Economia

As ameaças inflacionárias que afetam a economia da maioria dos países provêm do enorme aumento do custo do petróleo

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Quando falamos de preço esta­mos nos referindo a uma tran­sação, cujo valor é dado pelo produto do preço unitário vezes a quantidade da mercadoria transacionada. Digamos que o preço de um saco de arroz seja R$ 20; isso significa que o vendedor recebe R$ 20 por saco que vende e este valor é pago pelo comprador do produto. Os R$ 20 representam ao mesmo tempo o ga­nho para o vendedor e o custo para o comprador. Se o preço do arroz subir para R$ 25, o vendedor se beneficiará de um ganho adicional de 25% e o comprador sofrerá aumento de 25% de seu custo. Se o preço caísse, o ven­dedor é quem seria prejudicado e o comprador favorecido.

Por isso, a inflação não é um mero aumento de alguns preços, pois normalmente eles sempre flutuam. Durante o ano, inevitavelmente, alguns sobem, outros caem, enquanto os outros se mantêm constantes. Se os efeitos dessas subidas e quedas se compensarem, mantendo mais ou menos constante o valor total das transações, pode-se dizer que há a famosa “estabilidade dos preços”, ideal dos governos, mas que quase nunca é mantida por muito tempo.

Quando o aumento de preços não é compensado pela queda de outros, cria-se uma situação em que um grupo restrito de vendedores ganha à custa de muitos compradores1. Se esta situação se repete, é inevitável que alguns compradores comecem a elevar os preços do que vendem, para compensar o prejuízo que sofrem quando compram. Os preços que so­bem primeiro contagiam outros, cuja elevação é uma reação à que ocorreu inicialmente. Desse modo, começa a inflação, que não cessa de se expandir. Alguns compradores dos produtos que ficaram mais caros por último são levados a aumentar as merca­dorias que vendem. A elevação de alguns preços origina, desta maneira, um processo que vai gradativamente “contaminando” mais preços, até que a totalidade deles passa a subir, em rodadas sucessivas.

A inflação produz a impressão na maioria das pessoas de que elas estão sempre perdendo, pois cada uma ganha a vida, em geral, vendendo um produto (trabalho em troca de um salário ou uma mercadoria em cuja produção se especializa). Mas, todas compram diversas mercadorias, que satisfazem as diferentes necessidades de consumo da família e, eventualmente, insumos da produção do que vende. Se os preços são aumentados, digamos, uma vez por ano, ao longo do ano o cidadão terá oportunidade de aumentar o seu preço uma vez, mas sofrerá praticamente todos dias aumentos de alguns dos muitos preços que paga.

Esse sentimento de perda contí­nua pode corresponder à realidade ou não, mas como o cálculo dos ganhos e das perdas dos que vivem processos inflacionários é um bocado complexo, dependendo de quanto e quando aumentam os preços que paga e o preço que recebe, a impressão subjetiva de perda persiste e se agrava, o que torna a inflação extremamente impo­pular. Praticamente, todos se sentem prejudicados e a aspiração de volta à estabilidade de preços se torna cada vez mais forte e premente.

Enquanto a inflação persiste, todos os setores da economia procuram se antecipar ao aumento dos preços que pagam, elevando os preços que cobram. Além disso, se esforçam por subir os preços que cobram mais do que subiram os preços que pagam, já antecipando que o custo do que compram vai se elevar também cada vez mais. Isso faz com que o processo inflacionário tenda a se acelerar e aprofundar. Com o passar do tempo, os preços se elevam cada vez mais e em intervalos mais curtos. Até que a inflação rompa todas as barreiras e se torne diária, atingindo ritmos enormes, de milhares de porcentos anualmente. As expectativas inflacio­nárias expulsam todas as outras da vida econômica, a qual deixa de se desenvolver porque todos os agentes se sentem compelidos a usar suas forças unicamente para se defender da “carestia” dos fornecedores, produzindo em tempo e intensidade “carestia” igual ou maior para seus fregueses.

