Nacional

Seminário reúne especialistas, representantes do governo e movimentos sociais para debater os oito anos do governo Lula

[nextpage title="p1" ]

As fundações Perseu Abramo e Jean Jaurès promoveram nos dias 7 e 8 de junho de 2010, em São Paulo, o seminário Brasil 2003-2010: Transformações, Perspectivas e Desafios para o Próximo Período. O evento reuniu integrantes do governo Lula, da Comissão de Programa de Governo do PT, intelectuais, representantes do movimento social e sindical e dos partidos da coligação que apoia a candidatura de Dilma Rousseff, e contou com a participação de um público qualificado, com representantes de todos setoriais do PT.

Desde 2009, a Fundação Perseu Abramo organizou várias oficinas para uma avaliação dos oito anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que resultaram em uma série de livros sob o título 2003-2010: O Brasil em Transformação. O seminário foi mais uma contribuição para uma síntese das iniciativas do governo Lula e também à elaboração do programa de governo.

A intenção foi tornar público o debate sobre programa pela importância que tem na disputa eleitoral e para a democracia. Segundo Selma Rocha, diretora da fundação, "a discussão é qualificada pela força e importância do governo Lula, que nos possibilita induzir o debate em torno dos projetos nacionais".

O seminário foi dividido em quatro painéis: O Novo Modelo de Desenvolvimento Nacional e Sustentabilidade Socioambiental; Estado, Políticas Sociais e Redução das Desigualdades; Justiça, Direitos e Democracia; e O Projeto Nacional e a Política Externa Brasileira.

Desenvolvimento e Sustentabilidade

Marcio Pochmann, presidente do Ipea, inicia sua exposição sobre o tema afirmando que a crise de 2008 se deu no curso de uma revolução tecnológica, que abre perspectivas para uma nova sociedade diferente da urbana industrial e a possibilidade para novas centralidades no mundo, não mais vinculado apenas aos EUA, com sinais concretos de decadência. Em 2010, segundo ele, é a primeira vez que a recuperação da economia mundial se dá não mais pelas economias desenvolvidas, são países como Brasil, Índia e China que respondem pela maior parte da recuperação da economia global.

"A minha perspectiva de sustentabilidade é de uma outra sociedade pós-industrial. Os países não desenvolvidos respondem por quase 76% da economia mundial. A realidade norte-americana, europeia e japonesa é de um quadro de estagnação ou regressão econômica", avalia o economista.

Ao analisar dados de potências mundiais, Pochmann conclui que inexoravelmente desenvolvimento pressupõe maior uso de energia e o crescente uso desta está relacionado ao aumento da renda per capita.

Estamos vivendo uma mudança climática, o planeta apresenta sinais de degradação e, segundo Pochmann, isso não pode ser creditado a todos os países de maneira equivalente. "É maior a responsabilidade daqueles que se desenvolveram assentados em uma produção emissora de dióxido de carbono e outros gases que comprometem a sustentabilidade ambiental", sentencia.

O presidente do Ipea explica que o Brasil tem avançado no uso de energias limpas, mas tem grande parcela de energia de derivados de petróleo ­ 50% em transporte. Lembra que a expansão da sociedade se deu por rodovias, o que nos leva a considerar, ao tratar de sustentabilidade ambiental, a matriz de transporte.

Já no governo Lula, houve ênfase no planejamento para o uso de ferrovias. "Em 2005, 58% do transporte estava assentado em rodovias, a perspectiva para 2025, se concretizarem nosso planejamento e investimentos, é de que esse tipo de transporte passe a menos de um terço. Deve ocorrer uma substituição pelo ferroviário e aquaviário", espera.

Outro aspecto importante mencionado é a ampliação das unidades de conservação federais e estaduais, uma vez que 76% das emissões no Brasil estão relacionadas ao uso da terra, queimadas e mau uso agrícola. A emissão de CO2 está vinculada a dois biomas, Amazônia e Cerrado. Todavia o Brasil, desde 2005, está combinando expansão econômica com redução do desmatamento. O que é bastante favorável para a constituição de um projeto nacional e mundial sem passar pela trajetória de países que fizeram sua industrialização assentada no desmatamento e ampliação das emissões de gases agressivos ao meio ambiente.

