Internacional

A Cidade do México sediou a 15ª edição do Foro de São Paulo, com presença de 63 partidos e organizações da América Latina e outras partes do mundo

A Cidade do México sediou a 15ª edição do Foro de São Paulo, com presença de 63 partidos e organizações da América Latina e outras partes do mundo. O evento, que desde 1990 aglutina a esquerda do continente, foi espaço de intenso debate político

Grupos de discussão apresentam relatórios temáticos para a plenária final. Foto: Laisy Moriére

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Quando Luiz Inácio Lula da Silva e Fidel Castro tiveram a ideia de convocar um encontro de partidos de esquerda da América Latina e Caribe, no já distante ano de 1990, talvez não pudessem imaginar que, dezenove anos depois, a iniciativa teria continuidade, permaneceria viva. Foi o que demonstrou a realização do XV Encontro do Foro de São Paulo, de 20 a 23 de agosto, na Cidade do México, do qual participaram 520 delegados e delegadas provenientes de 32 países da região, além de algumas dezenas de convidados e convidadas de outras partes do mundo, representando 63 partidos e organizações de esquerda.

Do Brasil, estavam presentes o PT ­ que atualmente ocupa a Secretaria Executiva do Foro ­, com uma delegação de onze pessoas; o PCdoB, com dois delegados; e o PSB, que enviou um representante.

Em termos gerais, o Foro foi, mais uma vez, um espaço de intenso debate político, reuniões bilaterais e multilaterais, intercâmbio de ideias e propostas. Mas, em especial, do exercício daquilo que constitui o sentido de sua existência: a busca por articular a ação das diversas e plurais forças de esquerda na América Latina, traçando objetivos e estratégias comuns, de modo a potencializar sua luta e fortalecer sua capacidade de intervenção política nesta que é ainda a região mais desigual do mundo. Ou, em palavras mais simples, que são uma espécie de mote do FSP: a construção da unidade na diversidade.

O desafio de unificar forças políticas de esquerda de diferentes matrizes ideológicas e estratégicas esteve na raiz da proposta idealizada por Lula e Fidel. A primeira reunião, realizada na cidade que viria a dar nome ao Foro ­ e tendo por partido anfitrião o PT ­, ocorreu sob a égide da crise do socialismo, da Queda do Muro e da ascensão do neoliberalismo. Cuba aparecia então como uma voz solitária entre os governos latino-americanos, apesar dos bons resultados obtidos pelos setores progressistas em recentes disputas eleitorais, com destaque para o México, em 1988 ­ onde uma fraude eleitoral arrancou a vitória de Cuauhtémoc Cárdenas ­, e para o Brasil, em 1989 ­ quando Lula foi ao segundo turno e por uma margem pequena de votos não se elegeu presidente do país.

Passadas quase duas décadas, e após um período de hegemonia dos governos neoliberais na região, a situação política na América Latina alterou-se bastante. Vários dos partidos e organizações do FSP chegaram hoje ao governo em seu país. Não é exagerada, pois, a ideia de um "giro à esquerda" no continente, assinalada pelo texto-base debatido no XV Encontro.

Se de um lado esse "giro" demonstra o acerto da iniciativa de constituição do Foro ­ além, é claro, da força da esquerda latino-americana ­, de outro coloca para seus integrantes novos desafios políticos e organizativos. Mais do que um espaço de articulação da resistência contra conservadores e neoliberais, é preciso que o Foro converta-se em um instrumento mais eficaz de intervenção na realidade, o que significa ampliar sua capacidade de análise e de proposição de medidas concretas para fazer avançar o projeto de esquerda na região, de modo que a situação política atual não seja apenas um hiato progressista em meio a uma história de  desigualdade, exploração e autoritarismo.

Essa preocupação, aliás, levou à aprovação de uma mudança na atual estrutura organizativa do FSP. Junto à Secretaria Executiva, indicada pelo Grupo de Trabalho, passarão a atuar três secretarias adjuntas, indicadas pelas regionais hoje existentes no Foro (Cone Sul, Andino-Amazônica e Mesoamericana e Caribenha).

A busca por responder aos desafios organizativos esteve assim presente em todo o XV Encontro, ao lado do debate sobre os temas centrais da conjuntura latino-americana, com destaque para a crise estrutural do capitalismo, a necessidade de conter os avanços da direita no continente, a importância de aprofundar a integração da região e, sobretudo, o fato de que esses objetivos não podem ser alcançados sem que o projeto transformador da esquerda se materialize em reformas estruturais nas sociedades em que os partidos do Foro atuam ­ principalmente naquelas em que têm a responsabilidade de integrar os governos nacionais.

