Nacional

Conflito pela apropriação de terras e das riquezas naturais da Amazônia, entre as quais as madeiras nobres. De um lado a população extrativista e posseiros, de outro grileiros e madeireiros.

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O assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang, no dia 12 de fevereiro, direcionou as atenções nacionais e internacionais para uma das mais graves questões fundiárias, ambientais e sociais do nosso país: a barbárie que tomou conta da região conhecida como Terra do Meio, localizada no centro do Pará, o segundo maior Estado brasileiro, rico em recursos florestais, minerais e outros produtos da biodiversidade amazônica.

Situada entre os vales do Xingu e do Tapajós, a região ocupa uma área de mais de 8 milhões de hectares, onde vivem as populações tradicionais nas margens dos grandes rios e seus afluentes, especialmente índios e extrativistas, além de migrantes para lá atraídos, a partir de 1970, pela abertura da Transamazônica e, mais recentemente, pelo anúncio da construção da Hidrelétrica de Belo Monte.

Não por acaso, nada menos que dezenove das 36 lideranças rurais marcadas para morrer no Estado do Pará, segundo lista elaborada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), atuam em quatro municípios da zona conflagrada: Altamira, São Félix do Xingu, Porto de Moz e Anapu. Neste, aliás, foi assassinada a freira norte-americana naturalizada brasileira, que atuava na região desde 1973 e era um dos nomes da lista.

As razões desse conflito são a guerra pela apropriação das terras e das vastas riquezas naturais da Amazônia, entre elas as madeiras nobres, em especial o mogno. De um lado, a população cabocla, historicamente extrativista, e posseiros expulsos à força de outras regiões do Pará e do Brasil.

Do outro, quadrilhas de megagrileiros e grupos madeireiros que migraram do norte de Mato Grosso e do sul e do nordeste do Pará após o esgotamento das grandes reservas florestais daquelas regiões. Grande parte dos madeireiros são capixabas, os maiores especialistas em derrubada de floresta tropical, como foi o caso da Mata Atlântica. Um exemplo é que três dos cinco presos acusados da morte de Dorothy Stang são naturais do Espírito Santo.

Outro componente que completa o ambiente favorável ao saque e à rapinagem dos recursos naturais é a quase completa ausência do Estado naquele vasto território, ou, ainda, a convivência promíscua de seus agentes com os líderes da bandidagem. Tem-se, então, as razões para que a Terra do Meio seja, hoje, uma das campeãs nacionais em pistolagem, trabalho escravo, grilagem, invasão de terras indígenas, extração ilegal de madeira e assassinatos de trabalhadores rurais.

O faroeste que toma conta da Terra do Meio repete as tragédias de ocupação de outras fronteiras amazônicas, como, por exemplo, o sul do Pará, conhecido nas décadas de 70 e 80 pela virulência de seus conflitos agrários e pelo decorrente custo social desse processo predatório – humano e ambiental. Ali a floresta, fora as áreas indígenas, foi toda posta abaixo e substituída pelo capim da pecuária, hoje com mais de 10 milhões de cabeças de animais.

É certo que existem semelhanças – na violência contra os mais fracos, na passividade do Estado, no “trânsito livre” do banditismo. Mas há, pelo menos, três diferenças fundamentais. A primeira é o nível de conscientização e de organização das populações que ali vivem, graças, em grande parte, à atuação decisiva da Igreja e de outras entidades. E graças, também, à força pedagógica do exemplo da miséria a que foram reduzidas, no próprio Pará, as populações submetidas a esse império de terror.

A segunda diferença é o olhar social sobre esse tipo de confronto. Sem o silêncio imposto pela ditadura militar, como ocorreu por ocasião da ocupação do sul do Pará, e com uma sociedade civil cada vez mais atuante, a bandidagem engravatada vem perdendo margem de manobra, em todo o país. E isso é fundamental para que o Estado, nas três esferas de poder, venha a se mexer de modo mais ágil e eficaz. Tanto é assim que, logo após o assassinato de Dorothy Stang e do clamor nacional e internacional que se seguiu, foram aceleradas medidas imprescindíveis para pacificar a região, como é o caso da criação da reserva Terra do Meio, com mais de 8 milhões de hectares, e a prisão, em tempo recorde para essas bandas, dos acusados pelo assassinato da missionária – esta, talvez, uma das medidas mais importantes, para sinalizar a intolerância da sociedade em relação à impunidade.

