Economia

É fundamental mudar a forma de utilização da natureza e da mão-de-obra para o desenvolvimento sustentável

A economia da Amazônia envolve os mercados nacional e internacional e por isso exige uma produção de qualidade em escala empresarial. No entanto, é fundamental mudar a forma de utilização da natureza e da mão-de-obra para que as cadeias produtivas sigam uma trajetória de desenvolvimento sustentável

Novo modelo de desenvolvimento deve movimentar a economia de baixo para cima, potencializando atividades locais. Foto: Jefferson Rudy/MMA

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A economia da Amazônia depende da dinâmica de crescimento das principais cadeias produtivas, impulsionadas, sobretudo, pela expansão da renda e do consumo das demais regiões brasileiras e do mercado internacional. O abastecimento desses mercados exige da Amazônia uma produção de qualidade em escala empresarial, envolvendo as cadeias de produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, frutas regionais, pecuária de corte e de leite, mandioca, grãos e lavouras permanentes, pescado e peixes ornamentais e o turismo ecológico. Essas são cadeias com vinculação ao mercado nacional e internacional que respondem pelos US$ 21,3 bilhões do PIB do agronegócio (35% do PIB total da Amazônia), 1,73 milhão de pessoas ocupadas (42% da mão-de-obra total em atividade na Amazônia) e US$ 7,37 bilhões de exportação (25% do total exportado pela Amazônia Legal). No entanto, o modelo tecnológico praticado nessas cadeias produtivas não é sustentável.

Este artigo apresenta, de forma sucinta, as características das principais cadeias produtivas da Amazônia, põe em evidência as formas de utilização da natureza, mão-de-obra e tecnologia e indica alternativas para que tais cadeias sigam uma trajetória de desenvolvimento endógeno e sustentável.

Modelos econômicos 

O modelo econômico utilizado na Amazônia trata a empresa como uma função de produção, cuja eficiência alocativa exige a combinação ótima entre os fatores locais e os importados. O preço relativamente mais alto dos fatores importados conduz a um nível de produto em que os recursos naturais e a mão-de-obra local entram em maior proporção e geram pelo menos três desequilíbrios. O primeiro é o déficit na balança comercial desses setores, em função da deterioração dos termos de troca. O segundo desequilíbrio ocorre na dimensão ambiental, pois maior pressão é aplicada sobre o estoque de recursos naturais. O terceiro é o impacto social, em função da utilização de mão-de-obra local em condições de informalidade, com baixa remuneração e sem a garantia dos direitos trabalhistas. Esse modelo não conseguiu produzir a convergência de renda entre a região amazônica e as demais regiões brasileiras. A taxa de crescimento do PIB per capita da Amazônia entre 1995 e 2004 foi declinante, à 1,66% a.a.

As causas que fundamentam a utilização não sustentável dos recursos naturais na Amazônia são induzidas de fora para dentro. O aumento da renda dos países e regiões importadores de matéria-prima da Amazônia contribui para incrementar a demanda de produtos da natureza pelas empresas locais e reduzir o estoque de recursos naturais, uma vez que os preços de mercado desses produtos não refletem sua escassez nem o custo socioambiental das atividades econômicas praticadas na região. O comércio desses produtos e/ou matérias-primas é controlado por grandes organizações internacionais, que exploram os segmentos produtivos, tanto na compra dos produtos quanto na venda de insumos: na compra fixam o preço do produto em nível próximo ao custo de produção e na venda de insumos e bens de capital fixam os preços em nível acima dos preços de concorrência, extraindo mais-valia. A dependência de insumos intermediários das atividades produtivas da Amazônia, em 2003, foi de 25,47% e na agropecuária de 36,6% de suas necessidades, acima da utilização de insumos produzidos na própria região. Para que os produtores se mantenham no mercado, dada sua ação individualizada, a avançar sobre os recursos naturais, utilizar mão-de-obra informal e/ou escrava, crédito subsidiado e incentivo fiscal, estabelecimentos não legalizados e a infraestrutura pública, mediante tecnologias intensivas em máquinas e agroquímicos, que causam grande impacto negativo sobre a natureza e as comunidades rurais.

