguagem da dança. Ele e quatro jovens do mesmo bairro (seus amigos), integrantes desse conjunto artístico, desenvolveram valores sociais importantes dentro de sua comunidade – que são enfatizados, explorados, resignificados e até mesmo fomentados durante o extenso e educativo processo de criação do espetáculo.

Break

“Eu comecei com a dança do break (expressão típica da cultura hip hop) com 17 anos. Sem experiência nenhuma: dançando por dançar”, conta Anderson. Numa das festas do bairro, ele viu os movimentos dos dançarinos de break, os bboys. Observou e curtiu. Perguntou a um deles se podia participar. Resposta afirmativa. Assim foi seu primeiro encontro com a dança. Na ocasião, ele já trabalhava com reciclagem de móveis, uma das atividades desenvolvidas pela Associação Comunitária Monte Azul, atuante na região desde 1979.

O break foi, como diria Bertazzo, o “peguinha” para Anderson se envolver com as artes. Essa dança de rua, originária dos guetos norte-americanos e comum hoje nas grandes cidades brasileiras, despertou-o para algo mais, uma nova idéia do que seria participar. Embora habituado à presença da ONG Monte Azul no cotidiano da comunidade, que torna a qualidade de vida dos moradores melhor que a de grande parte das periferias, ele era uma pessoa que usufruía das atividades, ainda sem uma visão mais clara do engajamento.

Como outras expressões do hip hop, o break é uma ação coletiva. Anderson passou a falar em nome de um grupo, de futuros bboys. Na mesma ocasião, houve uma oficina de dança de rua que foi a gota dd’água para a motivação geral. Depois disso, Anderson foi atrás de um espaço para que eles pudessem treinar. Assim teve seu primeiro encontro com a participação – e os rastros de sua dança passariam a ter ecos sociais.

Conseguiu espaço com a ONG e montaram o grupo de break. “Aí eu já era responsável pelas chaves, respondia pelo cuidado com o espaço, com o que havia de errado nele e também falava pelas pessoas que o freqüentavam”, diz ele a respeito de sua ação cidadã. Do grupo, que foi se desfazendo aos poucos, restaram ele e José Mario de Jesus Cândido, de 17 anos, também integrante de Samwaad. Já bboys, cheios de “hiphoptude”, eles migraram para a nova Associação Sarambeque de Desenvolvimento Social e Cultural, ainda precária e em formação, para se apresentar com o grupo musical Zunidos do Monte Azul.

A responsabilidade pelo espaço conquistado e por aqueles que o utilizavam deu a Anderson a possibilidade de ser indicado para Samwaad como um futuro multiplicador, além de membro do espetáculo. Ele ainda não é professor em sua comunidade, mas é para isso que se prepara, assim como outras dez pessoas de diferentes comunidades da periferia de São Paulo selecionadas para ter formação de arte-educadoras, embora algumas já tenham atuação. E é assim que começa Samwaad.

Projeto Dança Comunidade

“O Ivaldo ensina bastante. Ensina que, se uma pessoa constrói sua casa, deve se dedicar a ela, não relaxar e tomar cuidado com aquilo em que, um dia, investiu. Assim é com o corpo também. Deve-se trabalhar, se concentrar e não jogar todo esse aprendizado fora, pois ele vai ser pra toda a vida”, diz José Mario. Assim, desde junho de 2003, Bertazzo orienta o projeto Dança Comunidade, o momento em que se deu início ao preparo dos cidadãos dançantes, homens e mulheres, de Samwaad. “Se a idéia é de aprender, ver o quanto o corpo reage, eu fui ver se o meu respondia a outra dança, e não só ao break, como eu imaginava.”

Para entrar no projeto, segundo Anderson, todos fizeram um teste rítmico. “Era pra ver se a gente tinha ritmo e um pouco de concentração – que é a coisa mais importante. Eu não passei nele porque fazia tudo perfeito, pelo contrário, passei porque o Ivaldo viu em mim, e em outros, condições pra evoluir, essa vontade de aprender. Aí ele trabalha junto com a pessoa. Todos ali estão em processo de evolução, todos os dias”, diz Anderson sobre o começo de Samwaad.