Pochmann reitera que, com a crise de 2008, o Brasil tem a possibilidade de liderar um projeto de desenvolvimento que combine expansão econômica, distribuição dos ganhos, com sustentabilidade ambiental. Alerta para o fato de que essa condição histórica que o país pode assumir deve levá-lo a repensar o seu padrão de consumo, que tem impacto social. "Somos reconhecidos pelo que temos e não pelo que somos", além de ser um comportamento fortemente degradante. Conclui lembrando que esse consumismo é uma expressão do modo norte-americano de crescimento.

[/nextpage][nextpage title="p2" ]

 

O presidente da CUT, Artur Henrique, divulga a plataforma da central para as eleições de 2010, disponível no portal da entidade. Afirma que a CUT tem posição sobre a necessidade de mudanças de padrão de consumo. "Não achamos que temos de parar de crescer, e estagnar inclusive as desigualdades. É preciso acrescentar ao debate sobre crescimento a noção de desenvolvimento sustentável". O Brasil ainda tem 7,5 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, diz.

Artur lembra que em 2012 realizaremos a Rio +20 e o Brasil tem como perspectiva implementar e acompanhar o que aprovou como diretrizes e metas na Conferência de Copenhague. Afirma que é possível sair da dicotomia produção de energia e crescimento econômico. Alerta que temos de tomar cuidado e não transformar uma matriz energética limpa em suja por causa da descoberta do Pré-sal. Por isso, "deve se estabelecer como prioridade que parte do fundo do pré-sal será aplicado em educação, ciência, tecnologia e pesquisa para baratear e incentivar a utilização de energia renovável, eólica, solar, biomassa. Temos ainda uma grande capacidade hidráulica e devemos fazer uso dela, construindo hidrelétricas que causem menos impacto", propõe o presidente da CUT.

Para Artur a noção do papel do Estado como indutor do desenvolvimento deve estar no  planejamento de longo prazo, com a articulação entre os ministérios. “O PAC é um passo  importante de tratar projetos como um todo, mas ainda falta um planejamento articulado com atores sociais que tenham estabelecido a necessidade de desenvolvimento, inclusão social, distribuição de renda, valorização do trabalho e sustentabilidade socioambiental”.

Encerra mencionando desafios para o próximo período: a garantia do primeiro emprego, a oportunidade de qualificação profissional, além de estabelecer a  contrapartida de setores econômicos beneficiados por recursos públicos ou por incentivos do governo, como a recente redução do IPI para o setor automobilístico.

Moreira Franco, vice-presidente da Caixa Econômica Federal, representando o PMDB, lembrou que o padrão de desenvolvimento mudou. “Hoje crescimento econômico com distribuição de renda é a realidade que quebra a teoria de fazer o bolo crescer para depois dividir”. Disse acreditar que a maioria da sociedade é receptiva à ideia de que precisamos crescer com responsabilidade socioambiental.

Segundo Franco um grupo do PMDB, por meio de pesquisa da Fundação Ulysses Guimarães, no interior do partido, elaborou proposta sobre dois pilares:  investimento e poupança. “Não podemos preservar o que já construímos se não tivermos capacidade de poupança interna, sempre que a economia brasileira dependeu da poupança externa, teve de viver uma crise cambial de consequências danosas para a sociedade”, explicou. Ao mesmo tempo, vê necessidade de investimento não só para o setor público, mas também para a iniciativa privada.

O representante do PMDB na comissão de programa da candidata Dilma Rousseff defende a manutenção das políticas de meta de inflação, regime de câmbio flutuante e compromisso com a responsabilidade fiscal. “Dentro do compromisso com a poupança e o crescimento sustentável, é fundamental termos um governo capaz de diminuir os gastos para poupar. E a diminuição dos gastos públicos não significa diminuir a capacidade de investimento, ao contrário”, esclarece Franco. O PMDB propõe que o gasto público permaneça sempre dois pontos percentuais abaixo do crescimento do PIB.

O partido também considera fundamental aumentar a poupança privada e, para isso, buscar uma reforma tributária. “Não nos moldes da que se praticou até agora, mas com mudanças pontuais. Uma delas, por exemplo, é a reformulação gradativa do ICMS da origem para o destino. Como isso significa perdas para alguns estados, para compensá-las, a sugestão é de que se use a lei Kandir”, explica Moreira Franco. Franco acredita que não se pode mais fugir do debate sobre a previdência. Segundo ele, futura reforma nessa área deve ser para os novos entrantes, “para que possamos enfrentar esse problema com mais objetividade, justiça e equidade”, justifica.

