Sociedade

NOP/FPA faz pesquisa para sondar impacto da crise na imagem do PT

“O PT formulou uma cultura política orientada pelas idéias de igualdade, justiça e participação, portanto, por virtudes políticas ou uma ética da política. Infelizmente, esquecendo sua própria história e seus próprios valores, sucumbiu à ideologia da ética na política.”
Marilena Chaui in Leituras da Crise, de Guimarães, J. (org.)

O debate sobre as práticas de gestão partidária e política que ensejaram as denúncias que se abateram sobre o PT e o governo Lula, desde meados de 2005, pode ser dividido em duas vertentes: ou bem se considera que a origem e fator determinante dessas práticas é um problema de caráter dos ex-dirigentes nelas envolvidos, ou se considera a conduta destes como uma opção política (cujo grau de liberdade se haveria de discutir) frente a situações institucionais dadas. Embora não excludentes, esses enfoques implicam ênfases diferentes em relação aos procedimentos que possam contribuir para evitar a reincidência em práticas semelhantes no futuro, para uma superação efetiva da crise e para o fortalecimento da democracia no país.

O primeiro caso sugere que se privilegiem a “fulanização” das responsabilidades e o recurso à punição dos dirigentes responsáveis. É mais traumático, do ponto de vista interno do PT, ao mesmo tempo em que sinaliza com medidas corretivas de impacto para a opinião pública, frente ao julgamento sumário dos envolvidos, por parte da grande imprensa, que adotou predominantemente essa perspectiva. É um caminho mais curto, ainda que para muitos doloroso, mas também simplificador.

O segundo enfoque desloca o problema do plano meramente da conduta moral dos envolvidos para sugerir a necessidade de compreender a configuração institucional – tanto interna ao PT quanto externa, em termos de sistema partidário, dinâmica congressual e representação política – como determinante para o desenvolvimento das suas ações. Parte da premissa de que dirigentes do PT não tiveram a vida que tiveram ao longo de décadas, para, uma vez no poder, deslumbrados, arriscar perder (junto com sua geração) tudo que ajudaram a construir, em troca de eventuais benesses para usufruto próprio. E sim que fizeram escolhas políticas – cujo equívoco pode ser evidente hoje, já que a história é sempre mais clara depois de acontecida – em busca de um fim imediato (a governabilidade) e de outro maior (um projeto de país ou de poder, é controverso), frente a um arranjo institucional e a uma distribuição de poderes já existentes, cuja crítica deve ser feita. É um caminho mais complexo, mas certamente mais frutífero para o futuro não só do PT, mas da democracia brasileira.

A pesquisa “Cultura Política e Imagem Partidária”, realizada pelo Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo, sob orientação técnica da Criterium Assessoria em Pesquisas¸ contribui para a discussão da crise a partir dessa segunda perspectiva. Entre 10 e 16 de março de 2006 investigou, em uma amostra representativa da população brasileira adulta Universo: população brasileira com 16 anos de idade ou mais, residente nas áreas urbana e rural. Metodologia e amostra: pesquisa quantitativa com 2.379 entrevistas pessoais e domiciliares. Amostragem probabilística nos primeiros estágios (sorteio dos municípios, dos setores censitários, dos quarteirões e dos domicílios), com controle de cotas de sexo e idade no estágio final (seleção do indivíduo). Distribuição em 153 municípios de 25 estados, de todas as regiões do país, estratificada por localização geográfica (capitais, regiões metropolitanas e interior) e pelo porte dos municípios (divisão em tercis: pequenos, médios e grandes). Margens de erro: ± 2 pontos percentuais para os resultados da amostra completa, com intervalo de confiança de 95%., entre outros temas, percepções da necessidade e da eficácia de alianças partidárias no Congresso Nacional e em composição do governo, bem como sobre a natureza e extensão da corrupção denunciada, e aferiu a imagem do PT e de partidos oposicionistas pós-crise. Os resultados indicam que o senso comum da opinião pública brasileira, à sua maneira, carrega uma boa dose de realismo, de bom senso e de, digamos, intuição crítica – dados que jogam luz sobre o fenômeno, obscuro para alguns analistas, da manutenção da popularidade do governo Lula em patamar elevado, a despeito do bombardeio midiático contra o caráter moral de seu governo.