Ele e José Mario foram selecionados pela Sarambeque (que também atua em seu bairro, além da Monte Azul), assim como Carlos Roberto Gonçalves Macedo, Danielle Kátia Rocha Gico e Fabíola Luzia da Silva. Os outros integrantes foram igualmente recrutados por meio de ONGs, cada uma atuante em uma região da cidade. Todos os alunos e monitores (arte-educadores) são ligados a alguma atividade institucional. Nesse processo, participaram a Associação Novo Olhar (Favela Pantanal), a Ação Comunitária Tiradentes (Cidade Tiradentes), o Projeto Samaritano São Francisco de Assis (Ermelino Matarazzo), o Arrastão Movimento de Produção Humana (Campo Limpo) e a Fundação Gol de Letra (Vila Albertina).

Foram 25 horas semanais de muito trabalho durante nove meses no Sesc Belenzinho, até a estréia em março. A premissa de Bertazzo foi mostrar como a organização do movimento no espaço, complementada e acentuada por atividades no plano verbal e musical, pode auxiliar no desenvolvimento intelectual, afetivo e artístico dos adolescentes. Nesse sentido, ele reafirma a importância de finalizar o longo processo educativo na forma de espetáculo, mesmo que esse processo tenha sido o momento mais valoroso, tanto para ele quanto para os alunos. É, sem dúvida, a prova final, a síntese da mudança de perspectiva. E, para o público, uma interessante possibilidade de tomada de consciência em relação ao que a cultura pode provocar, quando bem posta, centrada num eixo educativo – além de comovente e belíssimo.

“Há muitas intenções, como minha primeira preocupação com a formação de multiplicadores, mas uma delas é que o espetáculo se aproxime de pessoas de classes privilegiadas por ter qualidade, por causar impacto artístico. Elas vão a um espaço que não é o Teatro Municipal nem o Alfa Real. Ali, elas reconhecem esses cidadãos, que também representam nossa sociedade de não-privilegiados, munidos de uma qualidade de refinamento do gesto que seus filhos não possuem. Uma ligação com a arte popular que o mais rico não tem, o saber de um instrumento, da dança e do corpo”, analisa ele. “Uma vivência que só a arte e a educação nos dão, e isso tudo pode e deve ser adquirido. Por isso, ainda me espanto com pessoas que questionam o poder de inclusão da cultura.”

Mas, até chegar a Samwaad, foi bastante trabalhoso. O projeto envolveu muitas atividades. Para o desenvolvimento expressivo, aulas de reeducação do movimento, percussão (teórica e prática), fisioterapia (também teórica e prática), linguagem coreográfica e origami. Já para o desenvolvimento da identidade (auto-estima) foram feitas dinâmicas de grupo com profissionais da área médica e social, além de aulas de expressão verbal baseadas em orientação lingüística. Os futuros professores ainda recebem orientações. Isso tudo só foi possível graças também à infra-estrutura montada para o projeto, com atenção para a saúde, a alimentação e o transporte dos alunos.

Inicialmente, o projeto englobou quinze arte-educadores e seus alunos, reunindo ao todo 66 participantes. Depois, ocorreram imprevistos e algumas pessoas precisaram sair. A namorada de Anderson, por exemplo, descobriu a gravidez durante os ensaios e não pôde acompanhar o ritmo pesado de trabalho. Outros se desligaram devido a fatores como colocação profissional remunerada, problemas de saúde e, em alguns casos, falta de atenção e disciplina. A idade desse time varia entre 11 e 31 anos, mas a principal faixa etária é dos 13 aos 20 anos. Em sua maioria, são adolescentes cursando o ensino médio, provenientes de famílias cujas mães e avós assumem também o papel da figura paterna, segundo a avaliação da assistente social Cléo Regina Miranda, que acompanha o grupo desde o início do projeto ao lado de Nilza Assumpção Veronesi, profissional da área de educação.

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E como foi?