Moreira Franco apresentou propostas para a educação que o PMDB pretende discutir, como priorizar o ensino fundamental, melhorar a qualidade do ensino médio e aprimorar o de pesquisa e tecnológico. O turno de seis horas na escola pública e estender para o ensino médio e fundamental um programa com o mesmo conceito do ProUni também constam de suas propostas.

Quarto orador, nesse painel, Liszt Vieira, presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro, começa por acusar o uso abusivo do termo sustentabilidade, que é uma visão sistêmica e como tal envolve dimensões econômica, social, cultural e ambiental.

Após apresentar treze ideias originárias da Secretaria de Meio Ambiente do PT, Liszt conclui que as propostas que dizem respeito a agricultura, floresta, biodiversidade dificilmente são aceitas e implementadas por órgãos do governo além do Ministério do Meio Ambiente. “Os outros ministérios fazem seus programas sem levar em conta a sustentabilidade”, afirma.

Observa que a mídia, quando fala na questão ambiental, isola a fauna e flora, não mostra nenhuma relação do ser humano com o meio ambiente e raramente toca na questão urbana. “O saneamento básico é uma questão ambiental fundamental, 75% da população mora em cidade. Meio ambiente é sobretudo uma questão de política pública e como tal deve ser tratado”, adverte o ambientalista.

Liszt recupera proposta da Conferência Rio 92, a criação do Conselho do Desenvolvimento Sustentável, que não chegou a ser implementado com poder  deliberativo. “Esse conselho congregaria os ministros das áreas econômica, social, ambiental e cultural e deliberaria as políticas públicas. A ideia desse conselho significa que o governo central assumirá a importância do desenvolvimento sustentável e com a tarefa de pensar no futuro", conclui.

Liszt resgata a figura simbólica de Chico Mendes, uma vez que o seringueiro defendia a produção e ao mesmo tempo a proteção ambiental porque precisava da árvore para sobreviver. "Ele simboliza essa atitude de crescer, desenvolver socialmente, economicamente com proteção ambiental", finaliza.

Políticas Sociais

O eixo Estado, Políticas Sociais e Redução das Desigualdades já é tema de inúmeras reportagens, teses e livros, tamanha foi a transformação ocorrida na sociedade nesses quase oito anos. Por isso, ao sintetizar esse debate nos detemos às propostas e desafios para o próximo período.

O dirigente do MST, João Paulo Rodrigues, avalia que, após ascensão na década de 1980 e dificuldades nos governos neoliberais nos anos 1990, o movimento social vive momento de descenso. "Começamos o governo Lula com muitas expectativas, mas encontramos limitações para fazer valer a pauta do conjunto dos movimentos perante o Estado, no sentido mais amplo que o governo federal. Refiro-me a Estado quando tratamos das reivindicações por exemplo no estado de São Paulo", constata.

Reconhece avanços importantes como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, cujo investimento passou de R$ 2 milhões para R$ 16 milhões, mas, ao conferir que o agronegócio tem investimento de R$ 90 bilhões por ano, avalia que a correlação de forças ainda é muito desigual.

Rodrigues assume a dificuldade do movimento social em combinar suas bandeiras com o projeto político, ou seja, cada um tem sua pauta sem articulá-la ao projeto estratégico. “Nem em relação aos transgênicos houve unidade”, confere. Ao contrário, por exemplo, da redução da jornada de trabalho para 40 horas, em torno da qual todos estão unificados. O dirigente afirma que há dificuldade também de se ter uma agenda combinada com o governo e aponta a necessidade de se construir pautas a partir do Estado com os movimentos e não para os movimentos.

“Houve no governo Lula avanços inéditos nas políticas públicas estratégicas para o desenvolvimento do país, como, por exemplo, os programas Luz para Todos, de moradia para o campo, e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, com 3.500 jovens cursando ensino superior e 4 mil já formados”, avalia. Suas críticas são em relação às políticas consideradas fundamentais para a reforma agrária, e implementadas abaixo das expectativas do movimento: assentamentos para as famílias acampadas, desapropriação dos latifúndios improdutivos, agroindústria e crédito agrícola.

