Cultura

Um Funcionário da Monarquia - Ensaio sobre o Segundo Escalão e Teresina Etc., livros de Antonio Candido publicados pela Editora Ouro sobre Azul, 2007

Um funcionário da Monarquia - Ensaio sobre o Segundo Escalão, de Antonio Candido, Editora Ouro Sobre Azul, 196 páginas, 2007

Dando continuidade ao projeto de reeditar toda a obra de Antonio Candido, sua filha Ana Luisa Escorel, da editora Ouro sobre Azul, oferece-nos mais dois títulos, com isso quase concluindo a tarefa (ver Teoria e Debate n° 63 e n° 69).

O primeiro, Um Funcionário da Monarquia – Ensaio sobre o Segundo Escalão (Ed. Ouro sobre Azul, 196 páginas, 2007), publica o texto independente, retirando as magníficas ilustrações daquilo que foi uma cuidadíssima edição de luxo, que devemos à mesma editora (2002). Trata-se de um estudo que se debruça sobre a trajetória do conselheiro Antonio Nicolau Tolentino, do Rio de Janeiro, que foi presidente da Caixa Econômica. Ao contextualizá-la, o livro faz igualmente uma reconstituição do período e dos percalços de uma carreira como essa.

O segundo, Teresina Etc. (Ed. Ouro sobre Azul, 160 páginas, 2007), a partir desta protagonista efetua o resgate de toda uma geração de esquerda que integraria os fastos da classe operária em formação no início do século 20, em São Paulo. Completam esse núcleo alguns ensaios de natureza
política.

Teresina Etc., de Antonio Candido, Editora Ouro Sobre Azul, 160 páginas, 2007

Arribada da Itália a nosso país meio por acaso, foi em São Paulo – concentração de imigrantes italianos, onde se empregavam na indústria incipiente – que Teresina, culta e grande leitora, além de libertária por temperamento, desabrochou em suas convicções de esquerda, de afinidades socialistas, anarquistas e sindicalistas revolucionárias.

Não perdia ocasião de comparecer a levantamentos de fundos para greves, festas e piqueniques de ligas operárias, reivindicações de emancipação feminina, comícios, distribuição pública de jornais, panfletagens, reuniões de discussão, recitais de poesia, ou às sessões de teatro e de leitura tão indispensáveis à vida dos trabalhadores de então.

Da importância política desses eventos só mais tarde dariam conta a pesquisa universitária e a constituição de fundos específicos, como a coleção Edgar Leuenroth – anarquista histórico, amigo de Teresina – recolhida à Unicamp ou os arquivos do movimento operário em Amsterdã (da Internacional, entre outros) e na Itália (Fundação Feltrinelli em Milão e Instituto Gramsci em Roma). Essas contribuições desembocariam em outros veículos de divulgação, como teses, romances, filmes e séries televisivas.
Só assim é que se pôde conhecer melhor esse obscuro período e aquilatar a relevância das efemérides em que se forjava a sociabilidade do proletariado nascente.

Transferindo-se para Poços de Caldas, Teresina lá morou até morrer, vivendo modestamente, quase que de um dia para o outro, entre seus gatos, a horta, os livros, os alunos de italiano ou francês e seus assíduos amigos.

Quem lhe fez o convite foi o prefeito da cidade, Francisco Escobar, íntimo de Euclides da Cunha e seu maior correspondente. Ao ver de Rui Barbosa, era “doutíssimo e eruditíssimo”, possuidor de uma biblioteca sem par naqueles rincões, pianista e compositor, ele também socialista.

A casa de Teresina tornou-se um centro irradiador de debate ideológico e calor humano. Escrevia constantemente, em cadernos para si ou em cartas para os outros. Em sua paixão por idéias, lia de tudo e sem cessar. Sustentava-se com o que auferia de aulas particulares e de seu tricô por encomenda. Como testemunhou Antonio Candido – para quem foi uma espécie de mentora erudita e politizada –, a todos abria sua casa e servia sua polenta, o pouco que tinha irmãmente distribuído. O que o levou a observar que nela descobrira o “ser socialista”, igualitário por natureza, e não por decisão refletida: ou seja, de dentro para fora, a partir daquilo que constitui uma espécie de cerne ético.

Walnice Nogueira Galvão é crítica literária, integra o Conselho de Redação de Teoria e Debate