Nacional

Entrevista com Nelson Machado, ministro da Previdência Social

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Mal terminadas as apurações do segundo turno das eleições presidenciais, os setores perdedores nas urnas começaram a tentar fazer com que o governo Lula assumisse a pauta derrotada. Com especial destaque, voltou à baila a questão da necessidade de uma nova reforma da Previdência. Nesta entrevista, o ministro Nelson Machado desmente categoricamente essa necessidade a curto prazo, aponta os problemas da Previdência Social no Brasil e relata os avanços obtidos em sua gestão.

A grande imprensa e setores de oposição pautam a necessidade de uma nova reforma da Previdência para o país poder voltar a crescer e equilibrar as contas. Como o senhor encara essa questão?

Temos de olhar a questão da Previdência Social pensando os cenários de médio e longo prazo. No cenário de curto prazo, as finanças da Previdência apresentam um déficit de 2% a 2,5% do PIB, e esse número deve se manter nos próximos quatro anos − portanto não há nenhuma situação que obrigaria uma reforma. O que precisamos, no curto prazo, é perseverar na linha definida no ministério, de garantir o acesso ao direito previdenciário, que se traduz na melhora da qualidade do atendimento e no combate a fraudes e pagamentos indevidos. Com essa linha de ação temos condições de manter sob controle o conjunto das despesas, assim como essa relação do déficit com o PIB se tivermos um crescimento econômico na faixa de 4% a 5% ao ano. No médio e longo prazo, entretanto, precisamos efetivamente observar que nossa população está passando por grandes transformações, estamos vivendo cada vez mais e melhor. Significa, portanto, que a expectativa de vida está aumentando muito rapidamente. Há uma previsão do IBGE de que, em 2050, teremos uma população de 14 milhões de pessoas com 80 anos ou mais.

Quantas são hoje?

Cerca de 2 milhões. Isso significa que temos de olhar para o longo prazo e, como ele começa hoje, é preciso ampliar a discussão. O governo já sinalizou várias vezes a necessidade de construirmos um fórum de debates para refazer um pacto entre as gerações, porque a Previdência Social, da maneira como está montada hoje, tem dois grandes pilares: a previdência social pública solidária e a previdência complementar voluntária. É preciso que as gerações repactuem o modelo previdenciário, porque o pacto atual foi feito há quinze, vinte anos, quando a realidade brasileira era bem diversa. Hoje temos a aposentadoria no setor urbano com uma faixa de idade de 51, 52 anos, para uma expectativa de 67, 68 anos; a perspectiva de vida das pessoas que chegam aos 50, 60 anos é de 80 anos. Estamos diante de um novo cenário.

Mas isso implica medidas a curto prazo?

Não, o fato de discutir neste momento é importante porque temos um governo democrático com uma preocupação muito clara com a qualidade de vida da população, com o crescimento econômico com distribuição de renda. Temos um período para fazer essa discussão com todos os atores da sociedade: as centrais sindicais, o governo, o setor empresarial. Com certeza, não é para alterar coisas no dia seguinte. De qualquer maneira, será sempre uma transição longa.

Por que existe tanta polêmica em torno do déficit da Previdência?

Essa é uma das questões que tenho buscado clarear. De um lado há autores dizendo “a Previdência não tem déficit, tem até superávit”. Do outro, há autores dizendo “o déficit da Previdência é tão explosivo que se não se fizer alguma coisa imediatamente vamos todos para o abismo”. A verdade confuciana está no meio. Não é nem uma coisa nem outra. Os autores que dizem que não há déficit simplesmente pegam o conjunto da seguridade social – que envolve os recursos destinados também para a assistência e a saúde – e comparam com os benefícios pagos pela Previdência. Aí há desequilíbrio mesmo. Essa é uma maneira ruim de mostrar as contas, porque o recurso é direcionado para outros usos que não só o da Previdência. Já os que se preocupam demais com o déficit pegam todos os benefícios da Previdência e comparam só com sua receita específica. Ora, da mesma maneira que é preciso separar os recursos que são da assistência social, é preciso olhar para a Previdência isoladamente.