Garroteamento da demanda

A inflação obriga as pessoas a antecipar as compras, antes que fi­quem mais caras, e a não guardar o dinheiro, pois este perde rapidamente seu poder aquisitivo. Essa aceleração do consumo facilita a remarcação dos preços, pois o encarecimento das mercadorias não impede que encontrem compradores (o que não acon­teceria se os preços ficassem estáveis ou fossem elevados em proporções modestas e em longos intervalos). Enquanto a inflação não atinge o es­tágio em que se torna essencialmente destrutiva, ela tende a expandir a demanda efetiva de todos os agentes econômicos, o que faz com que a eco­nomia cresça e o nível de emprego se mantenha elevado.

Cada processo inflacionário tem uma origem específica e um desenro­lar próprio, que depende da política econômica do Estado, até mesmo do ajuste do câmbio à perda de valor da moeda. As generalizações teóricas feitas pelos neoliberais a respeito do processo inflacionário são simplificações, que têm de abstrair suas peculiaridades, o que limita bastante sua relevância. Elas visam oferecer diretrizes para o combate a surtos inflacionários, sem levar em conta suas origens e causas específicas. O que limita as armas do combate a processos inflacionários à contenção da demanda efetiva2 da população.

A contenção da demanda efetiva pode se dar pela redução do gasto público ou do crédito ao investimento e ao consumo. A totalidade dos inves­timentos e a maior parte das despesas de maior valor – compras de imóveis, veículos, máquinas e aparelhos etc., viagens de grande extensão e duração, celebrações aparatosas etc. – são feitas com recurso ao crédito. Tendo em vista reduzir o montante de crédito concedido no país, o Banco Central aumenta a taxa de juros Selic, que grava uma parte da Dívida Pública Interna do governo federal.

A manipulação da principal taxa de juros do país tem de ser gradativa, para evitar o perigo de causar uma crise financeira, pois os intermediá­rios financeiros (bancos, companhias de seguro, fundos de pensão etc.) possuem em suas carteiras grande vo­lume de títulos de créditos, cujo valor é inversamente proporcional à taxa de juro3. Um aumento relativamente grande da taxa de juros causaria uma forte redução do valor de mercado de todos os títulos. Uma súbita desvalo­rização das carteiras dos bancos faria com que os depositantes passassem a duvidar de que poderiam reaver seu dinheiro, quando dele precisarem. Ora, como a maior parte deste dinhei­ro fica emprestada, os bancos não po­deriam mesmo devolvê-lo de um dia para o outro a seus donos. O resultado seria uma vasta retirada de fundos dos intermediários financeiros, que ficariam impossibilitados de conceder empréstimos, desencadeando violen­ta contração de crédito, semelhante à crise das hipotecas de alto risco, pela qual os Estados Unidos e outros países estão passando.

Para evitar tal desastre, o combate à inflação mediante o aumento da taxa de juros se estende necessariamente por diversos meses. No Brasil, a diretoria do Banco Central se reúne ordinariamente a cada mês e meio, quando eleva a taxa de juros por algo entre um quarto e meio ponto porcen­tual. Assim, para elevar a taxa Selic, digamos de 12,25% vigente em julho deste ano a 14,25% em prestações de 0,5% por reunião do Banco Central, a meta só seria atingida em cerca de seis meses. Desta forma, o mercado financeiro teria tempo para se ajustar à desvalorização dos títulos de crédi­to, sem se deixar dominar pelo pânico. E esse seria também o tempo que poderia levar a transformação de um aumento de somente alguns preços em um processo inflacionário auto­impulsionado e auto-acelerado.

Na medida em que o crédito se torna mais caro, espera-se que parte dos consumidores e dos investidores desista de seus planos de gasto, o que deve resultar num encolhimen­to progressivo da demanda efetiva. Parte crescente das mercadorias produzidas para o mercado interno deixa de encontrar compradores, o que deve impor cortes do volume de produção e do emprego. Dessa forma, o crescimento da economia cai até zero e pode se tornar negativo, o que significa recessão. Num ambiente de excesso de produção cada vez maior, o aumento dos preços por parte dos vendedores torna-se cada vez mais di­fícil. Boa parte deles desiste de repas­sar toda inflação a seus preços, com a esperança de vender mais. Espera-se assim reduzir o ritmo e o tamanho do reajuste, até que a desejada estabilida­de dos preços esteja restaurada.