Rodrigues expõe ainda o dilema vivido pelo MST, como movimento de reivindicações de caráter econômico, de ser um movimento de oposição ou parte da base do governo. “É como andar no fi o da navalha, mas acreditamos que o movimento deve ter autonomia”, conclui.

[/nextpage][nextpage title="p3" ]

 

Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Mauricio Grabois do PCdoB, chama a atenção para os avanços sociais. Lembra que mesmo com a crise capitalista, “a produção ganha força, a oferta de emprego aumenta, os salários sobem. A democracia se amplia, as entidades e os movimentos se fortalecem e são chamados a participar das decisões que lhes dizem respeito. A soberania nacional se fortalece, o país passou a ser respeitado no mundo e evolui a integração solidária com países vizinhos”.

Para ir além, Monteiro destaca reformas para a edificação de um Estado democrático e inovador, a reforma  política, que combine democracia representativa e democracia  direta, consolidando a política do governo de diálogo com os movimentos, e reforma da legislação e do funcionamento dos meios de comunicação para que venham a ser fator de ampliação da democracia e não o oposto tal como ocorre hoje.

Para a economia, propõe a meta de taxa de investimento correspondente a 25% do PIB, redução de juros e spreads bancários e uma política industrial avançada, fortalecendo a vertente da energia e alavancada pela ciência e tecnologia.

Monteiro propõe o resgate de “reformas democráticas abortadas pela ação do autoritarismo e do conservadorismo”, que para serem realizadas será preciso “forjar uma maioria política”. São elas as reformas tributária, agrária, urbana e da educação, além do fortalecimento do SUS, da Seguridade Social e a valorização do trabalho. “Desenvolvimento com distribuição de renda, sustentabilidade ambiental, integração regional solidária, afirmação da soberania nacional e ampliação da democracia social e política é a nossa bandeira para o presente e o futuro imediato”, conclui.

Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, de 2004 a 2010, mostra que o Brasil sempre foi marcado pela dominação e acumulou ao longo de 510 anos uma enorme dívida social.

Reconhece que o país está avançando e um dos momentos mais importantes foi o processo constituinte, que mobilizou a sociedade. “O que estamos fazendo na área social hoje está na Constituição, que colocou Assistência Social no campo das políticas públicas e dos direitos, e recentemente foi incorporado o direito à alimentação adequada e atenção especial aos idosos, às crianças, às mulheres, às comunidades indígenas e aos quilombolas”, disse o ex-ministro.

Patrus lembra que após a Constituição, o país teve ainda o SUS, o Estatuto da Criança e Adolescente, a Lei Orgânica da Assistência Social mas depois caiu na hegemonia neoliberal e retrocedeu com flexibilização de direitos. Pontuou iniciativas do final do governo FHC, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e o Bolsa Escola.

A grande mudança ocorreu mesmo no governo Lula, segundo ele, do ponto de vista quantitativo, com mais recursos, e qualitativo com a integração das políticas. O momento importante foi a criação do Ministério de Desenvolvimento Social de Combate à Fome que integra a assistência social, a segurança alimentar e nutricional, a transferência de renda e agora com ênfase nas políticas de capacitação profissional. Destacou o Benefício de Prestação Continuada, envolvendo mais recursos que o Bolsa Família, que assegura um salário mínimo a idosos, portadores de deficiência e incapacitados para o trabalho com renda inferior a um quarto do salário mínimo.

O Bolsa Família é um programa articulado com várias ações, como o Projovem, os Centros de Referência de Assistência Social, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, de segurança alimentar, restaurantes populares, o Programa de Aquisição de Alimentos, tarifa social de energia, entre outros. É uma rede de proteção aos pobres.

Patrus elencou os desafios para o próximo governo: "primeiramente, manter, aperfeiçoar, consolidar, integrar e, sempre que necessário, ampliar o que já existe". Outro ainda é a reforma tributária, na perspectiva da justiça tributária vinculada à ideia de justiça social. Ressalta a integração das políticas e defende a extensão da experiência dos territórios da cidadania, exitosa no campo, para as cidades ­ uma integração dos equipamentos e agentes públicos das várias esferas. E, por fim, propõe que se empregue na educação, para a inclusão de crianças e jovens, o mesmo esforço despendido para acabar com a fome no governo Lula.