O recurso exclusivo da Previdência é o que arrecadamos sobre a folha de pagamentos, tanto da parte empresarial quanto dos trabalhadores, mais uma parcela da CPMF – do 0,38% que se cobra, 0,10% é recurso da Previdência. Está na lei e o Tesouro manda esse recurso, só que não manda como receita, mas sim como recursos do Tesouro, portanto é computado como déficit, porém é receita nossa. Este 0,10% equivaleu a quase R$ 8 bilhões em 2006. Se eu somar esses R$ 8 bilhões à receita, o déficit cai de R$ 42 bilhões para R$ 34 bilhões. Desde o ano passado, para que a imprensa não diga que estamos maquiando dados, a Previdência divulga os dois déficits − com CPMF e sem CPMF −, mas nunca ninguém deu bola para isso. Continuam todos divulgando só o sem CPMF. Além disso, para concluir sobre déficit, é preciso avaliar o conjunto de receitas específicas daquele programa e seus dispêndios.

Quando se olha para a Previdência, percebemos que na arrecadação sobre a folha dos trabalhadores há um conjunto de renúncias fiscais, que não é política da Previdência Social, é política geral de governo. Por exemplo, a renúncia para as pequenas e médias empresas. Quando uma pequena empresa se enquadra no Simples, deixa de contribuir com 20% sobre a folha de salários, só contribui com os 8% ou 9% que retém do funcionário. Isso é um incentivo à formalização das pequenas e médias empresas, é um ganho para os trabalhadores, para a economia do país. Agora, para a Previdência Social é uma renúncia. O trabalhador de uma pequena empresa tem, e terá, os mesmos direitos dos trabalhadores de uma grande empresa, só que a empresa não recolheu os 20%. Isso custa de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões ao ano.

Além disso, há as entidades filantrópicas, as Santas Casas de Misericórdia, as universidades etc., que deixam de contribuir com os 20% sobre a folha e contribuem só com o valor retido de seus funcionários, que têm os mesmos direitos. Isso custa outros R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano. Acho meritório, mas, quando falo dos hospitais filantrópicos, isso é uma política de saúde, inclusive o Ministério da Saúde trabalha com essas entidades. Seria adequado que o valor dessa renúncia fiscal não pesasse nas contas da Previdência e ficasse no orçamento da Saúde. A mesma coisa o ProUni. É um programa maravilhoso, um avanço enorme.  Mas entendo que essa renúncia deveria ficar na política de educação, e não pesar no déficit da Previdência. Se fizéssemos este ajuste de contas – CPMF, renúncia fiscal Simples, filantropia, incentivo aos exportadores –, o déficit geral cairia de R$ 42 bilhões para R$ 22 bilhões; e o déficit urbano, só daqueles que são efetivamente contributivos, cairia para R$ 4 bilhões.

É importante deixar claro que essa nova forma de apresentar as contas não muda em uma vírgula o problema do ministro Guido Mantega (da Fazenda), porque o volume de recursos disponíveis para o investimento continua o mesmo, mas muda a natureza da discussão na Previdência e na sociedade.

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Qual o impacto do salário mínimo sobre a Previdência?

Temos hoje cerca de 21 milhões de benefícios pagos pela Previdência Social mais aproximadamente 2 milhões dos benefícios assistenciais da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), e 60% deles são de um salário mínimo. Então, quando há ganhos reais do salário mínimo, que são importantes no nosso programa de desenvolvimento, eles ampliam o custo da Previdência Social, mas isso está nas contas e é
aceitável.

Como funciona o sistema da seguridade social no Brasil?

No sistema da seguridade temos a previdência, a assistência e a saúde. Esse conjunto, que forma uma rede de proteção social, é financiado por recursos retirados da sociedade cobrados sobre a folha de pagamentos ou sobre o faturamento das empresas, sobre a contribuição, sobre o lucro, e assim por diante. Temos uma certa mistura entre previdência contributiva, no caso dos trabalhadores urbanos, e previdência não-contributiva, no caso dos trabalhadores rurais. E temos um padrão de assistência social na Loas, na Lei do Idoso, que garante um salário mínimo a todas as pessoas que tenham 65 anos ou mais e renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Essa rede de proteção social é fundamental porque garante uma distribuição de renda razoável, que retira da pobreza milhões de famílias. Isso tem um impacto na economia, amplia a demanda por bens de consumo, amplia o comércio, aumenta as encomendas para a indústria e o emprego. Enfim, garante também o crescimento. Mas é preciso olhar no longo prazo. Quanto as gerações futuras estarão dispostas a pagar por esses benefícios?