A terceira diferença diz respeito à própria natureza do palco dos conflitos. Situada entre os rios Xingu e Iriri – além de fazer fronteira, ao norte e ao sul, com territórios indígenas –, a Terra do Meio está entre as regiões mais ricas do país, em termos de biodiversidade. E nunca se soube tanto quanto hoje acerca da fragilidade da floresta amazônica e da interdependência entre desenvolvimento humano e preservação ambiental. Assim como nunca se debateu tanto, em todo o mundo, sobre os riscos da intervenção predatória na natureza, para a própria sobrevivência da espécie humana. A disseminação de organizações ambientais – como as que estão ajudando a criar alternativas de desenvolvimento sustentável para a Terra do Meio – é um reflexo desse novo patamar, ao lado das medidas debatidas internacionalmente para frear a degradação.

A ocupação

Na década de 70 do século passado, os governos militares estimularam o processo de migração para a Amazônia sob o slogan “Terra sem homens para homens sem terra”. Milhares de pessoas foram atraídas para a região, em especial para o Pará. Era o início dos grandes projetos de integração e megaexploração regional – as rodovias Transamazônica e BR-164, a Hidrelétrica de Tucuruí, o Projeto Carajás.

A justificativa foi a “segurança nacional”, uma vez que a Guerrilha do Araguaia agudizara a paranóia militar. Mas, na verdade, tais projetos representavam um novo patamar da apropriação das riquezas regionais. Um saque ainda mais feroz: nos últimos trinta anos, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 14% da floresta amazônica veio abaixo, devastação equivalente a um Estado de Alagoas por ano. Mas, além do forte impacto ambiental e da facilitação do saque, os grandes projetos e a intensificação da extração mineral contribuíram para agravar problemas sociais, na periferia dos núcleos urbanos, e os conflitos pela posse da terra, no meio rural, uma vez que temperados pelos incentivos fiscais da extinta Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), cujos recursos privilegiavam a pecuária extensiva.

Foi no rastro dos grandes projetos, dos incentivos fiscais e da extração aurífera em Serra Pelada – onde, novamente, apenas uns poucos coronéis de barranco fizeram fortuna e a contaminação por mercúrio cobrou um alto preço à região – que nasceu a ocupação do sul e sudeste do Pará. Cidades inchavam ou eram erguidas da noite para o dia. Pistoleiros circulavam livremente. Proliferavam prostíbulos, doen­ças, mortes de pequenos agricultores, enquanto avançavam as grandes fazendas de pecuária, que transformavam, como num passe de mágica, imensas extensões de floresta em capim. Ao mesmo tempo que impediam o acesso desses migrantes sem posses a um pedaço de terra, as cercas do latifúndio expulsavam pequenos produtores locais. Tudo sob o ol[nextpage title="p2" ]Please insert your text here![/nextpage]har complacente do Estado.

Ainda hoje a população no Pará (estimada em 6,8 milhões) cresce duas vezes acima da média nacional. Muitos de seus municípios figuram entre os de menor IDH do país. Na listagem da CPT são contabilizadas 772 mortes em conflitos fundiários desde a década de 70. Por toda a região ainda campeia livremente a pistolagem, inclusive com macabra tabela de “serviço”: R$ 20 mil, para padres; R$ 10 mil, sindicalistas; R$ 8 mil, “queima e arquivo” (leiam-se ex-colegas); R$ 5 mil, lideranças de assentamentos.

Na outra face da moeda, as exportações brasileiras de madeira sólida cresceram mais de 44% entre 2003 e 2004 – e 80% da madeira nativa do país provém da Amazônia, 40% do Estado do Pará. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), só no ano passado saíram da região 28 milhões de metros cúbicos, a metade oriunda de derrubada ilegal. Taxa de retorno no investimento das serrarias: cerca de 60%, quatro vezes superior à pecuária.

E é esse modelo de saque da natureza e concentrador de riqueza que as elites econômicas tentam repetir na Terra do Meio, o último maciço florestal do Pará, onde abundam madeiras nobres – principalmente o mogno, com metro cúbico a quase US$ 2 mil, na Europa – e riquezas minerais, como cobre, ouro, cassiterita e até diamantes. A pressão sobre o Vale do Xingu teve início ainda na década de 80, com a apropriação de extensas faixas de terra por grandes grupos empresariais do país. Mas agravou-se na década seguinte, ao concentrar as atenções dos grupos madeireiros do sul e sudeste do Pará, atingindo o auge a partir do ano 2000, ante o anúncio da criação de grandes reservas florestais, do asfaltamento das rodovias Transamazônica e BR-163 e da construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no município de Anapu. O anúncio da usina, que deveria tornar-se a terceira maior do planeta, mas acabou embargada pelo Ministério Público, fez duplicar e até triplicar, em menos de cinco anos, a população de Anapu e dos municípios vizinhos.