Muitas atividades impressionaram os participantes do Jardim Monte Azul, embora eles tenham crescido num ambiente com oportunidades de acesso a cultura e atividades capacitadoras para alguns serviços, como oficinas de marcenaria e reciclagem.

Danielle, de 19 anos, e Fabíola, de 18 anos, que já praticavam dança afro, não esqueceram os encontros com Maria Inês Batista Campos, doutora em lingüística. “A gente não vai mais perder a linguagem da dança, que nos fez pensar em concentração e determinação, mas há outras coisas que foram bem importantes, como as aulas de português”, diz Fabíola. “Ao explicar o que a ONG fazia no nosso bairro, numa das atividades, a gente parou pra pensar na atuação dela, por exemplo. E, ao falar, fomos nos corrigindo, evitando conversar apenas com gírias. A gente foi desenvolvendo as frases, os nossos pensamentos”, completa Danielle.

Os jovens foram estimulados a pensar sobre o que o falar bem significa. Para Bertazzo, ao ampliar o repertório lingüístico deles, o futuro professor ou o aluno, a capacidade de expressão poderia ser outra. “Hoje em dia esse adolescente tem um estresse imenso para se comunicar, ele deseja falar, dizer suas intenções etc., mas não consegue, falta-lhe o entendimento do discurso, da palavra. Acho que o curso de português deveria ter essa função. O jovem deveria sair preparado para se comunicar, falar o que pensa e saber ser crítico. Acho que isso não ocorre no geral, as atividades não estão integradas e seria necessário um grande investimento na formação dos professores”, comenta.

A programação desenvolvida por Maria Inês incluiu a redação de notícias de primeira página de jornal, produção de um programa de rádio com a duração de cinco minutos e a criação de um anúncio publicitário. Ela planejou as atividades a partir de várias situações cotidianas, como assistir à televisão.

Tendo como ponto de partida o conhecimento anterior desses cidadãos dançantes, de suas experiências, o músico Rafael Y Castro (também professor no Projeto Guri, do governo do Estado) desenvolveu a prática da percussão, fundamental no espetáculo. “No começo eu tinha de ir pelos meios deles, os ritmos populares já conhecidos, inclusive trabalhados em algumas ONGs, e até mesmo trabalhar um pouco suas referências imediatas, como as da música do hip hop”, observa. Ao longo do processo, porém, Castro foi bastante rigoroso, ensinando percussão também com ênfase no conhecimento teórico. “Eles precisavam passar por essa etapa, ter uma visão de música mais elaborada, para o momento em que fossem dançar. Essa precisão rítmica é necessária.”

Três vezes por semana, em aulas de uma hora e meia, os ritmos foram sendo executados por meio de instrumentos utilizados em escolas de samba, como tamborim, caixa, surdo, ganzá, cuíca, pandeiro, reco-reco, agogô, repinique. A bateria (não a da escola de samba) também foi muito importante para a compreensão do tempo e do ritmo, além do refinamento da coordenação motora. Castro, que também toca no espetáculo, emociona-se bastante com o processo. “Foi uma das experiências mais surpreendentes que já vivi. No começo, quase setenta alunos, todos muito empenhados. Poucas vezes precisei chamar a atenção de alguém. Hoje é legal ver que querem entender cada vez mais o andamento da música para sempre melhorar na coreografia, que muda a cada apresentação. E os meninos vão junto, não perdem o passo”, diz ele.

Agora Danielle pensa em continuar como profissional da dança. Fabíola, não. Sonha em fazer moda. José Mario se vê tanto como bailarino quanto como professor, e Anderson, embora goste do palco, investe na formação como educador. Carlos não pôde dar seu depoimento à revista no dia em fomos conhecer o Jardim Monte Azul.

“Acho que há uma idéia muito errada quando se pensa sobre a periferia. Não somos jovens de risco. Não é bem assim. Periferia, sim, com certeza, mas não cidadãos de risco. Somos estruturados. E agora somos cidadãos dançantes”, conclui Fabíola.