Na Europa, há alguns anos já se enfrentam problemas dessa natureza, porque lá a expectativa de vida vem crescendo ainda mais rapidamente que no Brasil. Nossa pirâmide etária hoje tem uma base de juventude enorme e um pico fininho, das pessoas acima dos 60, 70 anos. Daqui a 30 ou 40 anos, nossa pirâmide vai ser um caixote! Essa é uma questão que tem de ser enfrentada, renegociando em que momento as pessoas se aposentam, explicitando como vai ser feito esse financiamento. Ao mesmo tempo, o país precisa buscar o crescimento vigoroso da economia, porque a expansão do emprego com carteira assinada garante o aumento da base de contribuição previdenciária. Hoje temos 28 milhões de trabalhadores e trabalhadoras que não contribuem e não têm direito à Previdência Social.

Quantos contribuem?

Entre 33 milhões e 34 milhões.

E esse trabalhador que não contribui hoje está garantido, no final das contas, pela Lei do Idoso?

Sim, se ele se encaixar na situação de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo, mas, quando não contribui, ele não tem os outros direitos previdenciários, como auxílio doença; se ele for preso, não tem direito a auxílio-reclusão; se sofrer um acidente, não tem direito a aposentadoria por invalidez. Desses 28 milhões de brasileiros que estão fora do sistema previdenciário, entre 12 milhões e 13 milhões ganham até um salário mínimo. Eles também não têm renda suficiente para fazer a contribuição; e os que ganham acima de um salário mínimo simplesmente não contribuem porque fazem sua previdência de maneira diferenciada.

O sistema previdenciário brasileiro é muito identificado com fila, desperdício e fraudes. Como se apagam essas marcas?

Quando o presidente Lula me convidou para ser ministro da Previdência, eu tive uma longa conversa com ele e perguntei: “Presidente, qual é a missão?” E a missão é muito simples: garantir o acesso ao direito previdenciário. Mas a fila é uma forma de afastar as pessoas do direito. A missão, então, é melhorar o atendimento, além de combater fraudes e pagamentos indevidos. A partir disso, orientação, desenvolvemos um plano de ação no ministério, que envolve o INSS e a Dataprev.

No tocante às filas, desenvolvemos um conjunto de ações na área de tecnologia de informação, substituímos praticamente todos os computadores velhos, alugados, que havia no INSS, investimos em computadores novos e mais potentes na Dataprev, além de mudar o sistema de processamento, focando, principalmente, no atendimento a distância. Diante de nosso diagnóstico de que 60% das pessoas que estavam naquela fila horrorosa eram para fazer o agendamento da perícia médica, focamos muito claramente o problema: temos de eliminar a fila da porta da agência de madrugada.

A maneira de fazer isso foi apostar na tecnologia da informação e mudar o modelo de atendimento. Primeiro, definimos que o agendamento da perícia poderia ser feito pela internet – já podia ser feito havia mais de cinco anos, mas somente uma parcela ínfima o fazia, eram 4 mil a 5 mil por mês. Refizemos nossa página na internet, tornando o requerimento mais fácil, e partimos para a segunda questão: fazer com que nossos segurados usassem essa modalidade de agendamento. As empresas têm acesso à internet e o trabalhador, quando adoece, em primeiro lugar comunica à empresa, já que os primeiros quinze dias são pagos por ela. Então, fizemos um convênio com as federações de comércio, indústria, contadores, com os sindicatos, as igrejas, para potencializar e divulgar a possibilidade do departamento de recursos humanos da empresa fazer esse agendamento. Mas isso não é suficiente. Assim, ampliamos nossa central de teleatendimento, contratamos um serviço em que se faz o requerimento para o segurado por telefone, que hoje é um bem acessível a praticamente todos os trabalhadores. Em janeiro de 2005, pela internet, eram feitos 6 mil agendamentos de perícia médica, enquanto nas agências eram feitos cerca de 200 mil por mês. A partir de maio de 2006 passamos para 74 mil e em novembro tivemos 228 mil agendamentos por telefone. Nas agências caíram do pico de maio de 2006, de 359 mil para 138 mil, ou seja, tiramos das agências 200 mil pessoas/mês. Em dezembro de 2005 tínhamos 80 pessoas em média nas filas. Algumas agências tinham de 10 a 20, e outras 200 e até 400.

Depois desse conjunto de ações − o uso da internet, a ampliação do horário de atendimento, a contratação de novos funcionários, o Programa de Gestão da Qualidade do Atendimento (PGA) −, em dezembro de 2006 a média chegou a 20, o que significa que aquela fila sistêmica acabou. Alguns ainda vão às 4 da madrugada, porque não sabem, mas quando a agência é aberta tem 10, 15 pessoas, o que é normal até em qualquer agência de banco. Estamos falando na média, há agências que ainda são problema, mas agora não se trata mais de um problema sistêmico; agora são problemas pontuais, ou seja, é uma agência que está mal localizada, ou mal dimensionada, o bairro tinha 50 mil pessoas, agora tem 300 mil. Nesses casos, contamos com um acompanhamento específico para resolver essas questões.

