Cultura

Editora Ouro sobre Azul lança série de textos inéditos de Antonio Candido

O Albatroz e o Chinês, 160 páginas, 2004
Brigada Ligeira, 112 páginas, 2004.
O Discurso e a Cidade, 288 páginas, 2004.
O Observador Literário, 120 páginas, 2004.
Recortes, 296 páginas, 2004.
Vários Escritos, 272 páginas, 2004.
Iniciação à Literatura Brasileira, 136 páginas, 2004.
Todos da Editora Ouro Sobre Azul

Neste pacote, põe-se ao alcance do leitor boa parte da obra do mestre da crítica literária, Antonio Candido. A editora Ouro Sobre Azul, de sua filha Ana Luiza Escorel, publica de uma só vez sete livros, um novo e seis reedições. A casa já tomara impulso em 2002, ao publicar de Candido Um Funcionário da Monarquia – Ensaio sobre o Segundo Escalão, sobre a trajetória de Antonio Nicolau Tolentino, o conselheiro Tolentino. Além da qualidade do texto, o volume se distinguia pela apresentação material requintada, em que sobressai uma iconografia erudita, haurida nas melhores fontes. O que já recomendava a editora a outras aventuras. Das seis reedições, algumas vêm preencher lacunas deixadas por livros esgotados às vezes há tempos. A novidade é O Albatroz e o Chinês, no qual, por ser inédito, vamo-nos deter um pouco mais.

Uma primeira parte dedica-se, não desmentindo a expectativa, à análise de obras literárias, com predominância da poesia. Abre com as modalidades da percepção do espaço aberto ou, ao contrário, fechado, na poesia de Baudelaire, Castro Alves, Maurice Guérin, Antonio Feijó, Mallarmé. Em seguida, deparamo-nos com François Villon e suas diferentes edições, bem como o contato pessoal do crítico com elas. Temos depois uma perquirição dos limites da intertextualidade (termo cuidadosamente evitado), nos entretons entre inspiração e citação – sempre em poesia. O fecho dessa parte é dado por um texto sobre o alemão Ernst Jünger, viajante e escritor prolífico, que esteve no Brasil, país que lhe inspiraria alguns cenários verdejantes. O leitor topará na segunda parte com ensaios voltados para as letras portuguesas, um deles fazendo o mapeamento da fecunda presença de intelectuais e artistas aqui exilados no período salazarista. Finalmente, os oito últimos enveredam por um gênero que o autor tem afinado nos últimos anos, qual seja o de perfis de pessoas com quem privou, como Lúcia Miguel Pereira, Darci Ribeiro, Richard Morse; ou mesmo outras mais remotas, como Freitas Valle e João Antonio. No conjunto, o volume prolonga e amplia algumas das linhas centrais da obra de Antonio Candido.

Quanto às reedições, quase todas por volta da terceira, algumas são dos livros mais divulgados, outras dos menos. De suas primeiras armas, temos Brigada ligeira e O Observador Literário. A meio caminho, Vários Escritos. Mais recentes, O Discurso e a Cidade e Recortes. Completa-os um pequeno volume didático, traçando um panorama dirigido em princípio a leitores estrangeiros, Iniciação à Literatura Brasileira (1997), anteriormente editado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Começando pelo começo: Brigada Ligeira (1945) marca a estréia de Antonio Candido em livro. Então praticante da crítica de rodapé em jornal, o autor selecionou para esse volume uma parte dela, girando em torno do romance, uma das direções em que se desenrolaria sua obra. Após o lapso de tempo tomado por outros livros e atividades, mas sobretudo pela pesquisa e redação dos dois volumes da monumental Formação da Literatura Brasileira (1959), viria O Observador Literário (1959), presente neste pacote. Entre textos esparsos posteriores ao primeiro livro, estamparia os oriundos de colaboração assídua no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo. Tratando de livros novos e outros nem tanto, entre brasileiros e estrangeiros, mostram a garra do crítico. A essa altura, deflagrara uma investigação original, que perduraria por seu percurso afora, concernente aos processos pelos quais os fatores externos podem se tornar elementos formais internos à obra literária.