“Um tição só não faz labareda”

Respondendo a perguntas com alternativas estimuladas, metade dos/as brasileiros/ as (51%) avalia que o PT não tem tido maioria no Congresso, situação que traria dificuldades para Lula governar (taxa que atinge 60% entre os 23% da população com preferência espontânea pelo PT e cresce com o grau de escolaridade, chegando a 57% entre os que alcançaram ao menos o ensino médio), contra um terço (33%) que acredita que Lula tem tido facilidade para aprovar seus projetos no Congresso Nacional (15% não têm opinião a respeito). Também cerca de metade (47%) avalia que o PT agiu bem ao se aliar a outros partidos em busca de maioria no Legislativo federal (taxa que alcança 67% entre os que preferem o PT e também cresce com o grau de escolaridade, atingindo 54% entre os que chegaram ao ensino superior), contra um quarto (26%) que considera que o PT agiu mal (21% não têm opinião).

Os argumentos (espontâneos, em resposta a pergunta aberta) dos que acham que o PT agiu bem se concentram na constatação de que sem maioria no Congresso o governo não consegue aprovar seus projetos (26%), nas considerações de que Lula não pode governar só (7%), de que “a união faz a força” (5%) e suas variantes (“uma andorinha só não faz verão”, “um tição só não faz labareda” etc.) e, ainda, de que é bom para o PT e para a democracia dar oportunidade a opiniões diferentes (4%), enriquecer a própria perspectiva com a experiência e com as boas idéias de outros partidos (3%). Os argumentos da minoria que acha que o PT agiu mal ao fazer alianças distribuem-se, de um lado, entre a avaliação de que as diferenças de programa e de interesses entre o PT e os demais partidos não ajudam (12%) – seja porque desviam ou descaracterizam o PT, puxando-o para a direita (4%), seja porque causam brigas (3%) ou ainda porque “não combinam” (3%), Lula quer “ajudar a pobreza”, os demais partidos teriam interesses “só políticos”; de outro, focam na constatação de que a busca de alianças no Legislativo teria levado à corrupção (8%).

A esse bom senso da maioria, que reconhece a necessidade de alianças políticas para governar, soma-se uma boa dose de senso crítico. Diante da experiência da crise, metade da opinião pública (50%) considera que o PT deveria escolher melhor os políticos e partidos com que faz acordos (56% entre os simpatizantes do PT, escaldados pela gravidade das denúncias), enquanto apenas um quarto avalia que para aprovar os projetos do governo Lula o PT precisa de aliados, não importa de que partidos (26%). Uma minoria radicaliza na direção oposta e acredita que o PT não deveria se aliar com os políticos de nenhum outro partido (14%) – e 10% não têm opinião a respeito.

Quando a questão das alianças se estende para o Executivo, as opiniões se dividem. Enquanto cerca de um terço (35%) acha que Lula está certo em negociar apoio com todos os partidos que queiram participar do governo, optando por um pragmatismo radical, cerca de outro terço (30%) acha que só deveriam participar do governo os partidos que já apoiavam Lula antes de ele ser eleito – sugerindo a necessidade de coerência e/ou lealdade como principais critérios para as alianças no governo – e, ainda, para um quarto (24%), foi um erro ter convidado outros partidos para o governo, porque isso não está deixando Lula governar como gostaria (11% não têm opinião).

A avaliação das conseqüências da partilha dos cargos no governo entre os aliados expõe a contradição dessa prática, ao oscilar entre a percepção de sua inevitabilidade e a constatação de sua limitada eficácia. Ao mesmo tempo que a maioria da opinião pública concorda (53%, sendo 23% totalmente e 30% em parte) que para aprovar seus projetos o governo precisa fazer acordos e dar cargos nas empresas estatais e ministérios (35% discordam e 10% não têm opinião), a maioria também concorda (61%, sendo 33% totalmente e 27% em parte) que essa prática não resolve o problema, porque depois cada um faz o que quer e não o que o PT no governo gostaria que fosse feito (25% discordam e 10% não têm opinião). Entre os que preferem o PT, a concordância com essas frases é ainda mais elevada (58% e 66%, respectivamente), assim como entre os que chegaram à escolaridade superior (56% e 71%).