Justiça e Democracia

O terceiro momento discutiu Justiça, Direitos e Democracia. Com relação aos direitos humanos, sociais em sua versão ampla, vimos avançando desde a Constituição e estão contemplados nas diretrizes do programa aprovado no 4º Congresso do PT, como bem lembrou Elói Pietá, presidente em exercício da FPA. No entanto, no que diz respeito à justiça parece que a lacuna é grande.

Para Augusto Chagas, presidente da União Nacional dos Estudantes, a política educacional do governo Lula superou a visão de mercantilização do período anterior, "a mesma política de fragmentação que temos hoje no estado de São Paulo, de desvalorização da carreira docente, políticas de concorrência, manutenção da condição social, baixa qualidade de ensino para os pobres", denuncia.

Ele enaltece a condução da educação, sob novas ideias que se materializaram em políticas concretas. Enfatiza que na disputa que se avizinha não se pode aceitar retrocesso, pois uma marca que fica deste período é de uma condução mais democrática do Estado, de relação com a sociedade civil, de consulta de opinião, das conferências e de um processo de valorização do movimento social.

Mas na educação ainda há muito a avançar. "Temos ainda 14 milhões de analfabetos, a idade média de escolarização de adultos é de apenas 7 anos, há desvalorização dos profissionais de ensino, apesar de ter sido importante a vitória do piso, de R$ 1050; a escola pública é de baixíssima infraestrutura. Agora com o PAC serão construídas quadras em todas as escolas públicas que têm mais de 500 estudantes", contabiliza Chagas.

Segundo o presidente da UNE, metade de nossa juventude ainda está fora do ensino médio, três quartos não consegue chegar à universidade e na idade correta apenas 14% a atinge. Então, para resolver esse problema espera investimento, expansão da rede pública e equacionamento da relação educação-trabalho. "Os jovens que frequentam a universidade acordam às cinco horas, se deslocam por duas horas nos grandes centros urbanos, trabalham por um longo dia e correm para não perder a aula, não têm dinheiro para jantar na rua e chegam em casa à uma hora", descreve. Propõe que se elaborem políticas de acesso e principalmente de permanência e convoca o campo democrático e popular a lutar por essas transformações. "O Brasil hoje gasta mais com juros da dívida pública do que em educação, saúde e em suas políticas de transferência de renda juntas. Resolvemos esse problema de pactos com determinados setores sociais ou não vamos avançar", conclui.

[/nextpage][nextpage title="p4" ]

 

Manoel Dias, secretário-geral e presidente nacional, em exercício, do PDT e da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, reconhece avanços do governo Lula, mas lamenta que as alianças, se não impediram, pelo menos dificultaram algumas políticas almejadas pela esquerda. Por isso, coloca a necessidade de aumentar o número de parlamentares para a formação de maioria no Congresso com posições próximas às do PT e PDT. Considera significativa "a inserção de milhões de brasileiros, recuperando a cidadania com o Bolsa Família e os investimentos em todas as áreas, que precisa ser ampliada e consolidada, para o que a continuidade do governo se faz necessária".

Ao recuperar a tradição brizolista, Dias defende que o país invista em educação, lembra a experiência dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), entre outras. Acredita que, somente capacitada ideológica e politicamente, a população poderá fazer valer sua vontade. Espera que 10% do que venha a gerar o Pré-sal seja investido em educação. Além dos progressos da área social, implementar o SUS, aumentar as verbas para a educação e políticas de organização popular.

Newton Albuquerque, professor da Universidade Federal do Ceará, optou por abordar a questão do Judiciário, que por muitas vezes se mantém como obstáculo a uma série de direitos, citando como exemplo a Constituição de 1988. "O juiz se apresenta como alguém isento, acima dos conflitos de classe, um tecnocrata e que não pode ser questionado", comenta o professor.

Albuquerque diz temer que a disputa presidencial resvale para o Judiciário e cita o exemplo da procuradora da República que há pouco tempo se pronunciou sobre a possibilidade de a candidata Dilma Rousseff, por supostamente estar infringindo a lei eleitoral, ter sua candidatura cassada, ou a posse impedida. Para ele, o juiz é um agente político como são todos os agentes em um Estado representativo. Deve ser fiscalizado e a sociedade deve discutir sua conduta.