Honduras e bases militares  

Como era de esperar, dois temas mereceram destaque no XV Encontro: o golpe de Estado em Honduras e a recente aprovação do acordo entre o governo colombiano e o norte-americano, que franqueia a instalação de bases militares dos EUA no território do país latino-americano.

Ambos os episódios são lidos como manifestações particulares de uma tendência mais geral, que se refere a uma contraofensiva da direita frente aos avanços obtidos pelas forças políticas e sociais de esquerda nessa região.

No caso de Honduras, o alerta é para o retorno dos métodos que alguns consideravam banidos na América Latina, a mostrar que o apreço pela democracia por parte das forças mais reacionárias não passa de um discurso vazio: quando não atingem seus objetivos pelas vias institucionais, não se constrangem em utilizar mecanismos "heterodoxos" e violentos para retomar plenamente o poder. Mais do que a situação de um país em particular, portanto, o problema hondurenho foi visto pelo Foro como uma espécie de laboratório para a retomada desse tipo de ação. Nesse sentido, foi aprovada uma resolução específica, condenando "energicamente" o golpe. Esta, assim como as demais, encontra-se disponível no endereço eletrônico www.pt.org.br/portalpt/ foro/documentos.php.

O caso das bases militares, por sua vez, associado à recente reativação da IV Frota Naval, sugere que a estratégia de militarização da política internacional dos EUA segue firme, apesar do discurso soft power de Barack Obama. Instaladas em locais-chave do território colombiano, poderão transformar o país em uma espécie de "porta-aviões" dos norte-americanos para operações na região, na opinião de uma das delegadas da Colômbia presentes ao Foro. Não por acaso, o FSP aprovou, para o próximo ano, a convocatória de um encontro continental dos movimentos sociais e partidos políticos pela paz e contra a presença militar imperialista.

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Impedir a volta da direita  

A contraofensiva das forças conservadoras e de direita, se possui nos dois episódios citados seus sinais mais evidentes, também pôde ser constatada em recentes resultados eleitorais nos países latino-americanos (como no caso panamenho e nas eleições parlamentares argentinas), bem como no aumento do tom da disputa feita através dos meios de comunicação, monopolizados na imensa maioria desses países por representantes desses setores.

Por isso mesmo, mereceram especial atenção do FSP os processos eleitorais que se avizinham em importantes países hoje governados por forças progressistas e de esquerda. Ainda este ano, haverá eleições para a Presidência do Uruguai, da Bolívia e do Chile. Em 2010, será a vez do Brasil.

Não obstantes os altos índices de aprovação dos atuais governantes desses países, as transformações positivas que produziram na vida das sociedades que governam e até a capacidade que têm demonstrado de enfrentar a atual crise do capitalismo, todos no FSP concordam que é preciso não subestimar a força, o poder e mesmo a falta de escrúpulos dos grupos que constituem a oposição na região, para os quais uma nova rodada de vitórias da esquerda significará um golpe ainda mais duro que os sofridos até agora.

Por essa razão, os partidos que integram o FSP parecem convencidos da necessidade de converter esses pleitos eleitorais em uma clara disputa de projetos antagônicos.

Isso significa que não basta mostrar por que as sociedades latino-americanas não devem optar pelo retorno às velhas fórmulas que tanto mal causaram à região. É preciso deixar evidente que a manutenção da esquerda no poder possibilitará um aprofundamento das transformações, em um processo que apenas se iniciou, dado que as mazelas presentes neste canto do mundo ainda têm de ser decididamente enfrentadas e superadas.

Na mesma direção, deve-se avançar na conquista dos governos dos países latino-americanos ainda sob a tutela das forças conservadoras e neoliberais. México, Peru e Colômbia são apontados como casos que merecem a maior atenção, por sua importância estratégica.

Outro tema relevante abordado pelo Foro foi a persistência do colonialismo na região, seja na sua forma direta, seja nas derivadas da dominação econômica. A esse respeito, foi aprovada para o próximo ano a realização de um evento de caráter continental, justamente no momento em que países de peso da região comemoram 200 anos de independência formal.

Somos o futuro, mas não só  

Uma novidade que guarda relação com o objetivo de aprimorar a estrutura do Foro foi a realização, em paralelo, do I Encontro das Juventudes do FSP, que contou com a participação de dezoito organizações, representando quinze países da região.