Ao mesmo tempo, a maioria considera que a partilha de cargos teria sido mais expressão de uma conduta já corrompida do que eventual fonte corruptora: 54% concordam (27% totalmente e 28% em parte) que Lula entregou cargos no governo para outros partidos porque o PT, como todos que chegam ao poder, se corrompeu (32% discordam e 10% não têm opinião) – concordância menor, mas ainda expressiva, entre simpatizantes do PT (46%) e bem maior entre os que atingiram o ensino superior (67%). Mas é na contraposição do grau de necessidade de alguma política de alianças com a sugestão ao recurso complementar da mobilização popular que se observa a conformação de uma maioria quase consensual: 73% concordam (47% totalmente e 25% em parte) que a dependência de acordos partidários para a governabilidade seria menor se Lula tivesse apostado mais no apoio popular que tinha quando foi eleito (apenas 14% discordam e 9% não têm opinião) – taxa que alcança 82% entre os que chegaram ao terceiro grau.

Como a concordância (total + parcial) atingiu a maioria nas quatro proposições, ainda que com as diferenças de grandeza já observadas, o entrecruzamento dos resultados permite mensurar e visualizar a combinação das leituras sugeridas, duas a duas, contribuindo para interpretar a visão da opinião pública sobre a questão das alianças.

Combinando-se uma a uma as demais perspectivas com a idéia de que a distribuição de cargos no governo já é expressão de uma corrupção decorrente da chegada ao poder, obtém-se a seguinte leitura: um terço consideram-na uma prática corruptora inevitável (32%), dois quintos uma prática corruptora ineficiente (40%) e cerca de metade (47%) uma prática corruptora que poderia ser minorada com a mobilização popular em apoio ao governo.

Excluída a idéia da corrupção como inerente à ascensão ao poder, as demais visões, combinadas duas a duas, sugerem as seguintes interpretações: para um terço da opinião pública (34%) a distribuição de cargos entre aliados é tão necessária para obter maioria no Congresso e aprovar os projetos do governo quanto ineficiente, porque, uma vez no governo, os aliados fazem as políticas que querem, e não o que o PT gostaria. Trata-se de uma parcela (minoritária) que, ante apenas aquelas duas alternativas, vê-se diante dessa contradição ou impasse. Para dois quintos (42%), embora inevitável, a dependência de alianças com partilha de cargos seria menor se o governo apostasse mais na mobilização popular para respaldar seus projetos – uma parcela, portanto, um pouco maior, que vê na sugestão da participação popular um caminho para mitigar os efeitos negativos das necessárias alianças. Finalmente, para metade da opinião pública (52%), dada a ineficácia relativa ou absoluta das alianças, o caminho da governabilidade estaria sobretudo na mobilização popular.

Como veremos a seguir, se o governo e em especial a pessoa de Lula têm passado aparentemente ilesos pela crise (na verdade, a manutenção das taxas de popularidade indica que, não fossem os escândalos, a aprovação do governo poderia ser ainda maior e a reeleição de Lula indubitável), o mesmo não ocorreu com a imagem do PT, fortemente desgastado no pilar da ética, que era um de seus diferenciais. Como essa decorrência da crise deverá diminuir ou estancar a votação no PT – interrompendo a trajetória de crescimento da bancada de deputados federais e senadores que observou ininterruptamente, nas seis eleições posteriores a sua criação –, tudo indica que, Lula conquistando um segundo mandato, o tema das estratégias de governabilidade estará ainda mais na ordem do dia.

Frente a esse cenário, a idéia de que vale investir mais na participação popular para contrabalançar a dependência de acordos partidários com eventuais aliados, partilhada pela maioria da opinião pública, parece embutir bastante bom senso, atualizando a necessidade de pensar novos espaços e mecanismos institucionais de fomento a uma cidadania ativa. Evidentemente que, da ótica da sociedade civil, a recíproca é verdadeira: diante de um PT menos numeroso no Congresso Nacional, e talvez menos presente no próprio governo, a possibilidade de que em um segundo mandato Lula radicalize a realização da vocação transformadora pela qual o eleitorado o alçou ao poder encontrará na força de mobilizações populares e de pressões sociais organizadas um contraponto decisivo às forças conservadoras a que Lula terá de se aliar no Parlamento e para a composição do governo, constituindo-se como fator determinante para o aprofundamento, ou não, do alcance das mudanças.