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Crítica do combate neoliberal

O combate à inflação descrito an­teriormente segue a cartilha neolibe­ral, oposta à intervenção do governo federal na economia. A intervenção que ela aceita é a do Banco Central, visto como agência técnica, politica­mente neutra, que se limita ao manejo da taxa oficial de juros. Por isso, os neoliberais são favoráveis à indepen­dência do Banco Central em relação ao governo eleito do país, visto com desconfiança por ser composto por políticos eleitos e sujeitos, portanto, à vontade do eleitorado.

Os neoliberais sabem que, se a inflação é impopular, a recessão e o desemprego o são ainda mais. Para os trabalhadores, a perda de poder aquisitivo do salário pela inflação pode ser compensada por reajustes salariais, quando os contratos cole­tivos de trabalho são renegociados, ao passo que contra as perdas cau­sadas pelo desemprego em massa e de longa duração não há defesa possível. Enquanto a economia não voltar a crescer, fazendo com que o desemprego reflua, pouco resta a fa­zer aos trabalhadores que ainda estão empregados, dada à imensa pressão exercida pela mera presença de um numeroso exército de desemprega­dos, muitos deles ansiosos para obter qualquer trabalho, ainda que penoso e mal remunerado.

Para os empregadores, o dilema entre inflação e desemprego se apre­senta de forma muito diferente: a inflação permite ganhar bem, pois eles têm facilidade de manejar os preços, mas a pressão dos trabalhadores organizados para reajustar os salários é muito intensa, não só para repor o au­mento do custo de vida, mas também para que os empregados participem dos ganhos de produtividade. Quando os preços são estabilizados por meio da redução da demanda efetiva, a eco­nomia tende a flutuar entre períodos de recessão ou estagnação e períodos de crescimento um pouco maior, mas que são abortados sempre que elevações de preços são vistas como ameaçadoras, bem antes que possam ocasionar uma inflação em regra. A estabilidade dos preços mantida por elevado desemprego elimina não só pressões por aumentos salariais, mas todas as manifestações de insatisfação por parte dos trabalhadores. O pavor de perder o emprego e jamais en­contrar outro torna os trabalhadores obedientes às ordens da gerência, cuja autoridade no seio da empresa não sofre mais contestações.

Expansão da oferta

Uma alternativa ao combate neo­liberal à inflação é eliminar as causas da mesma, que muitas vezes se encontram em limitações da oferta de bens essenciais, como tem sido, desde o século passado, o petróleo. Atualmente, as ameaças inflacionárias que afetam a economia da maioria dos países provêm do enorme aumento do custo do petróleo, acompanhado de elevações muito grandes dos preços de outros minerais e mais recente­mente de alimentos transacionados no comércio internacional. Produtos primários padronizados são chamados de commodities (mercadorias, em inglês) e têm seus preços determinados em leilões diários nas grandes bolsas de mercadorias, principalmente de Londres, Nova York e Chicago.

Essas elevações de preços, que ocorrem nos últimos anos, só podem ser atribuídas a uma oferta inelástica aos preços, devido a limitações ecoló­gicas, decorrentes de uma predatória exploração de recursos naturais, cada vez mais intensa e insustentável. As reservas de petróleo não acompa­nham o ritmo da exploração e por enquanto as fontes renováveis de energia – da luz solar, do vento, das correntes hidráulicas e da biomassa – ainda têm custos elevados, mesmo em relação aos altos preços do petróleo. Não há estimativas confiáveis das reservas mundiais de petróleo, exploradas em sua maioria por firmas privadas, que consideram este dado segredo do negócio. Mas, é sabido que à medida que a exploração de uma jazida prossegue, a pressão, que faz o petróleo jorrar, vai diminuindo até se esgotar. Deste ponto em diante, será necessário injetar algum líquido ou gás na jazida, para que o petróleo possa ser extraído, o que aumenta bastante o custo da exploração.

Quando o preço do petróleo cobre apenas o custo da exploração de jazi­das em que ele ainda jorra, as jazidas sem pressão deixam de ser explora­das, embora ainda contenham o óleo. Além disso, há petróleo em oceanos em camadas de grande profundidade, cuja exploração também teria custo muito elevado. Quando, como agora, o preço do produto sobe em níveis inéditos, essas jazidas tornam-se economicamente exploráveis, o que significa que as reservas estão hoje maiores que antes. Mas, a produção mundial de petróleo não tem aumen­tado tanto quanto seria de se esperar, porque há consenso entre os especu­ladores de que a demanda seguirá em rápido aumento no futuro e que, por­tanto, é provável que seu preço ainda subirá muito. Esta expectativa faz com que os países exportadores prefiram não aumentar o volume de petróleo que extraem, para vendê-lo mais tarde a um preço ainda maior.