Houve aumento de número de funcionários?

Tivemos mais contratações porque os funcionários da Previdência Social têm uma média de idade bastante elevada, então temos um volume de aposentadorias significativo. Ao longo desse último ano aproveitamos os concursos já existentes e chamamos um conjunto de pessoas. Chamamos agora 1.080 novos funcionários para reforçar agências que estão sendo abertas e agências especializadas em perícia médica que abriremos no decorrer deste ano, em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador. Há hoje em torno de 30 mil a 33 mil funcionários.

O perito é um funcionário da Previdência ou é terceirizado?

Na Previdência Social, de 2000 até 2002, houve um incremento muito grande na contratação de médicos peritos credenciados terceirizados. Isso trouxe um problema sério, avaliado negativamente no começo de 2003, porque se trata do poder de distribuir um benefício do Estado, de criar um direito, na mão de uma pessoa que não é servidora concursada. Foi aprovada então no Congresso Nacional uma lei ordenando que a Previdência substituísse todos os médicos peritos terceirizados, o que foi feito mediante dois grandes concursos. Foram contratados 1.500 médicos peritos em 2005 e mais 1.500 em 2006. Com isso praticamente eliminamos todos os médicos terceirizados.

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E sobre as conhecidas fraudes no sistema?

Tivemos fraudes homéricas e fraudes de muito tempo e muitas vezes também pagamentos indevidos até por desconhecimento da população. Um exemplo: quando um segurado falece, o direito desaparece, tem de ser suspenso, e a família precisa entregar o cartão da Previdência, comunicar que a pessoa faleceu, ou, caso ela não faça isso, recebemos a informação por meio do sistema de óbitos, porque os cartórios têm de informar. Uma vez informado o óbito, o benefício é suspenso. Mas muita gente não entregava o cartão, achava que fazia parte da herança, continuava recebendo ou então levava até seis meses para suspender o benefício. Alguns cartórios mais distantes ainda funcionam na base do papel, não são informatizados. O importante é que se tornou claro que era preciso fazer um censo previdenciário, o recadastramento, algo que tinha sido estabelecido pela legislação na década de 90. Então definimos fazê-lo, de acordo com a lei, em quatro anos. Em 2005 fizemos o recenseamento de todos aqueles que tiveram o benefício instituído até 2003. Isso dava uma massa de 17 milhões de benefícios. Fizemos o recenseamento por meio da rede bancária, que é aonde o segurado vai todo mês receber seu benefício. Já recenseamos 14 milhões de aposentados e pensionistas sem nenhum tipo de problema; aliás, ao contrário, com a adesão de todos. Com isso, hoje temos uma base de dados atualizada, o que facilita muito. Agora, quando o cartório informa o óbito do segurado, temos como confirmar qualquer número que for colocado.

E o esquema das quadrilhas que havia no INSS, como aquela Georgina, do Rio de Janeiro?

Uma das ações promovidas no começo do ano passado foi reorganizar as forças-tarefas. O Ministério da Previdência Social tem uma área de inteligência que analisa e busca organizações criminosas que fraudam a Previdência. Essa reorganização aprofundou nosso relacionamento, mediante convênio, com a Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência, o Ministério Público, e as ações do ano passado foram bastante proveitosas, porque desbarataram quadrilhas praticamente em todos os estados e de todas as formas, com participação dos funcionários, de sindicatos, de médicos, advogados. Isso tem andado bem. Mas há outra vertente, também muito importante, que é a alteração dos sistemas de concessão de benefícios.

Está em andamento, desde 2002, um programa de modernização da Previdência. Tivemos consultorias internacionais, lideradas pela Fundação Instituto de Administração, da Universidade de São Paulo, que redesenharam o modelo. No ano passado, demos prioridade a esse redesenho e já adquirimos um conjunto de equipamentos de grande porte, computadores de plataforma diferenciada, contratamos uma empresa que chamamos de fábrica de software, preparamos a Dataprev para ter centros de desenvolvimento de software, de forma que essa fábrica contratada seja acompanhada e esse conhecimento seja absorvido pela Dataprev. Então estamos, neste momento, reescrevendo todos os sistemas de concessão e manutenção de benefícios da Previdência Social. Mais do que tapar os pequenos ralos, vamos mudar o sistema completamente a partir da metade deste ano. Isso vai eliminar esse modelo de fraudes, vai mudar completamente a maneira de trabalharmos na Previdência Social, garantindo maior agilidade e maior segurança. O prazo para concluir essa migração é meados de 2009.

