Nacional

O governo investe no atendimento a 2 milhões de pessoas com deficiência no Estado

É recente a presença na escola de todas as crianças, independente de habilidades e diferenças. A Bahia investe no atendimento à grande população de pessoas, pelo menos 2 milhões, com algum tipo de deficiência

É recente a presença na escola de todas as crianças, independente de diferenças

É recente a presença na escola de todas as crianças, independente de diferenças. Foto: Marcello Casal Jr./Abr

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A exclusão das pessoas com deficiência nas instituições educacionais está presente na história da educação em todo o mundo. A escolarização desse segmento social tem seu marco com a criação do Sistema Braille, em 1825, na França. O invento possibilitou ao cego ler e escrever com as próprias mãos.

No Brasil, as atividades organizadas em favor dos deficientes têm início com a criação em 1854, no Rio de Janeiro, da primeira escola para cegos do país: o Instituto Imperial de Meninos Cegos, atualmente conhecido como Instituto Benjamin Constant. Familiares de crianças com deficiência mental fundam, em 1954, a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), também na cidade do Rio de Janeiro. Em 1957 surge o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos.

Na Bahia, a história da educação das pessoas com deficiência exibe trajetória semelhante. Tem início com a criação do Instituto de Cegos, em 1933, seguido do Instituto Pestalozzi da Bahia, em 1954 e, em 1957, da Escola Estadual Wilson Lins. São instituições educacionais que passam a atender, respectivamente, deficientes visuais, mentais e auditivos.

Assim, o atendimento educacional a pessoas com deficiência foi se ampliando ao longo do século 20, embora de forma extremamente lenta.

Na última década, surge um novo referencial de educação influenciado pela Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jontien, na Tailândia, em 1990, e pela Conferência Mundial de Educação Especial, realizada em Salamanca, na Espanha, quatro anos depois. A partir daí, defende-se a escola como o lugar onde todas as crianças devem aprender juntas, independentemente de suas dificuldades ou suas diferenças.

Historicamente, a escola se caracterizou por possuir uma visão de educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, e legitima a exclusão por meio de políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. Com o processo de democratização da escola, evidencia-se o paradoxo inclusão-exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora de seus padrões homogeneizadores. Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos processos de separação e integração, que pressupõem a seleção, e naturalizam o polêmico "fracasso escolar". Considerando os direitos humanos e o conceito de cidadania ancorado no reconhecimento e no respeito às diferenças, identificam-se mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação e produção das desigualdades. Isso explicita os processos normativos de distinção dos estudantes em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar.

Mas tal cenário tende a mudar. A legislação que hoje ampara esse segmento estabelece que nenhuma instituição educacional pode recusar pessoas com necessidades educacionais especiais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar currículo, métodos, recursos e organização específica para atender esse segmento. Com isso, a Educação Especial passa a ser tratada como transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino.

Parceria com o governo Lula  

O presidente Lula, por meio do Decreto 6.571/08, garantiu apoio técnico e financeiro aos estados e municípios, ampliando a oferta do atendimento educacional especializado aos estudantes com deficiência matriculados nas escolas públicas, reafirmando a Educação Especial na perspectiva inclusiva, o que assegura o direito de todos estarem juntos, aprendendo e participando, sem discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado nos direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola.

Nesse governo vem sendo desconstruída a concepção que prevaleceu durante muito tempo de que a Educação Especial organizada de forma paralela à educação regular seria a forma mais adequada para o atendimento das pessoas portadoras de deficiências. Embasada no conceito de normalidade/anormalidade, resulta muitas vezes em práticas que enfatizam os aspectos relacionados à deficiência, em contraposição a uma ação pedagógica que reforce a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem.