O novo modelo de desenvolvimento considera a empresa como uma instituição com capacidade de articulação com fornecedores e clientes e de movimentar a economia de baixo para cima, conforme Barquero (2001), Llorens (2001) e Santana (2008). Em vez de se pautar na concentração da atividade produtiva, localizada em um número reduzido de grandes centros urbanos para depois se disseminar para outros centros, por meio dos mecanismos de mercado, potencializa o desenvolvimento de atividades enraizadas em territórios concretos. Nesse processo, as empresas, organizações, instituições e a sociedade local tem papel fundamental no processo de crescimento e mudança estrutural da economia. Os sistemas com potencial de formar arranjos produtivos sustentáveis, todavia, não tem escala e o arranjo institucional, na lógica tradicional de otimização do uso dos recursos, apresenta ameaça real ao estoque dos recursos naturais.

Essa perspectiva de desenvolvimento identifica as comunidades rurais da Amazônia e a dotação do conjunto de recursos (econômicos, humanos, tecnológicos, institucionais e culturais) que determina a estrutura produtiva, o mercado de trabalho (demanda e oferta de mão-de-obra para os sistemas locais), a capacidade empresarial e organizativa (articulada à tradição local), a informação e o conhecimento tecnológico (inovação de produto, processo e gestão para as unidades produtivas locais), os recursos naturais (solo, floresta, água, clima), a infraestrutura (transporte, energia, comunicação, saúde e educação), o sistema social e político (organizações e representações sociais, códigos de conduta), a tradição e cultura, em função dos quais se articulam os processos de crescimento econômico local, em diversas fases de maturação.

A difusão desse processo de desenvolvimento mediante a criação de competitividade sistêmica pelas empresas, nos mercados nacionais e internacionais, denomina-se desenvolvimento local ou endógeno, cuja referência está no aumento da convergência da renda per capita e da acumulação de capital em localidades e territórios concretos. A grande questão é que, na maioria dos sistemas extrativistas e de agricultura familiar, a organização é frágil, não tem escala e a qualidade do produto é baixa para atender às exigências do mercado. A questão é como estruturar essas economias para que possam mover o multiplicador de renda, produção e emprego e disseminar seus efeitos para toda a economia regional.  [/nextpage]

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Escolhas produtivas 

As inovações tecnológicas e de gestão, utilizadas nos sistemas agrários difundidos nas unidades produtivas da Amazônia, estendem-se do tradicional, generalizado nas unidades agropecuárias e extrativistas, passando pelos sistemas de produção mecanizados, aos sistemas de baixo impacto ambiental, como plantio direto, pastagem rotacionada, manejo florestal, sistemas de produção agroflorestal e silvipastoril, bem como unidades diversificadas. No entorno desses sistemas existe um leque de nanonegócios sendo desenvolvidos em alguns territórios que concentram aglomerações de empresas. Sistema de produção de frutas e de produtos não-madeireiros, vinculados ao artesanato e à indústria de cosméticos, de fármacos, de alimentos, produtos orgânicos e do extrativismo, frutas e óleos vegetais, conectados a agroindústrias, adensando cadeias produtivas a partir das comunidades rurais com diversos graus de organização.

Madeira

A cadeia produtiva da madeira gerou uma receita de US$ 6,03 bilhões, exportou US$ 1,54 bilhão e ocupou 75.224 pessoas em 2007. Contudo, em função da legislação ambiental e da exigência do mercado mundial, a técnica de manejo florestal de impacto reduzido ganha generalidade ao lado dos sistemas de certificação e de implantação da cadeia de custódia. A produção de madeira em sistemas agroflorestais e silvipastoris, em áreas degradadas, também está em processo de expansão nos estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso, assim como o reflorestamento para abastecimento das indústrias de madeira (laminado, compensado, cavaco e celulose) e de carvão. O sistema homogêneo com paricá, no estado do Pará, está sendo infestado por oito pragas ainda não catalogadas, que atacam a planta em todas as fases de desenvolvimento e causam grandes prejuízos econômicos. Isso alerta para o possível impacto ecológico que o projeto paraense de implantar 1 bilhão de árvores pode causar. Nos sistemas agroflorestais e silvipastoris com paricá, não foi registrada a presença dessas pragas.

A exploração dos recursos em áreas de floresta densa, sob manejo sustentado (áreas de domínio próprio e/ou Resex), necessita de regulação por meio de uma governança eficiente para assegurar a exploração racional e sustentável de produtos madeireiros e não-madeireiros. Esse modelo de exploração tem um significado estrutural importante porque exige a aplicação de uma nova função de produção para medir a racionalidade de uso dos fatores de produção trabalho, capital e natureza, pondo no miolo do sistema de equações os agentes do extrativismo e da pequena produção.