Algo semelhante deve estar ocor­rendo com metais, cujos preços au­mentam acentuadamente, sem que a produção se expanda. Quanto aos alimentos, a elevação de seus preços se explica em parte pelo encareci­mento dos derivados do petróleo, que entram na produção de fertilizantes e agrotóxicos e no custo do transporte dos alimentos dos lugares em que são produzidos para onde serão proces­sados ou consumidos. A esse respeito, cumpre notar que nos últimos anos os alimentos passaram a ser objetos de livre-comércio internacional, em virtude dos avanços da globaliza­ção. Como resultado, muitos países (sobretudo africanos) deixaram de produzir alimentos que consumiam para importá-los a preços mais baixos. Com o encarecimento dos alimentos, muitos desses países sofrem crises alimentares por não dispor de moeda conversível – dólares, euros, libras, ienes – para continuar a importá­-los. Segundo a ONU, há mais de 800 milhões de pessoas que passam fome no mundo e o encarecimento dos alimentos pode fazer com que outros 100 milhões se juntem a eles.

Se o aumento dos preços expande a subnutrição pelo mundo, uma das causas é a queda da subnutrição em países de grande crescimento econô­mico, como a China e a Índia, cujas populações somadas representam dois quintos da população da Terra. Também o Brasil entra nesta conta, pois a acentuada redução do número de pobres, promovida pelo governo de Lula, expandiu amplamente o consumo dos alimentos considerados nobres, como carne e laticínios.

Como a população mundial está em crescimento e o consumo ali­mentar per capita também, seria de se esperar que a persistente elevação dos preços da comida provocasse o aumento de sua produção. Mas isso não está acontecendo; o que os con­sumidores adicionais estão comendo são os estoques de alimentos, sendo que as reservas de cereais do mundo estão em níveis desconfortavelmente baixos. Aqui também a inelasticidade da oferta de alimentos aos preços deve ser atribuída a fatores ecológicos: o avanço em escala mundial da agricultura empresarial, intensiva em agrotóxicos, polui a Terra, a água e o ar, obviamente reduzindo a disponi­bilidade desses recursos naturais para a produção agrícola.

Mas, aqui, a barreira ecológica é diferente da que dificulta o aumento da produção mineral. O petróleo e outros minerais, uma vez extraídos, transformados e consumidos, não podem mais ser repostos. Por isso o esgotamento das jazidas é irreversível. Já o mesmo não vale para terra, água e ar, pois a sua poluição não é definitiva. Eles podem ser recuperados por meio de certo gasto de trabalho humano, ao custo de bilhões de dólares em escala mundial.

A FAO, órgão da ONU para ali­mentação e agricultura, está se em­penhando em alertar o mundo sobre a necessidade de investir urgentemente na expansão da produção alimentar em nível mundial, por enquanto com quase nenhum êxito. As Nações mais ricas não estão preocupadas com a in­flação dos alimentos, pois subsidiam sua produção nacional pesadamente; se os preços dos alimentos aumentam nos mercados globalizados, isto é visto como oportunidade bem-vinda para cortar os subsídios. Já o governo bra­sileiro vê nesta subida de preços uma ameaça ao crescimento da economia e, portanto, cuida de aumentar a pro­dução alimentar interna por meio de oferta adicional de crédito aos agri­cultores familiares e empresariais na próxima safra.

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Para completar o quadro das cau­sas do encarecimento de minérios e alimentos, é preciso mencionar o uso de grande parte da safra de mi­lho dos Estados Unidos para fabricar etanol, o que elevou o preço deste cereal. Outros alimentos também são utilizados como fontes renováveis de bioenergia, por diversos países (in­clusive a cana pelo Brasil), o que pode contribuir para seu encarecimento. Além disso, todas as commodities são transacionadas em mercados alta­mente especulativos. Como a expec­tativa dominante é que os seus preços ainda aumentarão mais, os especu­ladores compram estoques reais ou virtuais4.