Para o professor, no governo Lula há "um deslocamento das classes dominantes para o Judiciário, já que não encontram espaço no Executivo e não conseguem hegemonia sólida no Legislativo". Albuquerque pondera que o Judiciário não é antidemocrático apenas com a sociedade, mas também na sua relação interna. Sugere uma reflexão profunda inclusive com a participação de juízes e por fim defende que a esquerda se aproprie desse debate.

Elói Pietá, presidente em exercício da FPA, afirma que o governo Lula assumiu corajosamente a questão do Judiciário e da segurança pública. Caracteriza o Judiciário como um poder de elite que se considera acima e mais forte do que os outros poderes, sendo o único que não passa pelo crivo popular. Menciona ainda que o ingresso à carreira, realizado por meio de concursos extremamente difíceis, faz com que "o acesso fique restrito às elites, que procuram exercer, por meio dessa instituição, um poder além dos limites constitucionais", enfatiza.

Pietá constata que em relação aos direitos humanos a população excluída é excessivamente incluída quando se trata da justiça punitiva. Já com relação aos setores mais ricos há uma certa flexibilidade quando se trata da punição. Justifica, assim, a ação da Polícia Federal no governo Lula para equacionar esse tratamento.

O Judiciário é um conjunto complexo, com várias instâncias, diversas polícias. Há também o Ministério Público, que tem ultrapassado os limites que lhe foi dado pela Constituição. "Não temos abordado de maneira suficiente toda essa estrutura que é extremamente importante para a democracia e os direitos humanos", constata Pietá.

Segundo ele, o governo Lula avançou no diagnóstico sobre a instituição, identificando, por exemplo, que a morosidade do sistema se deve ao excesso de litigiosidade. Levantamento do governo federal mostra que cerca de 60% das ações resumem-se a 45 tipos de causas, que têm entre seus promotores o Estado, os bancos e as concessionárias de serviços públicos, restando 40% aos cidadãos comuns.

Pietá aponta a necessidade de no próximo governo aprofundar a reforma do Judiciário uma vez que tem crescido seu papel político e que é difícil estabelecer seus limites.

Política Externa

Na quarta mesa, O Projeto Nacional e a Política Externa Brasileira, os debatedores optaram por projetar cenários futuros e enumerar desafios, detendo-se pouco aos últimos oito anos, uma vez que é consenso se tratar de uma das áreas mais exitosas do governo Lula.

Valter Pomar, membro da Comissão de Programa do Governo do PT e secretário de Relações Internacionais do partido de 2005 a 2010, após resumir as diretrizes sobre política externa do 4º Congresso do PT, que tem a vantagem de fazer o resumo do que foi feito durante os dois mandatos do presidente Lula, apontou o que considera os pontos fracos dessa elaboração. Segundo ele, as "diretrizes superestimam a boa vontade das potências ainda hegemônicas, embora em crise e declinantes", o que se justifica por uma expectativa com a eleição de Barack Obama e como consequência a melhora nas relações entre EUA e América Latina. “Coisa que absolutamente não ocorreu”, constata Pomar, citando como exemplo a atitude do país em relação ao acordo Brasil-Turquia-Irã, entre outras.

Para o dirigente, a proposta de fortalecimento do Mercosul e da Unasul merece atenção porque para alguns países pode significar passar a ter com o Brasil uma relação de dependência como têm com EUA ou União Européia. Salvo se o país, no curso do processo, combater as assimetrias regionais. Pomar ressalta que o país tem executado uma política externa que está além de sua correlação de forças internas, pois o Brasil nunca teve “uma cultura sulamericana, latinoamericana ou internacionalista de massa”.

Embora admita que é correto fortalecer a presença do país no Haiti, lembra que há uma campanha que acusa essa ação de ser ocupação. É preciso sempre esclarecer que a atuação do Brasil não é como a dos EUA no Iraque. “Como não houve nenhum tipo de aporte internacional ao Haiti, como era prometido para reconstruir o país, a presença se converte mais em elemento policial do que propriamente de reconstrução”, esclarece. Na América Latina, segundo ele, há uma contraofensiva da direita, conforme vimos nos resultados eleitorais de Chile e Colômbia, apesar das vitórias da esquerda na Bolívia, no Uruguai e da possível eleição de Dilma no Brasil. Sobre o cenário mundial para o próximo período, Pomar fala das dificuldades da esquerda européia, sem reação significativa frente à crise econômica. Cita como exemplo o pacote imposto à Grécia, governada pelo Partido Socialista grego, com medidas que jamais seriam exigidas de França e Alemanha e se indigna com o fato de que uma possível guerra entre Irã e Israel, patrocinada pelos EUA, é vista como inexorável até por representantes da esquerda.