As entidades representativas dos previdenciários têm forte hegemonia do PSTU e isso tem ocasionado um confronto com o governo. São freqüentes as greves na Previdência nas quais, a nosso juízo, o grande prejudicado é o trabalhador que necessita daquele atendimento. Como tem evoluído a relação com a categoria?

Tem evoluído bem. Primeiro, é preciso reconhecer que os funcionários da Previdência Social ganham mal, e um funcionário que tem o poder de conceder um benefício permanente tem de ganhar bem. Segundo, ele tem de ser capacitado, motivado para conhecer sua responsabilidade e entender que não está ali carimbando papel, está prestando um serviço, atendendo um conjunto de trabalhadores. Eu assumi com o Ministério da Previdência em greve, em julho de 2005. Já naquela época fizemos uma negociação dura mas altiva entre ambas as partes, primeiro reconhecendo uma situação que precisa ser reformulada − fazer um plano de carreira para melhorar a condição dos funcionários − e, por outro lado, dizendo também que, embora reconhecendo o direito de greve, a greve penaliza os trabalhadores e, portanto, o ponto tem de ser cortado. Fiz isso sem nenhum problema. Cortei o ponto e depois isso foi negociado.

As bases do plano de carreira foram acertadas no ano passado e estamos ultimando, agora, a proposta de um projeto de lei que estabelece o início desse plano de carreira, criando inclusive uma gratificação por produtividade. Não aquela gratificação por produtivismo, aquela coisa maluca do fordismo. A gratificação por produtividade que propusemos − e foi aceita pelas lideranças − tem uma característica muito importante: ela fortalece o espírito do trabalho em equipe, não é produtividade individual, é produtividade da agência. E que produtividade é essa? É o alinhamento entre os objetivos da organização, que é atender com maior presteza, reduzir o tempo médio dos processos, e isso só pode ser feito com o trabalho em equipe. Ninguém trabalha isolado numa agência da Previdência, não podemos distinguir o trabalho do servidor que está na frente atendendo o segurado daquele que está lá atrás arrumando o arquivo; todos têm de trabalhar em conjunto. Com essa nova formulação vamos melhorar a remuneração daquelas equipes que baixarem efetivamente os tempos medidos entre a data do requerimento e a data da definição, entre a data do agendamento e seu atendimento. Nesse sentido, acho que melhorou muito a relação entre a Previdência Social e o INSS e os nossos servidores. Um sinal disso é que no ano passado não tivemos a greve tradicional de um mês.

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate
Rose Spina é editora de Teoria e Debate

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Nordeste sem fila na madrugada

Nara Martinuzi Castilho é gerente regional do INSS no Recife. Funcionária de carreira do Instituto, ela comemora os avanços na regional nordestina, que engloba do Ceará à Bahia. O mais importante foi cumprir o compromisso do governo de acabar com as filas enormes na madrugada. Em algumas agências formavam-se filas que começavam no fim do dia anterior. No entanto, os levantamentos mostraram uma faceta cruel da pobreza: 99% das pessoas que estavam na fila eram atravessadores que guardavam e depois vendiam a vaga, que dependendo do local poderia custar de R$ 5,00 a R$ 30,00. Bancos e cadeiras eram alugados, ambulantes e comerciantes das redondezas também lucravam com as filas da madrugada. O único perdedor, na verdade, era o segurado, que muitas vezes estava na fila esperando uma simples informação.

“Madrugada sem Fila” é o projeto piloto implementado pela regional graças à adesão voluntária dos servidores do INSS, que aceitaram começar a rotina de trabalho, assim como os que estavam na fila, de  madrugada. Às 4h30 da manhã, às vezes utilizando os carros dos próprios funcionários para deslocamento, começavam os atendimentos.

Trabalho em equipe, triagem e consultas à internet através do Canal Remoto, orientação e informação prévias ajudaram a diminuir as filas em mais de 50%. Segundo Nara, o compromisso é “dar resposta ao segurado, não deixar ninguém sem atendimento”, e com o apoio da mídia, principalmente das rádios, e do mutirão dos funcionários foi possível solucionar o problema.

As filas da madrugada não existem mais nas capitais do Nordeste e não há registros de pessoas dormindo nas ruas à espera de atendimento.

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