A inflação das commodities mine­rais, vegetais e animais é gerada nos mercados internacionais, em que são transacionadas. Portanto, esta inflação é externa a cada país e por isso parece estar fora do alcance dos governos nacionais. Mas, isso não é verdade. Se um governo quiser combater a inflação incrementando a oferta interna dos produtos em falta, em vez de sufocar a demanda efetiva, ele pode fazê-lo. Uma medida que vários países adotaram foi impedir a exportação de alimentos, necessários à demanda interna. O go­verno argentino fez isso mediante um aumento forte dos impostos sobre a exportação dos mesmos, o que desen­cadeou insurreição do agronegócio. No final de muita luta, o aumento dos impostos não foi aprovado. Se a ação do governo platino tivesse tido êxito, a oferta teria crescido, o que poderia ter estabilizado o custo de vida e, assim, evitado a generalização das elevações de preços, sem amputar a demanda efetiva interna e o crescimento da economia.

Para evitar que a especulação pre­cipite o processo inflacionário, cada governo poderia expropriar estoques de alimentos e racionar a sua distri­buição, a preços controlados. Medidas como essas têm de contar com amplo apoio popular, movido pela solida­riedade com os mais pobres, que não têm dinheiro para comprar o essencial para sua subsistência, quando os pre­ços de seus componentes aumentam demais. As federações de agricultores filiadas à Via Campesina demandam mudança estratégica da política, que deveria visar antes de tudo a seguran­ça alimentar por meio da proteção à produção nacional e o fim da expor­tação de alimentos. Como o acesso à alimentação deve ser um direito humano, eles não deveriam ser tran­sacionados como commodities, mas produzidos para o consumo local.

O mesmo raciocínio a Via Cam­pesina aplica à produção de energia obtida de biomassa, que poderia e deveria ser produzida em pequena escala pela agricultura familiar para seu próprio consumo. Esta política protegeria os pobres contra a cares­tia e acarretaria a desconcentração da produção e do comércio tanto de alimentos como de bioenergia. Mas, uma mudança tão ampla exigiria o colapso da hegemonia ideológica e polí­tica do neoliberalismo e a derrota dos interesses do grande capital aplicado na produção primária. Atualmente, não há perspectivas de que isso venha acontecer em breve, mas se a crise de escassez de minérios e alimentos per­sistir por muito tempo, agravada pelo aquecimento da terra, uma reviravolta como essa poderá ter lugar.

Conclusão

A atual inflação das commodities decorre em última análise de um cres­cente desequilíbrio entre o rápido crescimento das economias emergentes do sudeste asiático e da América Latina e a crescente devastação dos recursos naturais não-renováveis, dos quais depende o bem-estar da humanidade. Só assim se explica a persistente elevação dos preços, há quase três anos, sem que a produção de combustíveis, metais e alimentos acompanhe o au­mento da demanda. Se as economias emergentes moderassem seu cresci­mento, o que é possível, mas pouco provável, a inflação perderia ritmo, mas continuaria porque o custo de produção tanto do petróleo como dos produtos agrícolas não deixaria de aumentar, dado que o mero crescimento vegetativo da população mundial acarreta inevitável crescimento do consumo desses produtos.

Por isso, o combate neoliberal da inflação por meio do garroteamento da demanda impõe um sacrifício inú­til do crescimento e da melhoria das condições de vida dos mais pobres. Inútil porque a inflação é mundial, por causa da globalização das maiores economias, que as interliga comercialmente, mas não instaura nenhuma autoridade internacional que organize uma ação de reequilíbrio entre o consumo humano e a preservação (com recuperação) da natureza, de que depende aquele consumo. Em suma, o fundo da crise é ecológico e é neste terreno que a inflação dos produtos primários terá de ser enfrentada.

As propostas da Via Campesina devem ser levadas a sério. Elas de­mandam a desglobalização das eco­nomias para que governos possam lidar com a crise em seus respectivos âmbitos. Não custa lembrar que o governo Bush repudiou o Acordo de Kyoto, mas dezenas de governadores dos Estados Unidos resolveram adotar metas de redução de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa, o que levou o próprio Bush a mudar de posição e adotar metas de substi­tuição da gasolina por etanol.

Paul Singer é economista, secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego.

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