E o PT nesse processo e frente à crise?

Percepções da crise e popularidade de Lula

Desde o princípio das denúncias contra o PT e ministros, em maio de 2005, as oposições insistiram na classificação do governo Lula como “o mais corrupto da história”. Passado quase um ano de denúncias, diante da guarida dada a essa tese pela maior parte da mídia, antes da pesquisa dava-se como certa sua confirmação. Pois bem, a maioria da opinião pública não comprou essa versão da crise: na soma de duas indicações, de uma lista dos governos pós-ditadura, em março de 2006 o de Collor foi considerado o mais corrupto por 71%. No entanto, embora bem abaixo, o governo Lula apareceu em segundo, com 39%, seguido de perto pelo de FHC, indicado por 32%. Apenas 17% apontaram o governo Sarney e 10% o de Itamar. Entre os mais escolarizados, Collor atingiu 81%, Lula 50%, FHC 28% e Sarney 18%. Entre os simpatizantes do PT Collor teve 79%, FHC ficou em segundo, com 48%, enquanto Lula (20%), Sarney (18%) e Itamar (15%) empataram tecnicamente.

Já frente às versões em disputa sobre o dinheiro não contabilizado operado pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, na escolha de respostas estimuladas, para 51% prevaleceu a percepção de que tanto o “mensalão” (a compra de deputados para votar com o governo), quanto o “caixa dois” (dinheiro para campanhas eleitorais de aliados) aconteceram e não há diferença entre eles. Para 25% o que houve foi só o “mensalão” e para apenas 10% foi só “caixa dois” para campanhas (13% não tinham opinião). Entre os que se consideravam muito informados sobre as denúncias de corrupção contra o PT e o governo Lula (12% da população) e mais ou menos informados (56%), a taxa dos que acham que ambos aconteceram e não há diferença entre eles atingiu 56%, enquanto para os simpatizantes do PT caiu para 46% a percepção da ocorrência e identidade das duas coisas e subia para 16% a dos que acreditavam só no “mensalão”.

Lido de outra forma, o resultado indica que, nesse caso, a versão do PT perdeu para a da oposição: se para 61% houve “caixa dois”, 76% acreditam que houve “mensalão”. Entre os que se consideraram muito informados e mais ou menos informados sobre as denúncias, 81% acham que houve compra de deputados para composição de maioria no Congresso, contra 67% que crêem que houve “recursos não contabilizados” de campanhas eleitorais; e mesmo entre os simpatizantes do PT a crença de que ocorreu “mensalãoo” é claramente majoritária (68%) e superior à dos que crêem que houve “caixa dois” (62%).

Em março de 2006 metade da população (50%) afirmava que Lula sabia que o PT, no ano anterior, estava dando dinheiro para deputados no Congresso Nacional – para 29% Lula não sabia e 19% não sabiam se ele sabia. Entre os que se achavam bem informados sobre as denúncias, 61% acreditavam que Lula sabia, 27% acreditavam que não; entre os com preferência pelo PT, as tendências eram inversas: para 48% Lula não sabia, para 23% sabia (outros 23% não sabiam se Lula sabia e 5% afirmaram espontaneamente não acreditar que o PT distribuiu dinheiro a congressistas, independentemente da finalidade).

Quanto à origem do dinheiro, a população dividiu-se entre as versões em disputa: dois quintos dos brasileiros (38%) acreditam que era dinheiro público, fruto da corrupção em estatais e ministérios, contra outros dois quintos que acham que o dinheiro dado aos deputados vinha ou de empréstimos de Marcos Valério (20%) ou era dinheiro privado, da contribuição de empresários para campanhas (17%). Entre os que se achavam bem e mais ou menos informados sobre o tema foram maiores as taxas tanto dos que acreditam na corrupção direta com dinheiro público (42%) quanto na origem via empréstimos de Marcos Valério (25%); entre os simpatizantes do PT é menor, embora ainda majoritário (30%), o contingente dos que atribuem a origem dos recursos à corrupção nas estatais e ministérios, e maior o grupo que atribui a origem a contribuições empresariais não declaradas para campanhas (22%).