O livro a seguir neste pacote, Vários Escritos (1970), era mais estritamente literário quando surgiu, com ensaios sobre Machado, Drummond, Oswald, Cláudio Manuel da Costa, Guimarães Rosa, “O uraguai”. Depois, com as reedições, o âmbito se alargou e o livro ganhou mais seis ensaios, um sobre os “Árcades” e os demais de cunho acentuadamente político. Entre estes últimos, “O direito à literatura” defende o acesso de todos os cidadãos a essa arte, acesso concebido como um dos direitos humanos presentes nos horizontes da democracia. “Radicalismos” sonda idéias avançadas em obras que se opuseram a um meio intelectual conservador, por isso desempenhando papel transformador, com base em Joaquim Nabuco, Manoel Bonfim e Sérgio Buarque de Holanda. De certo modo, prolonga “Radicais de ocasião”, do menos focalizado Teresina etc. (1980). E “Uma palavra instável” contextualiza o uso do termo nacionalismo através da história. Acrescentam-se dois perfis, de amigos dos mais chegados, Sérgio Buarque de Holanda e Paulo Emílio Sales Gomes.

Depois disso, em O Discurso e a Cidade (1993) o interesse pela ficção em prosa novamente predomina. No primeiro bloco, que dá título ao livro, alguns destaques, como por exemplo o ensaio que tudo indica ocupar o posto de mais famoso, “Dialética da malandragem”, em que é passado pelo crivo Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, e sua tão citada “dialética da ordem e da desordem”. Mantendo-se fiel às normas da análise literária, o texto, no entanto, extravasa delas para proceder a uma reflexão sobre a formação social brasileira. Seguem-se três ensaios sobre o Naturalismo – Zola, Verga, Aluízio de Azevedo –, durante muito tempo extraviados em revistas de escassa difusão. Antonio Candido aqui elabora os símbolos que o Naturalismo criou, como que contrariando seu próprio programa de verismo ao pé da letra, o que lhes dá alcance que os próprios autores talvez não previssem, ou mesmo não desejassem. Outro bloco, “Quatro esperas”, enfeixa análises de prosa – de Kafka, Dino Buzzatti, Julien Gracq – mais uma de um poeta, Cavafis, em que a noção de espera, entrelaçada a ominosos presságios do fim da civilização, com toda a sua carga de ansiedade e desalento, prevalece. Completam o volume três ensaios sobre poetas e poesia, que falam de figuras mais obscuras, como Sousa Caldas, Fontoura Xavier ou os “pantagruélicos” da Faculdade de Direito de São Paulo, vates precoces do absurdo. O último trata do Mário de Andrade andarilho, por meio de seus versos. No total, esse vem a ser, pelo peso dos trabalhos, uma das coletâneas que merecem figurar na linha de frente da obra de Antonio Candido.

Uma seleção de escritos curtos forma Recortes (1993), o qual, como o título indica, consta de artigos provenientes de jornal, ou então de prefácios e apresentações, além de vários perfis, em um total de cinqüenta pequenos textos. Deixam clara a notória versatilidade do especialista em literatura, desde suas intervenções na cena política até reminiscências bem-humoradas, verdadeiras historietas faladas, ou anedotas, ou causos, arte em que é perito, não se furtando a esmiuçar pormenores eruditos. Entre elas, a de um barão austríaco que foi dar com os costados em Poços de Caldas para tratar do reumatismo, e afinal se descobriu que era um escritor decadentista do grupo de Hoffmansthal na Viena fin-de-siècle, como testemunharia Schorske. Ou, então, uma vinheta da temporada que o autor passou em Berlim, na infância.

Ricos e variados, os sete volumes são uma festa. Além disso, a coleção sai em um mesmo projeto gráfico, com diagramação em bom papel, descartando as ilustrações de capa, optando por um partido sóbrio e elegante – condizente com o autor –, variando apenas o tom das cores escuras. A não perder.

Walnice Nogueira Galvão é crítica literária e integra o Conselho de Redação da revista Teoria e Debate