Vale destacar que nosso maior parceiro tem sido o governo federal. Em 2008 o Ministério da Educação (MEC) distribuiu em escolas públicas do Estado notebooks para uso dos estudantes deficientes visuais matriculados no ensino médio, como ação da política do Programa Nacional do Livro Didático. Essa iniciativa avança para facilitar as atividades escolares graças a softwares e hardwares adaptados, que permitem o acesso ao computador. Para seu sucesso, os professores foram capacitados para trabalhar com as novas tecnologias. A Coordenação de Educação Especial, conhecendo a realidade da maioria dos docentes que prestam apoio educacional ao aluno cego ­ muitos não possuem conhecimentos na área de impressão Braille e utilização do software Dosvox -­, ofereceu em 2007-2008 diversos cursos. A capacitação serviu também para assegurar a permanência dos equipamentos doados pelo MEC (impressora, notebook e software Dosvox e impressoras Braille) nas escolas e Centros de Apoio. Esses recursos tecnológicos funcionam como facilitadores para a acessibilidade educacional e social, enquanto tecnologia assistiva para deficientes visuais.

A parceria MEC/Secretaria da Educação vem solucionando um dos problemas que dificultam a inclusão educacional. A impressora Braille ainda é um equipamento de alto custo, o que obriga os estudantes a recorrer aos Centros de Apoio ou salas de recursos multifuncionais para terem acesso aos textos, livros e avaliações impressas em Braille. Agora, os deficientes visuais contemplados, contam com programas que permitem ler e editar seus textos, acessar a internet, imprimir livros didáticos em Braille e os próprios trabalhos.

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O diálogo como princípio  

Em 2007, na Bahia, com a posse do governador Jaques Wagner, a palavra de ordem foi: "A cadeira que se destinaria à pessoa com deficiência não pode permanecer vazia". Com esse novo olhar, assumiu o cargo de coordenador de Educação Especial da Secretaria da Educação (SEC) o professor João Prazeres, pedagogo, especialista na área, consultor informal da Assembleia Legislativa para assuntos pertinentes, com reconhecida militância no campo da luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Cego, sua nomeação vai além do caráter simbólico.

É a constatação de que as pessoas com deficiência têm condições de assumir, com êxito, grandes e complexas responsabilidades. É sob seu comando que o caminho da inclusão começa a ser trilhado na Bahia.

Numa iniciativa inédita, foi criada por essa coordenação a Rede Estadual de Educação Especial, visando implementar um novo modelo de atendimento ao estudante com necessidades educacionais especiais. A SEC convocou representantes de entidades ligadas à luta pelos direitos das pessoas com deficiência para, em parceria, construir a rede. De todo o estado, quarenta entidades aceitaram o desafio e uma nova política para o setor passou a ser repensada. Com a participação efetiva dos municípios baianos, o sistema interliga ações estaduais e municipais com organizações da sociedade civil. É a rede da inclusão.

Essa parceria ganhou vida própria. Atendendo demanda histórica da comunidade de pessoas com deficiência, foram construídos coletivamente dois projetos de lei: um que cria a categoria professor-intérprete e outro que regulamenta a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua oficial dos surdos na Bahia. Ambos se encontram em fase de finalização na SEC para posterior envio ao governador.

Ainda em parceria, a SEC realizou o Fórum de Altas Habilidades/ Superdotação; o Fórum para a Inclusão Escolar de Surdos; o 1º Fórum de Educação Especial do Estado; o seminário Um novo olhar sobre a Educação Especial; o 1º Encontro de Entidades de e para Pessoas com Deficiência do Estado e o Festival de Talentos de Pessoas com Deficiência. Essa última ação teve como objetivo promover a integração e socialização de instituições que atendem pessoas com deficiência, escolas e comunidade, reforçando a inclusão e elevando a autoestima dos estudantes, entendendo que práticas esportivas, artísticas e culturais funcionam de forma eficaz para a inclusão social.

E por falar em esporte, a equipe brasileira de futebol de 5 para cegos, em agosto, sagrou-se campeã mundial na cidade de Hereford, na Inglaterra. Dois baianos, treinados pelo Instituto de Cegos da Bahia, brilharam no campeonato: o zagueiro Schares Dean dos Santos assistido por Centros de Apoio e Jeferson Gonçalves ­ eleito o melhor jogador do mundo na modalidade ­, estudante do Instituto Central de Educação Isaias Alves, unidade escolar da rede pública estadual.