Em suma, a leitura predominante da crise por parte da opinião pública é de que houve não só distribuição de recursos e acertos de “caixa dois" de e para campanhas, mas sobretudo de que houve compra de deputados na intenção de compor maioria governista no Congresso e, agravante, de que isso aconteceu mais com recursos públicos, diretamente provenientes de empresas estatais e ministérios, do que com contribuições privadas ou empréstimos interessados – além da avaliação de que Lula sabia que o PT distribuía dinheiro a deputados. Ora, como então, diante de percepção majoritariamente tão negativa para o PT e para o governo, não despencam a popularidade de Lula, a avaliação de seu governo e suas chances de reeleição?

Uma das chaves a responder esse enigma é a mesma já contida no ranking de governos citado, segundo o grau de corrupção com que são vistos. Em que pesem as conseqüências negativas para a imagem do governo e sobretudo do PT (como se verá adiante), o conhecimento popular de que a corrupção tem sido uma constante em todos os governos de que se têm notícias explica tanto a rejeição à tese de que o governo Lula seja o mais corrupto da história como as respostas a outras perguntas feitas para explorar leituras mais equilibradas da crise. Diante de três versões sobre o fato de hoje haver mais denúncias de corrupção, três quartos da população (75%) ficam entre acreditar que isso ocorre ou porque o governo é do Lula – a corrupção é igual à de antes (44%), ou porque o governo Lula é o que mais combate a corrupção (31%), enquanto apenas 19% acham que há mais denúncias porque a corrupção aumentou no governo Lula.

Mesmo entre os que se achavam mais informados sobre a crise, embora suba a 28% os que acreditam que o volume de denúncias refletiria um aumento da corrupção no governo Lula, prevalece a percepção de que a corrupção é igual à de sempre (39%) e ainda 30% acham que há mais denúncias porque o governo Lula está combatendo mais a corrupção. Se entre os que preferem o PT, como era esperado, a maioria (50%) acha que o volume de denúncias reflete o combate do governo e apenas 7% acreditam que a corrupção aumentou (para 40% está como sempre foi), entre a maioria da população que não tem preferência por nenhum partido (53%) predomina a leitura (46%) de que nada mudou, só há mais denúncias porque o governo é do Lula.

Por fim, frente a uma terceira pergunta, posterior às que abordaram a finalidade e a origem do dinheiro dado aos deputados, apenas uma minoria concorda que esse tipo de corrupção acontece principalmente nos governos do PT (15%), ou ainda que se tratou de um caso isolado, que só aconteceu no governo Lula (5%). Para sete em cada dez brasileiros/as (69%) existe corrupção na maioria dos governos, até mais nos governos de outros partidos – opinião partilhada em patamares semelhantes tanto pelos que se consideravam bem informados sobre as denúncias (67%, contra 20% que afirmam que ocorre principalmente nos governos do PT), como entre os sem partido de preferência (66% a 18%).

Enfim, a solidez da imagem sedimentada de corrupção dos que o antecederam e lhe fazem oposição ajuda a explicar a popularidade de que goza o governo Lula, mesmo depois de um ano de forte pressão dos principais meios de comunicação, potencialmente desestabilizadora. O governo e sobretudo o PT perderam o diferencial, negando em seus métodos de alianças no Legislativo e no Executivo que tivessem chegado ao poder para exercitar a ética na política. Mas, se se igualaram aos demais partidos em sua antiética costumeira, o que sustenta o favoritismo de Lula à reeleição? Por que ele não é apenas um a mais entre os adversários já definidos ou que buscam um lugar no sol da disputa presidencial?