Diz que estamos diante da hegemonia declinante dos EUA, país que tem alto grau de poder militar e o usa, de uma crise do neoliberalismo na América Latina, mas sabemos que é difícil construir um modelo alternativo, mesmo para um país como o nosso que tem potencial econômico diferenciado. Ao finalizar, Pomar diz que as diretrizes de política externa são corretas, mas os cenários são muito complicados.

O vice-presidente do PSB Roberto Amaral enfatiza a alienação da classe dominante que vem desde a Colônia. Recupera que ao final do século 19 tivemos a grande reformulação da política externa brasileira com Joaquim Nabuco e no século 20 tem início a fase americanista. O “Brasil era tratado como um país de destino agrícola e por determinismo subdesenvolvido”, por força disso não teve um projeto nacional. Amaral falou sobre as tentativas e êxitos de se ter um projeto nacional para o país, na Era Vargas, com a inserção do Estado na economia e na política, no governo de Juscelino Kubitschek, com sua política desenvolvimentista, e na ditadura militar, no governo Geisel. Foi também de JK a iniciativa de uma política externa voltada para a América do Sul, uma resposta à aliança para o progresso dos EUA, explicou Amaral, enfatizando a necessidade de um projeto de nação e para se ter inserção no mundo. Alerta que temos todos os motivos para nos preocuparmos com a continuidade da atual política externa porque, segundo o socialista, é política de poder e esse poder não é exercido retoricamente, e sim com a ocupação dos espaços. “Isso requer não só respaldo internacional mas principalmente apoio interno”, enfatiza. E isso não existe, pois a sociedade gosta mas não tem razões para se identificar com a política externa. Chegará o momento que precisaremos de sustentação popular para essa política, uma vez que “a base de apoio do governo é reacionária”.

Amaral fez uma retrospectiva histórica da política externa brasileira, que foi fundamentalmente, após a Segunda Guerra Mundial, de alinhamento aos EUA. A primeira manifestação de uma política independente se deu nos governos de Jânio Quadros e João Goulart. Já no período da ditadura militar, a política externa brasileira volta ao alinhamento automático com os EUA, segundo o expositor.

Apresentou a política externa como um dos destaques nos dois mandatos do Lula. “Somente uma classe dominante suicida teria coragem de combater as políticas deste governo. Nós construímos na América do Sul um novo país e uma sociedade rica e distributiva”, finalizou.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, tratou da inserção econômica do Brasil no mundo e desafios para os próximos anos. Segundo ele, “a continuação do projeto e da política do atual governo vai requerer medidas diferentes porque o contexto será diferente". Alerta que a situação internacional tende a ser mais adversa e vai demandar respostas novas ou uma adequação da política brasileira.

Enfatiza que o Brasil é a única economia, entre as vinte maiores, que tem superávit primário e uma dívida líquida abaixo de 50% do PIB. Segundo o economista, causa grande preocupação mundial o fato de a Europa fazer um ajuste fiscal recessivo, pois já é uma economia que cresce pouco e tem taxa de desemprego elevadíssima. Isso terá implicações para o preço das comodities e afetará países exportadores como o Brasil, além de intensificar a concorrência. Portanto, grande parte do crescimento mundial depende do que irá acontecer na Europa.

Segundo sua análise, o Brasil tem uma estratégia de crescimento que propicia maior inclusão social, melhor distribuição de renda e é um dos modelos possíveis, baseado em seu mercado interno, mas precisa que suas exportações cresçam na mesma taxa que as importações. "O modelo alemão e o chinês importam crescimento do resto do mundo, vendem mais para o resto do mundo do que compram". Não é uma solução balanceada, constata Barbosa.