Certa de que a educação inclusiva é uma forma de promover a solidariedade entre pessoas com e sem deficiência e de assegurar o pleno acesso e a permanência, bem-sucedida, desse segmento na escola, a SEC passa a investir em políticas de formação de professores. Em sistema de colaboração com a Universidade Estadual da Bahia e o Instituto Anísio Teixeira, oferece curso de especialização na área, com carga total de 375 horas, contemplando 160 educadores. O último curso do gênero oferecido pelo estado fora em 1998.

Um balanço necessário  

Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) dão conta de que, na Bahia, vivem pelo menos 2 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Quando se trata dos números da educação pública ­ estado e municípios ­, porém, nota-se uma disparidade gritante: dos mais de 4,3 milhões de alunos matriculados, pouco mais de 35 mil são pessoas com deficiência. O dado indica que muitos jovens e crianças deficientes, em idade escolar, estão fora da sala de aula. Uma explicação para tal fato seria o baixo investimento e a ausência de políticas públicas dos governos anteriores para acolher esse segmento na escola.

Esses números começam a mudar. No período de 2007-2010 além do investimento em formação de professores através da Rede de Educação Especial e dos cursos de formação continuada com recursos do governo federal, a SEC promoveu a criação de novos Centros de Educação Especial em diferentes regiões do estado, apoiando os municípios e as escolas estaduais na implantação das salas de recursos multifuncionais. Outro importante papel dos centros é realizar, com profissionais especialistas, formação continuada nas regiões onde estão implantados, otimizando tempo e recursos. Em 2006 tínhamos cinco centros, três na capital e dois na cidade de Feira de Santana. Atualmente são quatro em Salvador, capital do estado, dois em Feira de Santana e seis distribuídos entre as cidades de Jequié, Ribeira do Pombal, Itabuna, Serrinha, Ipiaú e Caetité.

Esse novo cenário é potencializado com a chegada às escolas estaduais e municipais da Bahia, enviadas pelo MEC, de 1.372 salas de recursos multifuncionais, ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para atendimento aos estudantes, no turno oposto ao das aulas regulares.

O balanço é altamente positivo. São 262 municípios beneficiados com as ações da rede e 2.233 professores capacitados nas áreas de Libras (português como segunda língua para surdos), Braille, Soroban (instrumento que permite à pessoa cega fazer cálculo matemático), tecnologias assistivas, transtornos global do desenvolvimento, transtornos de déficit de atenção e hiperatividade, deficiência intelectual, atendimento educacional especializado, surdocegueira, instrutor surdo, baixa visão, adaptação de material, altas habilidades/superdotação e formação em intérprete de Libras. Coroando esse esforço conjunto ­ poder público e sociedade civil organizada ­, encontra-se em fase de conclusão a construção coletiva das Diretrizes Estaduais para Educação Especial, que servirão de parâmetro para os próximos anos.

Todas essas ações, ao longo dos últimos quatro anos, fizeram com que familiares e estudantes com necessidades educacionais especiais passassem a acreditar na educação oferecida pelo estado. Prova disso é que no período de 2007-2010 registrou-se um crescimento de 78% na matrícula desses estudantes nas escolas públicas estaduais, fazendo avançar as práticas pela superação da lógica da exclusão dos estudantes com deficiência.

Orgulho-me de, ao lado do professor João Prazeres e de sua equipe, ter sido parte integrante e efetiva desse projeto vitorioso. Aceitamos o desafio e temos a certeza do dever cumprido. A caminhada pela inclusão foi iniciada com sucesso. Mas o caminho é longo. Sua continuidade será tarefa para aqueles que ali estiverem nos próximos quatro anos.
Tânia Miranda é historiadora, mestre em educação pela UFBa, diretora de Educação, Inclusão e Diversidade da Secretaria da Educação do Estado da Bahia, de fevereiro de 2007 a maio de 2010, autora de Ensinar/Aprender História Recente: a Resistência à Ditadura Militar no Brasil [email protected]

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