Se (como os resultados acima permitem, em outra leitura) para dois terços da população (63%) a corrupção no governo manteve-se no nível de administrações anteriores (44%) ou aumentou (19%); se a carga de informações sobre a crise em todos os meios de comunicação no último ano não admite a hipótese da desinformação como plausível (exceto talvez em uma vertente de desinteresse por overdose); estaria então a opinião pública “anestesiada” ou “conformada”, como têm sustentado alguns analistas da grande imprensa, buscando superar sua perplexidade diante da firmeza do apoio popular a Lula? Dados sobre a imagem dos partidos e de percepções do governo sugerem que não é apenas a desqualificação histórica das oposições no campo da ética o único fator a sustentar a preferência por Lula nas pesquisas. Outras chaves explicam o fenômeno.

A imagem do PT no governo

Em relação aos partidos, embora a desilusão com o PT seja considerável – além de prejudicial à democracia, num país que carece de cultura partidária –, a crise não credencia necessariamente nenhum dos partidos que já estiveram no poder como alternativa confiável. A curva histórica das preferências partidárias no Brasil, da primeira eleição presidencial direta, em 1989, aos dias de hoje, é emblemática a esse respeito.

Com 23% de preferência nesta pesquisa (março de 2006), o PT mostra recuperação após a fase mais aguda da crise, ocorrida no segundo semestre de 2005 (19% em agosto, segundo o Datafolha), retornando a um patamar pré-crise (24% em dezembro de 2004, Datafolha) e próximo ao pico da série histórica disponível, à véspera da eleição de Lula (26% em outubro de 2002, Criterium). Mas nenhum partido se beneficiou das oscilações do PT nesse período, variando antes, em patamar elevado (entre 60% e agora 53%), a não preferência por partido algum, superior ao de qualquer sigla em todo o período pós-redemocratização.

A análise das taxas de prefere e de não gosta sugere a mesma conclusão: polêmico desde sua origem, embora o PT lidere hoje com 17% o ranking dos partidos malqueridos (tinha 15% em novembro de 1997, NOP/FPA), sua preferência atual (23%) lhe garante um saldo positivo de 6 pontos percentuais. Mas é o único com superávit: o PMDB (com 9% de preferência e 9% de rejeição) e o PSDB (com 7% e 9%, respectivamente) têm saldo zero (considerando-se as margens de erro), enquanto o PFL é deficitário (4% de preferência, contra 12% de rejeição) e as demais siglas não ultrapassam 1% de preferência – com destaque negativo para o governista PL (1% de prefere, 5% de não gosta). Ou seja, mesmo controverso e abalado pelas denúncias, o desgaste do PT não implicou a migração para outros partidos ou uma melhora da imagem destes. (A incógnita, ainda cedo para avaliar, fica por conta do PSOL, que terá a eleição presidencial para construir uma imagem pública que, desconhecido, ainda não tem).

E quais são as medidas do desgaste do PT? Comparativamente à pesquisa NOP/ FPA de 1997, em oito anos o PT cresceu significativamente em dois indicadores negativos e recuou um pouco em um indicador positivo: a taxa dos brasileiros que o elegem entre as principais siglas como o que tem mais políticos que só pensam neles mesmos subiu de 5% para 20% e a de o que tem mais políticos corruptos foi de 4% para 27% (!), colocando-o hoje, nos dois casos, em lideranças que em 1997 cabiam, respectivamente, ao PMDB (15%) e à categoria espontânea todos (então 26%, hoje com 21%).

Embora seja razoável supor que o alto destaque do PT nesses indicadores reflita o longo período em que tem estado no centro das denúncias, podendo-se prever alguma queda nessas taxas quando (e se) baixar a poeira da crise, a mesma tendência de recuperação pode não ocorrer com a redução observada no indicador positivo: diminuiu de 25% para 20% a taxa dos que o apontam como o partido que é diferente de todos os outros, ao mesmo tempo em que caiu de 36% para 27% o contingente sem opinião, subindo de 13% para 19% os que disseram espontaneamente nenhum (e 7% apontaram o PSOL, ausente em 1997).