Considera que uma possível exportação do modelo brasileiro teria implicações fortes para o resto do mundo, mais do que o aumento do peso do Brasil na economia mundial, a questão é da natureza das escolhas que deram certo. Por isso, acredita que existam restrições a adotá-lo em outros países.

Propõe que o Brasil participe mais e "venda" suas propostas porque estamos num momento pós-crise, quando há intenso debate até chegar a consensos. E o Brasil é um dos poucos que tem uma saída mais progressista, de esquerda e de inclusão social no mundo.

Para o professor de Relações Internacionais e Ciência Política da Universidade Federal do Pará, Cauby Monteiro, o governo Lula consolidou a política externa na agenda política brasileira, antes um tema para especialistas. Ao comentar entrevista do ministro Celso Amorim ao programa Roda Viva, constata o completo despreparo dos entrevistadores e por consequência da mídia. Mesmo sendo pauta importante, não a considera decisiva em uma eleição.

Monteiro reconhece que o Brasil sempre teve uma política externa atrelada à política de desenvolvimento nacional, podendo ser mais ou menos americanista. Paraense, ele faz considerações ao tratamento dado à Amazônia na política externa brasileira. "Não se sabe exatamente o que o Brasil quer de uma de suas regiões mais importantes, bem como sobre sua relação com os países da região com os quais faz fronteira", questiona. E conclui propondo a criação no Brasil de centros para debater e aprofundar o estudo de política externa nas universidades e nos partidos.

O diretor do Departamento de Cooperação Internacional da Fundação Jean Jaurès, Gerard Fuchs, deu sua contribuição ao tratar das reações francesa e europeia à crise financeira. Para Fuchs, os planos para a retomada da economia europeia não foram suficientes, e deverá existir dificuldade para retomar o crescimento. "É uma situação de recessão econômica. O risco do pior ainda não está descartado, a especulação campeia solta. Vivemos hoje situação extremamente grave", conclui.

Fuchs pensa que a ideia de política externa deve, por definição, respeitar os interesses nacionais. Hoje, segundo ele, os capitais se movem sem qualquer restrição. "Vivemos uma crise do capitalismo que pode levar a uma revisão geral", disse, apontando iniciativas que poderiam fazer diferença: o resgate do valor fundamental da justiça social, o combate aos paraísos fiscais e o desenvolvimento dos direitos econômicos e sociais.

Temas de Debate

Após cada grupo de exposições, o público opinou, incluiu propostas, discordou e debateu.

Carlos Baldijão, do setorial de educação, apontou como grave a criação do Fundef no governo FHC, com foco no ensino fundamental. Ressalta que foi possível "dar um salto com a criação do Fundeb, que abrange da educação infantil ao final do ensino médio".

Com relação à proposta de Moreira Franco de um período escolar maior, o educador reforça a importância de em um período a criança estar na escola mas, no período oposto, é bom que tenha acesso a práticas esportivas, atividades culturais em museus, bibliotecas, teatros, que tenha uma formação acadêmica e cultural ampla. Também não vê como aplicar o ProUni ao ensino médio, uma vez que esse ensino concentra-se na rede pública e em torno de 15% em escolas privadas. No caso do ensino superior a relação é outra, a rede privada concentra 95% vagas.

O cientista político André Singer ressaltou a importância de o PMDB apresentar suas propostas mas considera importante que elas sejam debatidas. Apresentou vários pontos de contradição entre o que foi exposto pelo representante do PMDB e a proposta da CUT. Franco defendeu a manutenção das metas inflação, câmbio flutuante, lei de responsabilidade fiscal, avançando até a limitação dos gastos públicos, recupera Singer. E a plataforma da CUT propõe "implementar políticas monetárias compatíveis com metas sociais de crescimento econômico"; "subordinar a política monetária do Banco Central ao projeto de desenvolvimento sustentável". Com relação ao câmbio flutuante a proposta da central propõe "aplicar política cambial voltada para defesa da economia nacional".

Singer ressalta ainda que a plataforma da CUT na questão do gasto público contém "diminuir as metas de superávit primário da União, estados, municípios e das empresas estatais, ampliando a capacidade de investimentos em infraestrutura, políticas sociais e serviços públicos de qualidade".

A Fundação Perseu Abramo encaminhará todo o conteúdo do seminário à Comissão de Programa de Governo da candidata Dilma Rousseff.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate

[/nextpage]