No Vale do Xingu, exatamente como aconteceu no sul e sudeste do Pará e em outras regiões da Amazônia, grileiros e madeireiros têm utilizado largamente o que o padre Ricardo Rezende (ex-coordenador da CPT Araguaia/Tocantins) chamou de “pedagogia do medo”. Em março deste ano, durante expedição pelo Rio Xingu, técnicos do Ibama e representantes da CPT e de ­ONGs ambientalistas recolheram depoimentos chocantes sobre o cotidiano de terror dos ribeirinhos que habitam a Terra do Meio. São tiros e saques, casas incendiadas, vilas inteiras destruídas a trator. Muitos, também, acabam forçados a migrar para a periferia de Altamira e São Félix do Xingu, as duas maiores cidades da região, porque as balsas de transporte de madeira, que cruzam o rio incessantemente, prejudicam a reprodução dos peixes – e o pescado, além da agricultura familiar e coleta de frutos, como a castanha e o açaí, é fonte de subsistência daquelas populações.

Entre 2000 e 2003, cerca de 500 famílias foram retiradas à força de suas posses apenas no município de Anapu, onde, no mesmo período, o número de serrarias experimentou um incremento de 400%. O fogo mata araras, macacos, preguiças, destrói castanheiras com mais de 200 anos. Grandes áreas de terra já foram transformadas em pasto. Mas, ao contrário do que aconteceu em outras regiões, na Terra do Meio os grileiros e madeireiros acabaram esbarrando na organização popular, através de entidades de trabalhadores, religiosas e ambientais. Com isso, apesar da violência, começam a perder a queda-de-braço, com a criação, pelo governo federal, da Reserva Extrativista Verde para Sempre. Sonhos antigos das populações nativas, as Reservas Extrativistas (Resex) e os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) significam, justamente, a tentativa de criação de outro modelo de desenvolvimento regional, não mais calcado no saque das riquezas amazônicas e muito menos na concentração de renda nas mãos de uns poucos. É uma mudança e tanto para a Amazônia e para o Brasil.

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Quem é dono da terra

A estrutura jurídica das terras da Amazônia é uma das origens dos conflitos pela posse e uso da terra no Pará. Fora as reservas ambientais, florestas nacionais e terras indígenas, cerca de 70% do território paraense está sob jurisdição da União, que deveria regularizar os lotes e as glebas através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). E o restante é da responsabilidade do Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Mas as duas instituições perderam totalmente o controle daquilo que deveriam administrar.

O procurador da República Felício Pontes Júnior aponta como uma das saídas para esse imbróglio um processo de discriminação das terras. “A União precisa ter uma exata noção do quanto tem de terra. A mesma coisa precisa acontecer com o Estado do Pará, com a discriminação dos 30% restantes, para saber quanto tem e quanto pertence a particulares. Se conseguirmos fazer isso, já estaremos eliminando em 80% os conflitos no campo”, explica.

Através desse instrumento, os organismos públicos teriam de declarar que todas as terras não têm validade legal até prova em contrário. Ou seja, o particular precisaria provar que é dono da terra. Com isso, a União e o Estado vão conseguir separa o joio do trigo. O professor de Direito Fundiário Paraguassu Élleres lembra que a questão da terra, no Brasil, data de cinco séculos. “Do solo e da natureza brasileira têm-se apropriado não os que chegam primeiro – os posseiros –, mas os que detêm recursos econômicos”, diz ele.

Foi assim com a concessão de títulos de sesmarias, ainda nos primórdios da colonização, cujas exigências só podiam ser cumpridas por quem possuía dinheiro. Foi assim, também, no Império, com a Lei n. 601/1850, que só permitia a obtenção de terras devolutas através da compra, e o decreto nº 1.318, de 1850, que vedou aos posseiros, as “pessoas sem posses”, o acesso à propriedade das terras públicas, através da concessão de títulos paroquiais, em que ficava pendente o domínio.

Os ciclos de exploração da Amazônia vão ao encontro dessa opção preferencial brasileira, política e jurídica, pela concentração fundiária nas mãos das elites econômicas – que sempre mandaram e desmandaram no país. Uma tendência que não foi modificada nem mesmo com o advento das revoluções burguesas e, na região, revelou uma face especialmente brutal nos dois ciclos da borracha.

Enquanto os trabalhadores eram submetidos à escravidão pelo sistema de aviamento – o seringueiro recebia em troca de seu trabalho mercadorias fornecidas pelo dono da casa aviadora, geralmente barcos que serviam de armazéns e desciam os rios da região –, as elites importavam tecidos e espetáculos teatrais diretamente da Europa, entre 1870 e 1910.

No período da Segunda Guerra Mundial, morreram muito mais trabalhadores rurais ali do que soldados brasileiros nos campos de batalha da Itália: 454 combatentes contra cerca de 30 mil “soldados da borracha”, os seringueiros, esmagadoramente nordestinos, enganados por falsas promessas ou levados à força para a região, para extrair látex e atender à demanda norte-americana.

Assim, o modelo de ocupação da Amazônia tem, historicamente, três características bem definidas – que guardam perfeita harmonia com as opções gerais do país. A primeira é a concentração da terra nas mãos de poucos: em 1978, segundo o Incra, 523 proprietários, ou 0,5% do total, detinham mais de 38 milhões de hectares – quase a metade dos 80 milhões de hectares, dos mais de 106 mil lotes agrícolas. Ao mesmo tempo, mais de 53% dos proprietários (quase 57 mil famílias) possuíam cerca de 2 milhões de hectares. Para os primeiros, a média de extensão territorial era de mais de 73 mil hectares. Para os segundos, pouco mais de 36 hectares. Um quadro que, sustenta Paraguassu Élleres, os últimos censos do Incra confirmam não ter sido alterado.

A segunda característica é um complemento da primeira – o aliciamento de milhões de miseráveis Brasil afora, mas especialmente do Nordeste, para servirem de mão-de-obra escrava ou barata nas propriedades senhoriais. Trata-se de juntar o útil ao agradável: remanejar os conflitos sociais de outras regiões, também originários da questão fundiária, para a imensidão da floresta, onde a visibilidade é infinitamente menor, ao mesmo tempo que se garante a mão-de-obra necessária para a extração das riquezas regionais.

E essa é a terceira característica do modelo de ocupação da Amazônia: a extração, muitas vezes predatória, o saque de suas riquezas em benefício das elites econômicas, locais, nacionais e internacionais. Às populações locais ou aos que são para ali atraídos – como os seringueiros que sobreviveram à epopéia da borracha – restam apenas os custos sociais, na forma de miséria, baixos salários, condições pré-medievais de trabalho, doenças, analfabetismo, prostituição infanto-juvenil.

Dois episódios ilustram muito bem esse quadro. Em 1987 mais de vinte garimpeiros foram mortos quando organizavam um protesto na ponte rodoferroviária, na cidade de Marabá, e foram reprimidos pela Polícia Militar. O caso não ganhou grande repercussão porque os garimpeiros não tinham organização, a maioria não possuía documentos e as famílias nem sequer sabiam onde eles estavam. O governador da época era o advogado e jornalista Hélio Gueiros (PMDB), eleito com o apoio de Jader Barbalho, também ex-governador.

Quase dez anos depois, em 1996, a morte de dezenove trabalhadores sem-terra, na rodovia PA-150, ganhou dimensão internacional, por conta da organização do movimento, do novo momento político que o país vivia e porque foi documentado pela imprensa local, que mostrou a mesma Polícia Militar comandando a chacina de Eldorado do Carajás. O governador era o médico Almir Gabriel (PSDB).

A presença do Estado

A estrutura do Ibama é infinitamente inferior ao tamanho de sua missão na Amazônia. Só para ter uma idéia, enquanto o Estado do Pará tem uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, o equipamento e o pessoal disponível pela instituição ambiental oficial equivalem a uma demanda do Estado de Santa Catarina. Para flagrar uma ação de extração ilegal de madeira, técnicos do Ibama tiveram de utilizar um helicóptero do Greenpeace, em 2003.

Do outro lado, o poder econômico dos madeireiros que agem na clandestinidade é tão grande que, quando os agentes ambientais chegaram a uma área onde estava sendo realizado um estrago, os trabalhadores fugiram para a mata e deixaram um trator de esteira, avaliado em R$ 8 milhões, no meio de uma clareira. O Ibama fez o auto de apreensão, mas ninguém apareceu para reclamar o prejuízo.

O quadro se agrava ainda mais porque, além da crônica deficiência dos órgãos públicos que atuam na região, o poder central, quando sinaliza com “planos de desenvolvimento” para a região, geralmente não inclui as populações locais e mantém a velha concepção utilitarista em relação à Amazônia, como um almoxarifado de que as regiões mais dinâmicas do país lançam mão para atender a suas demandas.