Em cartaz no Sesc Belenzinho até 27 de junho, o projeto deve passar por outras seis unidades do Sesc no interior de São Paulo, finalizando no Rio de Janeiro com os participantes do Complexo da Maré.

Parceiros em um grande projeto

Por que ONGs? “Eu já tentei chegar nas escolas, mas com as ONGs tive mais facilidade. Esse professor de ONG está se preparando e se adaptando muito mais do que os professores das escolas de estrutura convencional”, explica Ivaldo Bertazzo. “Seria um sonho pensar num projeto como esse num espaço público. Mas é tão ambicioso entrar nos esquemas de ensino que eu teria de fazer um trabalho político que me dispersaria muita energia. E essa não é minha aptidão. Então, vou do jeito que dá. O Sesc, em São Paulo, me ajuda, consigo editar um livro de aprendizado que não vai morrer nele nem vai parar por aí, pois ele pode provocar ecos, assim como nossos multiplicadores. Além disso, preparo esse professor da ONG, num período de um ano e meio, para enfrentar os jovens da comunidade dele, na qual ele já atua.”

Ivaldo Bertazzo havia tido uma experiência anterior importante, de três anos com jovens do Complexo da Maré – o maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, com mais de 130 mil habitantes –, em que foi possível consolidar um método de ensino do movimento, voltado para o adolescente. Um trabalho que envolveu cerca de setenta jovens do local, de 12 a 20 anos, amparados pelo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm). O resultado foi visto em três espetáculos: Mãe Gentil (2000), Folias Guanabaras (2001) e Dança das Marés (2002). Nesse contexto, também, a preocupação não foi formar dançarinos profissionais, e sim preparar indivíduos para um cotidiano digno.

O projeto atual teve realização do Sesc São Paulo, que forneceu R$ 200 mil para todo o processo de educação do elenco e R$ 50 mil para o CD e o Guia, cuja tiragem de 6 mil exemplares será destinada a ONGs e Centros Culturais. Contou com o patrocínio da Petrobras e do Instituto Votorantim (R$ 950 mil de ambos). Em Samwaad, os alunos recebem uma bolsa-auxílio de R$ 150 e os arte-educadores de R$ 350.

O livro Espaço Corpo – Guia de Reeducação do Movimento pode ser solicitado gratuitamente por ONGs, escolas e associações que trabalham com jovens, pelo e-mail [email protected].

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Interação corpo e mente

No encontro, em Samwaad, a união de duas perspectivas: o diálogo de duas culturas populares, uma oriental, outra ocidental. O fio condutor: a capacitação de professores e o ensino da reeducação do movimento. “Essa fusão de culturas, do indiano com o brasileiro, na verdade é para mostrar que a principal intenção não é a preocupação com a exibição das culturas, seja a oriental, seja a ocidental, mas sim mostrar que a base humana é a mesma, é a mesma estrutura para caminhar, para manipular o objeto com as mãos, para mastigar”, afirma Ivaldo Bertazzo. “O trabalho é indiano para dizer como jovens, de uma periferia de São Paulo, com escolas deficientes, com pouco conforto, conseguem um grau de refinamento como aquele. Por quê? Porque nós estamos trabalhando as estruturas humanas, que todos têm, a organização motora, que é igual na Índia, na Noruega, nos EUA ou no Ceará.”

É com isso em mente que se deve entender e apreciar Samwaad. Contudo, o espetáculo também apresenta essas culturas distintas e ricas, a da Índia e a do Brasil, “que, por outro lado, são iguais do ponto de vista de que a maioria da população, em cada um desses países, é muito pobre, porém tem muito valor na sua cultura, na sua arte”, como aponta a cidadã dançante do Jardim Monte Azul Fabíola Luzia da Silva. Ou seja: intenção ou não, a presença das culturas, dialogando, também marca o valor artístico e social de Samwaad. Seu impacto, para o público, passa por aí.