A declaração final do evento, lida e aclamada na plenária geral do Foro, destacou o impacto que a crise tem especialmente sobre esse segmento da sociedade. Mais que isso, procurou, de forma enfática, reafirmar a juventude como sujeito social e histórico importante: "Somos o futuro, mas não só isso. Vivemos o presente e somos atores políticos fundamentais para a transformação de nossas realidades de hoje. Temos direitos que historicamente têm sido relegados. Por isso, os partidos de esquerda da América Latina e o Foro de São Paulo têm o desafio de fortalecer iniciativas que garantam conquistas para um desenvolvimento integral das e dos jovens".

Para dar concretude a essa ideia, o I Encontro aprovou também os passos iniciais para a consolidação de um organismo da juventude no âmbito do Foro, com a formação de uma comissão provisória e a proposta de constituição de um grupo de trabalho específico.

Fundações e escolas  

Outro fato que merece destaque foi a reunião de fundações e escolas partidárias no primeiro dia das atividades oficiais do evento. Na história do FSP, são comuns encontros setoriais ­ assim como entre as três secretarias regionais ­ antecedendo à instalação da plenária final. Dessa forma, essa reunião deu-se paralelamente à de autoridades nacionais, de parlamentares, de movimentos sociais, de povos originários e afrodescendentes, de militantes da cultura e de mulheres.

A proposta do encontro surgiu da necessidade de uma intensificação do trabalho de formulação, reflexão política e análise da complexa realidade latino-americana, com destaque para o estudo e a sistematização dos avanços obtidos e dos principais obstáculos enfrentados pelo projeto da esquerda hoje na região, fundamentais para capacitar o FSP a ser um instrumento de intervenção na realidade.

Coordenado pela Fundação Perseu Abramo, do Brasil, contou com mais de cinquenta representantes de fundações e escolas de formação vinculadas aos partidos-membros do Foro, que assumiram o compromisso de iniciar um processo de integração e planejamento articulado de suas ações em três áreas centrais: investigação, formação e divulgação. A ideia é que esse esforço resulte na criação de um observatório latino-americano que avalie sobretudo a experiência dos governos de esquerda e progressistas da região.

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Medalha Ana Maria Stuart  

O XV Encontro do Foro de São Paulo foi ainda um espaço para homenagens àqueles e àquelas que contribuíram para a causa que dá sentido a sua existência. Assim, além da esperada saudação aos 50 anos da Revolução Cubana, foram lembrados nomes como o dominicano Juan Bosch e o uruguaio Mario Benedetti.

Uma das menções, infelizmente, foi motivada por um terrível fato ocorrido no momento mesmo em que se realizava o XV Encontro. No dia 22 de agosto, Armando Chavarría, dirigente histórico do PRD mexicano, foi covardemente assassinado ao sair de sua casa, na cidade de Chilpancingo, estado de Guerrero.

A principal homenagem, no entanto, talvez tenha sido a criação da Medalha ao Mérito do Foro de São Paulo com o nome de Ana Maria Stuart, pela sua "vida de patriota latino-americanista comprometida com as melhores causas das lutas de nossos povos". Quem conheceu Nani Stuart, seu combate à ditadura argentina e à brasileira e seu papel na construção do PT e do FSP sabe que conceder a medalha aos que seguirem seu exemplo representa uma justiça histórica.

Próximos desafios  
O XV Encontro do Foro de São Paulo realizou-se, assim, em um ambiente político no geral favorável para a esquerda. Ao mesmo tempo, porém, um ambiente que exige cautela e atenção, diante da possibilidade de uma contraofensiva da direita. Isso torna os desafios futuros ainda maiores para o FSP.

Desde o início, aquilo que constitui a força do Foro ­ a construção da unidade na diversidade ­ é também o que torna mais complexa sua atuação, uma vez que exige que todas as decisões sejam tomadas por consenso. Isso requer a capacidade política de formular propostas que, sem atentar contra a pluralidade das organizações que o compõem, tenham efetividade na luta empreendida pelos povos latino-americanos em cada país e no continente como um todo.

Essa equação não é simples. Mas é o único caminho possível para que o FSP não se limite a ser um rico espaço de debates das forças de esquerda e progressistas da região ­ embora isso em si já seja importante. O Foro parece convencido disso, a julgar pelas resoluções e propostas aprovadas.

O próximo encontro está previsto para ocorrer em Buenos Aires, em agosto de 2010, quando o Foro de São Paulo estará completando vinte anos. Uma boa idade para que se consolide o amadurecimento desse espaço político.

Iole Ilíada é diretora da Fundação Perseu Abramo

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