Um exemplo disso é o projeto da Hidrelétrica de Belo Monte, que prevê o barramento do Rio Xingu. Seria a terceira maior hidrelétrica do mundo. Quando o governo federal anunciou esse projeto, em 1998, Anapu tinha 9 mil habitantes. Em 2003, já somava 25 mil habitantes. O procurador da República Pontes Júnior lembra que, quando analisou o projeto, a previsão era a geração de 11 mil megawatts de energia, mas, com a ajuda de técnicos do setor elétrico, conseguiu provar para a Eletronorte que a usina iria gerar no máximo 7 mil megawatts, porque o Rio Xingu tem vazão muito grande entre a cheia e a seca – e, na época da seca, não haveria água suficiente para rodar nenhuma turbina. “Veja a irresponsabilidade do governo federal, que não tinha nem o projeto pronto e já anunciava uma grande obra dessas, que era a redentora do desenvolvimento para a Amazônia. Mas, ao contrário do que circula na mídia, ela acarreta muito mais problema social do que se não tivesse sido realizada”, avalia o procurador.

O governo Lula também aposta suas fichas num projeto que vai causar grande impacto ambiental e social na Amazônia. Embora a rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163), que corta do norte de Mato Grosso ao oeste do Pará, tenha sido aberta ainda no período dos governos militares, sua pavimentação é uma demanda dos grandes conglomerados do setor de alimentos, especialmente de quem controla a exportação de soja no Centro-Oeste. O objetivo é economizar até US$ 25 por tonelada de soja com a exportação pelo porto de Santarém, no Pará, em relação ao porto de Paranaguá, no Paraná. “Acho que todos esses projetos podem trazer desenvolvimento setorizado, para a parcela da população que detém 50% do PIB nacional”, opina Pontes Júnior.

Para se contrapor ao modelo concentrador de renda como a pecuária, o plantio de soja e a extração predatória de madeira, a alternativa são os Projetos de Desenvolvimento Sustentáveis, que levam em consideração os diversos ecossistemas existentes na Amazônia. Manejo florestal comunitário, em que as populações tradicionais são treinadas para identificar somente as espécies madeireiras adultas e prontas para ser derrubadas, sem causar danos às outras espécies do entorno, é uma das experiências que vêm dando certo.

Outra possibilidade é a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAF), que prevê o cultivo de espécies madeireiras e frutíferas em áreas já devastadas da floresta. E o governo Lula deu alguns sinais nessa direção, na Terra do Meio, quando decidiu fortalecer os PDS e a criação das Resex, que permitem também a exploração de óleos, castanhas, corantes e outros produtos não-madeireiros.

Hoje, o módulo rural da Amazônia é de 100 hectares. Mas, para um trabalhador extrativista, que vive da coleta de óleos e frutos – e em enorme harmonia com a floresta –, é preciso uma área muito maior. Com as Resex e os PDS, os projetos têm uma área particular, para a agricultura de subsistência, mas a área maior é legalizada em nome coletivo, da comunidade.

A Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, criada em Santarém em 1997, conseguiu, no primeiro ano de atuação, investimentos de US$ 1 milhão, externos, do Banco do Brasil e do Banco da Amazônia e outros, a fundo perdido. Foi dinheiro para a agricultura feita na região, como o plantio de banana, para a criação de peixe em cativeiro, a fabricação de farinha, a extração de óleos vegetais.

“Não é um processo que tira a pessoa da pobreza para a riqueza num curto espaço de tempo. Mas são projetos assim, pequenos, que conseguem conciliar desenvolvimento econômico com preservação ambiental”, prossegue o procurador da República. “A dificuldade de implementação desses projetos é que existe uma elite econômica, no Pará, composta, basicamente, por fazendeiros e madeireiros”. E a política de concessão de crédito e de área aos trabalhadores rurais da Amazônia, ribeirinhos, extrativistas, bate de frente com o que sempre foi o modelo de desenvolvimento para a Amazônia.

A luta não é quem é que vai preservar os recursos da floresta, mas sim quem é que vai se apropriar dos recursos da floresta, porque na Resex e no PDS também pode haver exploração de madeira, até para colocação no mercado externo. Um exemplo é a mais recente Resex criada no Pará, a Verde para Sempre, em Porto de Moz. Lá existem de um lado sete grandes madeireiras exportadoras, as maiores do Pará, e do outro lado 20 mil comunitários. Depois de dois anos de muita luta entre as partes, e de cinco desde o início do processo, o governo Lula bateu o martelo em favor dos 20 mil comunitários. Isso quer dizer que a exploração de madeira que será feita nessa área já a partir do final do primeiro semestre de 2005 vai diluir o dinheiro entre essas comunidades. A madeira não vai continuar a ser explorada como era antes – agora será com plano de manejo, autorizado pelo Ibama. Só que o lucro será coletivo, e não concentrador.

Paulo Roberto Ferreira é jornalista

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