Um dos principais pontos de encontro do Brasil com a Índia ocorre na música. Foi um processo criativo que não teve a participação do corpo dançante. A trilha foi composta pelo educador e percussionista Rafael Y Castro, pelo pianista e compositor Benjamim Taubkin e pelo músico indiano Madhup Mudgal. Essa inédita sonoridade contou ainda com o alicerce instrumental do grupo Gandharva Mahavidyalaya e de 35 ritmistas de escolas de samba de São Paulo. “Para fazer música, não houve muito conceito prévio. O Ivaldo nos deixou livre, nos dizendo que ele, os jovens e os ensaiadores iriam se virar para trabalhar com o que a gente tivesse produzido. Essa liberdade só contribuiu na hora dos encontros, que foram poucos. A gente mandava gravações para os indianos com nossos ritmos e músicas e eles faziam o mesmo. Quando Mudgal veio ao Brasil, ele já tinha cerca de cinco composições (uma de suas matrizes para a composição foi a canção Santa Morena, de Jacob do Bandolim). Ele as tocou e nós fomos em frente, criando outras, fazendo os arranjos, misturando gêneros”, recorda Rafael Y Castro. A presença do pianista, segundo ele, foi decisiva. “Em princípio, a idéia era juntar percussão brasileira com música indiana. O Benjamim Taubkin enxergou as nuances, onde se poderia experimentar uma ciranda, um choro, um samba lento, um partido-alto, um baião, enfim, viu outros modos de explorar a nossa música”, conta. O resultado pode ser ouvido em CD, que foi gravado ao vivo no ano passado.

A elaboração da música teve rápida fluência criativa, de forma simples, como descreve Rafael. Porém, foi ela que deu, no primeiro momento, o tom da sofisticação coreográfica. “O Ivaldo, quando ouviu, disse que teríamos mesmo de ajudá-lo, pois a música havia ficado difícil para ser coreografada, com trechos longos, com muitos detalhes”, diz. “Aí, fomos entender todos juntos, como ocorreu em todo o projeto.”

Outra passagem que põe em evidência a riqueza estética de Samwaad ocorre no momento da roda, um dos trechos da coreografia. “Foi um grande desafio. São doze minutos numa seqüência em que ficamos todos juntos e precisamos ser harmoniosos. Eu nunca pensei que faria um movimento como aquele”, relata Anderson Dias da Silva, outro cidadão dançante. “Executar um gesto que o conecta ao companheiro requer do jovem um sentido total de colaboração. Eles percebem que um depende da precisão do outro”, afirma Bertazzo. “O gesto é coletivo, mas não se perde a individualidade”.

Desde 1974, Bertazzo mantém intercâmbios com a cultura da dança indiana. Os estilos que mais o influenciaram são o bharata natyan, o kathak e o odissi. De maneira geral, como informa a crítica de dança Inês Bogéa num dos textos do Guia de Reeducação do Movimento (publicação que reúne o essencial do método do coreógrafo e todas as etapas do projeto Dança Comunidade), na prática, a linguagem das mãos soma-se à percussão dos pés, revelando o máximo da capacidade interativa do corpo e da mente. Na dança indiana, antes de executar um gesto, canta-se o ritmo. Tudo isso tornou o processo de aprendizado de Samwaad ainda mais rigoroso. “Essa coisa dos gestos, da expressão do olhar, é tudo muito exigente, a organização motora. Você imagina uma criança da Índia aprendendo isso desde pequena? É uma coisa muito rica”, observa a jovem Danielle Kátia Rocha Gico. Na Índia as crianças costumam estudar a dança desde os 6 anos de idade, e a coreografia nunca se separa do aprendizado – faz parte do processo de ensino. De certa forma, o mesmo ocorreu no Dança Comunidade.

Para colaborar com sua criação, Bertazzo convidou a dançarina Madhavi Mudgal, conhecida mundialmente como uma das principais bailarinas clássicas da Índia, expoente do estilo odissi – desenvolvido há 2 mil anos naquele país. A coreografia da bailarina indiana Sawani Mudgal e de mais um casal de jovens é a intervenção mais aguda de Madhavi. Eles dançam ao som de Santa Morena.

As culturas da Índia e do Brasil foram decisivas na concepção do figurino, da luz e dos cenários.

Janaina Rocha é jornalista

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