Em vez de uma exploração homogênea, que nega o conhecimento da biodiversidade, passa-se para um enfoque plural, envolvendo diversos produtos com pesos diferentes para manter a sustentabilidade da unidade produtiva, na área econômica (valor de produção), social (ocupação de mão-de-obra e distribuição de renda) e ambiental (produtividade mantida em longo prazo). Com isso, os nanonegócios podem contribuir para mostrar que a exploração florestal multiproduto é tão rentável e competitiva quanto a agropecuária uniproduto, em longo prazo. Nessa nova perspectiva, além do interesse na extração de madeira e aproveitamento dos resíduos da madeira, exploram-se os produtos não-madeireiros como óleos, cascas, raízes, cipós, frutas, tocos, sementes, insetos, mel, as belezas cênicas e os serviços do turismo ecológico, como forma de inclusão social das comunidades pobres, que habitam o entorno dos projetos de manejo ou sobrevivem das reservas extrativistas. Esses sistemas alternativos de produção, dada sua generalidade e complexidade na utilização de recursos, possibilitam aumentar o valor agregado da produção, a ocupação de mão-de-obra e a produtividade total dos fatores.

Pecuária  

Na cadeia produtiva de pecuária, predomina o uso extensivo do solo, que exige a retirada da floresta para a formação de pastagem, sem a utilização de práticas conservacionistas. Em 2007, gerou ocupação para 452 mil pessoas e um PIB de US$ 7,15 bilhões. Esse, talvez, seja o sistema de produção de maior passivo socioambiental na Amazônia. A racionalização desse sistema, de modo a atender aos requisitos das legislações ambiental, trabalhista, fundiária e de qualidade do produto (certificação e rastreabilidade), exige uma escala mínima de 5 mil UA, para os estados de Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins. Como mais de 95% da produção da pecuária regional desenvolve-se em área inferior a 5 mil hectares, significa dizer que o lucro obtido nessas unidades produtivas embute a expropriação dos recursos naturais e do trabalho. Esse sistema não interessa aos amazônidas, porque é ineficiente economicamente, insustentável ambientalmente e concentrador socialmente. Assim, a alternativa seria implantar sistemas de pastejo rotacionado de alta produtividade, sistema lavoura-pecuária, sistemas silvipastoris e combinações, visando elevar a produtividade da terra de 0,8 UA/ha para de 4 a 6 UA/ha, reduzir a quantidade de agroquímico, aumentar o número de emprego e a participação dos pequenos produtores no sistema.

A forma de inclusão das pequenas unidades produtivas ao mercado da pecuária de corte e/ou de leite é aplicar as boas práticas de produção no campo, fazendo a recuperação das áreas de pastagem com técnicas agronômicas e a reconstrução da reserva florestal com sistema silvipastoril, agroflorestal e/ou reflorestamento das áreas críticas. Além disso, esses sistemas permitem a certificação como um mecanismo de desenvolvimento limpo e podem gerar renda a partir da venda de crédito de carbono. No estado do Pará, especificamente, alguns sistemas silvipastoris (árvores com boi e árvores com ovinos) apresentaram viabilidade econômica em áreas de 200 hectares. Portanto, plenamente ao alcance da pequena produção da Amazônia. As boas práticas de produção no campo também estão em curso, mediante a integração de unidades produtivas com áreas de pastagens degradadas a uma agroindústria exportadora, mediante contrato e certificação. Essa cadeia foi a que apresentou maior efeito multiplicador de emprego (1,85) e renda (4,84) no segmento de frigoríficos além de um forte encadeamento produtivo para trás, indicando que a atividade contempla uma forte cadeia de fornecedores, com possibilidade de alavancar os multiplicadores em resposta aos incrementos da demanda final.

Grãos

Na cadeia produtiva de grãos, que praticava uma agricultura diversificada, alavancada por pequenos produtores de arroz, milho, feijão e mandioca, pimenta-do-reino, cacau e frutas, assiste-se agora a uma mudança vertiginosa com a introdução de tecnologia mecânica e química na produção homogênea de arroz, milho e soja em grandes áreas. Os efeitos na exclusão de produtores amazônidas desse sistema, porque exótico e em grande escala econômica, está relativamente se tornando hegemônico. Os impactos sobre o meio ambiente local também são de dimensão ainda não mensurável, porém com resultados concretos sobre a natureza e a sociedade local.

Esse modelo de produção de commodities talvez seja o mais expropriador da renda gerada na economia rural, uma vez que submete os agricultores a um processo contínuo e linear em que a relação de troca entre os preços das commodities e dos insumos é declinante. Isso significa que o custo de produção é controlado para cima pelas corporações que negociam insumos e tecnologia com os produtores e os preços dos produtos pressionados para baixo por meio das agroindústrias e das trades que comercializam os produtos. Dessa ação articulada, a menor parcela da renda fica com os produtores, quase sempre insuficiente para se auto-reproduzir. Portanto, o sistema não é sustentável, pois, a qualquer movimento de queda nos preços das commodities ou de aumento nos preços dos insumos, a sociedade é chamada a arcar com os prejuízos dos produtores.

O modelo alternativo, com menor impacto sobre o desemprego e exclusão dos pequenos produtores e redução do efeito sobre a natureza (solo, água e ar), é a utilização do plantio direto e rotação de culturas, sistemas de consórcios e agroflorestais, assim como o sistema de rotação lavoura-pecuária, tudo viável em pequenas unidades de produção socialmente organizadas. A cadeia produtiva de lavoura temporária na Amazônia apresentou um efeito multiplicador de renda de 1,44 e de emprego de 2,23, mostrando que para cada milhão de reais de aumento na demanda final as massas de salários e de ocupação de mão-de-obra podem ser incrementadas por esses respectivos coeficientes.

Fruticultura

A cadeia de fruticultura na Amazônia é um exemplo de sistema diversificado desenvolvido por pequenos produtores em quintais, sistemas agroflorestais em pequenas áreas, manejo sustentável de frutas nativas (açaí, bacuri, taperebá) e cultivos homogêneos, em diversas escalas, de cupuaçu, açaí, laranja, abacaxi, maracujá, acerola, abacate, goiaba. O apoio à ampliação dos sistemas agroflorestais e de consórcios agrícolas, integrados a uma agroindústria multiproduto e ao mercado consumidor, se possível articulada com cooperativas de produtores envolvendo essa diversidade de sistemas de produção, permite a sustentabilidade de toda a cadeia produtiva.

A organização social para compra de insumos e venda coletiva de produtos como base da dinâmica dos mercados de produtos orgânicos, mercados justos, mercado futuro, com negociações ancoradas nos princípios da economia dos custos de transação, com o fito de estimular um conjunto de cadeias produtivas com nódulos fortes de integração horizontal e vertical, com base no modelo de desenvolvimento endógeno e sustentável.

A cadeia produtiva de frutas da Amazônia tem um PIB de US$ 120,5 milhões, cerca de 1% do PIB da fruticultura brasileira, e exportou US$ 43 milhões. O alcance social é amplo, pois ocupa 124 mil pessoas diretamente, com efeito multiplicador de emprego de 2,049 e multiplicador de renda de 1,662, além de um efeito de encadeamento para trás de 1,081. Isso revela que há empresas operando com retornos crescentes à escala, que é a alavanca que movimenta o desenvolvimento local.[/nextpage]

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Considerações finais  

A inclusão sustentável dos nanonegócios (produção extrativa - ­ em que boa parte compõe a economia invisível ­ e pequena agricultura) e dos demais sistemas exige a regularização fundiária, o zoneamento ecológico e econômico, o redirecionamento dos instrumentos de crédito e dos incentivos fiscais, a formação diferenciada de profissionais das ciências agrárias, biológicas e sociais com perfil multidisciplinar (exige-se uma reorientação na matriz curricular dos cursos de graduação e pós-graduação), formação de empreendedores para dar nova dimensão ao capital humano (grau de cultura e de habilidades das pessoas), construção de capital social (nível das organizações dos agentes e de sua capacidade de reconhecer, criar e aplicar conhecimentos), criação e difusão de tecnologias apropriadas e elementos estratégicos de governança com vistas a controlar a dinâmica de desenvolvimento das cadeias produtivas, para fundamentar essa nova trajetória endógena e sustentável de desenvolvimento da Amazônia.

A economia da Amazônia, já identificada e mapeada em territórios que adensam pencas de aglomerações empresariais (nos três setores da economia), necessita de organização e formação de redes de negócios, articuladas a empresas inseridas nos mercados globais, e criar as externalidades de aglomeração. É preciso, portanto, criar uma estrutura de governança capaz de coordenar os arranjos institucionais para potencializar o empoderamento dos nanonegócios, vinculando as inovações à cultura, às capacidades de suporte da natureza e ao capital humano.

Antônio Cordeiro de Santana é doutor em Economia Rural e professor associado II da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)

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