E assim se retorna ao paradoxo aparente, observado em relação a Lula: com o desgaste em atributos tão relevantes, afinal, o que justifica a permanência da liderança do PT na preferência nacional? Trata-se da manutenção e mesmo crescimento em outros atributos, construídos em sua trajetória gradual de conquista da opinião pública – traços reconhecidos em sua fisionomia que compõem o outro pilar de sustentação de sua imagem, constituindo, como agora se sabe, uma base mais sólida que o esfacelado pilar da ética na política: subiu de 24% para 34% a taxa dos brasileiros que consideram o PT o partido mais aberto à participação da população e de 21% para 29% a dos que o apontam como o que mais defende a justiça social; e manteve-se inalterado, em patamar bastante elevado, o contingente dos que consideram que é o partido que defende mais os pobres (41% em 1997, 40% hoje).

São características em que o PT lidera com folga, sem rival no quadro político brasileiro, atributos que – retomando a distinção aristotélica ressaltada por Chaui (citada na epígrafe) – expressam a ética da política exercida pelo PT desde sua origem, uma ética da participação e do combate às desigualdades, defendida nos parlamentos e praticada na maior parte dos governos a que ascendeu, que fizeram a diferença no palco político da história republicana e lhe garantem o enraizamento social e o prestígio que ainda goza, a despeito da gravidade e do prolongamento da crise. Simplificando, é como se a maioria da opinião pública tivesse cumprido a seguinte trajetória de reflexões (hipotéticas e não obrigatoriamente conscientes):

- em 2002, ao optar por Lula, esperançosa ou otimista: “Entre a ética na e da política, fiquemos com as duas”;

- em 2005, após a profusão de denúncias e eclosão da crise, decepcionada, crítica e pessimista: “É lamentável que o PT e mesmo Lula, por falta de controle em seu governo, não tenham conseguido fazer prevalecer a ética na política, e que o PT (para muitos, sem Lula), ao contrário, tenha sucumbido à antiética costumeira nas relações com seus pares no Congresso e com aliados na gestão do governo”;

- em 2006, após balanço do governo e frente às opções futuras, ponderada e realista: “Se não dá para ter as duas hoje, a ética da política vale mais que a ética na política; antes Lula, cujo compromisso histórico com a ética da política tem se expressado em suas políticas social e econômica, que qualquer adversário representante das elites – os quais, discurso à parte, já demonstraram ter menos ou nenhum compromisso com as duas formas de ética política”.

Essa leitura da crise não deve se prestar, evidentemente, a avalizar o cinismo. O reconhecimento da primazia moral da ética da política sobre a ética na política não significa que esta tenha perdido seu valor aos olhos da opinião pública – ou, noutras palavras, que trabalhando para o social se obtenha carta branca para a corrupção. Ao contrário, a mesma maturidade ora demonstrada pelo eleitorado para distinguir e hierarquizar as duas modalidades de ética tende a uma perspectiva abrangente, que reconheça a complementaridade intrínseca de ambas.

Esse parece ser o sentido das expectativas que recaem, interna e externamente, sobre o PT: apenas 18% souberam que ocorreram mudanças no partido depois das denúncias do ano passado (25% entre os simpatizantes do PT); informados, então, sobre o PED e a eleição de nova direção, 41% consideraram essas medidas positivas (58% dos petistas) e 18% negativas (40% não souberam opinar); mas, em relação ao alcance dessas mudanças, apenas 16% avaliam que foram adequadas aos problemas apontados, enquanto três quintos (59%) avaliam que ficaram aquém do necessário – 34% acreditam que foram verdadeiras mas insuficientes (46% entre os petistas) e 25% acham que foram só de fachada (11% dos petistas) –, enquanto outros 8% acham que foram exageradas, fazendo o partido perder dirigentes que não deveria (18% não tinham opinião).

Salvo que se queira retornar à redução dos problemas ocorridos a uma questão de desvio de caráter, há, então, duas pautas na ordem do dia: a redemocratização interna do PT, retomando o vigor dos debates e uma autonomia crítica frente ao governo que permita dialogar mais com os movimentos sociais, e a discussão da reforma política ante a sociedade e no Congresso Nacional.

Gustavo Venturi é cientista político, professor de Métodos e Técnicas de Pesquisa na FFLCH/USP, diretor da Criterium Assessoria em Pesquisas e coordenador do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo