Sociedade

A capital do Pará sediou o evento que aglutina diversos pensamentos sobre um outro mundo possível. Publicamos aqui algumas opiniões sobre o Fórum

A capital do Pará sediou o evento que aglutina diversos pensamentos sobre um outro mundo possível. Organizações e movimentos de 142 países apresentaram atividades variadas. Publicamos aqui algumas opiniões sobre o Fórum

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A Amazônia como tema

João Batista Barbosa da Silva, presidente do Diretório Estadual do PT/PA

A realização da 9ª edição do Fórum Social Mundial em Belém se constituiu em uma oportunidade rara para debater a temática amazônica. O evento mexeu com a perspectiva da cidade e elevou a autoestima dos paraenses.

Alguns momentos foram marcantes, a começar pela Marcha de Abertura do Fórum, que, apesar da chuva torrencial que frequentemente desaba no estado, atraiu a atenção da população ­ milhares de pessoas aderiram à manifestação no percurso de quatro quilômetros. Como anfitriã dos participantes de vários lugares do mundo, a governadora Ana Júlia Carepa integrou a caminhada, enfatizando a defesa da Amazônia não só preservada, mas também capaz de proporcionar dignidade à população.

Outro ponto alto do evento foi o encontro de autoridades, promovido pela CUT, pelo Ibase e pelo Instituto Paulo Freire, que reuniu cinco chefes de Estado latino-americanos. Aproximadamente 20 mil pessoas saudaram os presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil). O FSM ganhou peso e densidade política internacional.

No momento em que o Fórum Econômico de Davos, na Suíça, é afetado pela crise mundial do capitalismo, o FSM abre espaço para o pronunciamento de chefes de Estado latino-americanos sobre questões candentes da agenda socioeconômica dos povos do Sul, que, todavia, interferem nos destinos do mundo. Para possibilitar esse momento histórico, o Partido dos Trabalhadores, membro efetivo e fundador do Fórum de São Paulo, participou ativamente das articulações, garantindo a presença das autoridades e também a mobilização das bases partidárias, em conjunto com as direções municipais do partido e com os petistas dirigentes de movimentos sociais. Como resultado, obteve ampla participação nessa atividade de integração latino-americana.

Temos de considerar que o Fórum Social é uma instância de debates da sociedade civil e nele não cabe representação de partidos ou Estados. Contudo, são notórias a presença de militantes petistas em organizações e movimentos sociais em todo o Brasil e a iniciativa partidária na construção de fundações, com destaque à Fundação Perseu Abramo. Portanto, a grande inserção partidária se dá por intermédio dos nossos militantes e das organizações por eles dirigidas.

Nas reuniões com militantes e simpatizantes do partido que atuam nos movimentos sociais, as diretrizes partidárias sobre temas polêmicos que pudessem surgir no decorrer das atividades do FSM foram amplamente debatidas. Devido ao caráter internacional do evento, foram especialmente discutidas as controvérsias em relação ao aproveitamento energético dos recursos hídricos da Amazônia, à regularização fundiária e à política de direitos humanos.

Por tudo isso, consideramos altamente positivo o resultado de nossas ações, articulações e encaminhamentos durante o FSM. Apesar das dificuldades, desenvolvemos com sucesso as atividades programadas, nos empenhamos nas iniciativas realizadas em conjunto com a Fundação Maurício Grabois, bem como naquelas em conjunto com a Delegação Cubana presente no FSM.

Eventos como a palestra da ministra Dilma Rousseff e dirigentes políticos do Brasil e do exterior, o ato em homenagem a Chico Mendes e programações ligadas à economia solidária e às comemorações do cinquentenário da revolução cubana ocorreram com discussões importantes, polêmicas e oportunas, que resultaram em encaminhamentos, como a Caravana da Anistia, que virá a Belém no primeiro semestre para discutir os processos dos perseguidos na Guerrilha do Araguaia, durante a ditadura militar. Esses e outros eventos, promovidos pela Comissão Executiva Estadual, em articulação com a Direção Nacional e a Fundação Perseu Abramo, incentivaram a reorganização do partido, da sua juventude, dos seus setoriais, e intensificaram a relação com os movimentos sociais e ambientais.

Nós, anfitriões dos petistas no Pará, concluímos com alegria e orgulho amazônida o saldo extremamente positivo deixado pelo 9º FSM na Amazônia, com a presença de 135 mil pessoas e a participação de intelectuais, políticos, movimentos de mulheres, sindicatos, grupos culturais, povos indígenas, cooperativas e uma diversidade cultural de 142 países. O evento deixou ainda um saldo produtivo para o nosso povo e para os povos do mundo, não apenas na promoção de debates de interesse da Amazônia, mas para pensar numa outra sociedade, menos consumista, menos capitalista e menos globalizada. Nosso desafio é encontrar uma saída, um outro caminho para o futuro do mundo e do planeta.

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O novo mundo virá pelas nossas mãos

Lucia Stumpf, presidente da UNE

Já vivemos em um outro mundo se compararmos o cenário do 1º Fórum Social Mundial (FSM), em 2001, com o contexto em que se desenrolou sua 9ª edição, realizada no início deste ano, em Belém (PA). De lá para cá, vimos ruir o triunfalismo e a arrogância dos Estados Unidos ­ que proclamavam a inauguração de uma nova era liberal e ameaçavam os povos e a soberania das nações a pretexto de sua "guerra ao terror" ­ e chegamos à deterioração de um sistema econômico em uma crise sem precedentes e à flagrante derrota dos propósitos belicistas dos EUA no Iraque e no Oriente Médio.

Esse foi o mais brasileiro dos fóruns aqui realizados. O mais moreno e negro e também o com maior protagonismo da juventude. O Acampamento Internacional da Juventude (AIJ), apesar das falhas na organização, abrigou 10 mil jovens. A esmagadora maioria vinda de todos os cantos do Brasil, demonstrando o poder de atração do Fórum sobre esse público guiado pelo espírito rebelde ou pela curiosidade de participar do maior evento altermundista e de contestação.

Foi no território do AIJ que a União Nacional dos Estudantes (UNE), em conjunto com a Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (Oclae), lançou a campanha "A Amazônia é nossa!" em defesa do meio ambiente e da soberania dos povos e nações. Foi aí também que realizamos o Encontro Internacional dos Estudantes, reunindo representações de mais de quinze países, que reafirmaram a luta contra a mercantilização da educação e contra a entrada da educação nos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) como bandeiras prioritárias da juventude de todo o mundo.

Essa edição abrigou um importante encontro entre governos e sociedade civil ao reunir cinco chefes de Estado para debater com os movimentos sociais uma agenda progressista de enfrentamento da crise e de promoção da integração da América Latina. Pela força política e simbólica ali contidas, esse foi o mais contundente contraponto já feito pelo FSM a Davos.

O fortalecimento do processo FSM e as tensões impostas pelo atual momento exigem que o encontro, ao manter seu caráter plural, sirva cada vez mais como impulsionador de mobilizações mundiais. É hora, portanto, de repensar o Fórum para potencializar seu papel na construção do outro mundo possível que buscamos e ainda está longe de ser alcançado.

A carta aprovada pela Assembleia dos Movimentos Sociais convoca uma jornada de lutas, levando às ruas duas bandeiras: a primeira, que os povos não devem pagar por essa crise; e a segunda, contra a guerra. É preciso dar consequência à unidade estabelecida. Fortalecer o papel dos movimentos sociais e da juventude no processo de construção do FSM é um passo determinante na luta pelo novo mundo que virá pelas nossas mãos.

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Desafios radicais e luta altermundialista

Moema Miranda, coordenadora do Ibase e membro do Grupo de Facilitação do FSM 2009

O Fórum Social Mundial 2009 ocorreu em Belém, porta da Amazônia, em um momento de profunda crise do modelo capitalista. Não se trata de um conjunto de crises (financeira, ambiental, alimentar etc.), mas sim de uma crise civilizatória, como afirmaram as organizações indígenas que tiveram presença política marcante no FMS, em janeiro.

A radicalidade da crise exige uma capacidade ainda mais radical e ampla de articulação do movimento altermundialista. A escolha da Amazônia como sede do Fórum não foi causal: estava ligada à compreensão de que a região, complexa e transfronteiriça, concentra e expressa os principais aspectos em disputa neste momento. A crise agravou o quadro, mas este já estava anunciado pelo sentido hegemônico que tomou o modelo capitalista.

O lugar e sua gente em luta, os(as) pan-amazônicos(as), em encontro com andinos, quilombolas, ribeinhos etc., foram protagonistas de um diálogo político que lançou novas perspectivas para o debate altermundialista. As organizações indígenas "sustentaram a proposta de um mundo descolonizado, baseado na justiça ambiental, nos bens comuns e no bem-viver, articulado a partir dos direitos coletivos em estados plurinacionais" segundo José Corrêa Leite ("Belém 2009: o Fórum mais importante" no site do FSM). Temas , novos para os atores "clássicos". Mas temas que se prestam a uma articulação e aliança ampla com movimentos camponeses, ambientalistas, feministas e movimentos urbanos, não só da América Latina.

A possibilidade de visibilizar novas agendas e fortalecer articulações e atores clássicos (sindicalistas, camponeses etc.) foi favorecida pela realização das assembleias autogestionadas. Aí se construiu um calendário de lutas, com rebatimento do local ao internacional, que ocupa todo o ano de 2009 e poderá ser reapropriado nos diferentes países e regiões.

O Fórum não pode nem deve substituir os movimentos e organizações sociais populares em sua capacidade intransferível de organizar a luta de resistência e avançar na construção de alternativas. É ilusão esperar que o Fórum resolva o que, em termos políticos, os movimentos não resolveram.

Mas ele só tem sentido se estiver a serviço dessas lutas. Deve, portanto, ser espaço, lugar, ponto de encontro apropriado por todos(as) os(as) que lutamos por um "outro mundo possível" (síntese de muitas expressões do altermundialismo, anticapitalismo, socialismo) para organizar e articular nossas lutas. O FSM 2009 foi isso.

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A participação do PT

Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT

O Diretório Nacional do PT constituiu um Grupo de Trabalho (GT) encarregado de organizar a participação do PT no Fórum Social Mundial, realizado de 27 de janeiro a 1º de fevereiro de 2009, em Belém do Pará.

Esse GT recebeu uma orientação política baseada, por um lado, na importância do FSM e na tradicional participação do PT em sua realização; e, por outro lado, numa avaliação da conjuntura internacional, latino-americana, amazônica, brasileira e paraense.

Com base nessa avaliação política, o GT elaborou e implementou um plano de trabalho, incluindo: mobilização de militantes, dirigentes e mandatários; divulgação de um documento político dirigido a todos os participantes do FSM, com tradução para o espanhol e o inglês; edição especial da revista Teoria e Debate; publicação diária de um boletim do PT, de 27 a 31 de janeiro; organização e/ou participação em diversos debates durante o FSM (com destaque para atividades da Fundação Perseu Abramo, do Foro de SP, dos setoriais de mulheres, cultura e combate ao racismo do partido); forte presença visual do partido, incluindo outdoors de boas-vindas, bloco do PT durante a marcha inaugural, camisetas e bandeiras do PT, festa etc.; organização do Foro Parlamentar Mundial e estímulo à participação de executivos no Foro de Autoridades Locais e no Fala; mobilização para a atividade com o presidente Lula e demais presidentes; atividade com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff; apoio para a Tenda de Cuba, comemorativa aos 50 anos da revolução; e participação no Acampamento Internacional da Juventude.

Concluído o FSM, no dia 9 de fevereiro apresentamos ao DN uma avaliação preliminar tanto da participação do PT quanto do FSM como um todo, destacando:

·a derrota de Davos;

·o encontro dos presidentes como principal marco ("fotografia") deste FSM;

·o crescente esgotamento da hegemonia de algumas ONGs, que rechaçam a participação dos partidos políticos, enxergam de maneira unilateral e às vezes oportunista o papel dos governos, não compreendendo ainda a necessidade do FSM produzir sínteses que convoquem à mobilização;

·a forte presença do PT,com destaque para a militância paraense e da região amazônica, contribuindo para o debate, bem como neutralizando ataques;

·o destaque da Tenda de Cuba e a sinergia entre esta e as atividades da Fundação Perseu Abramo, do Foro de São Paulo, e do PT ali realizadas; ·a cobertura pobre e distorcida da mídia;

·a necessidade de aprofundar o debate e a formulação acerca da crise e das alternativas de esquerda.

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