Política

Em entrevista, o cientista político Gustavo Venturi analisa o crescimento da candidatura de Dilma Rousseff

Gustavo Venturi, cientista político e professor na Universidade de São Paulo, avalia que na tentativa de desqualificar a candidatura Dilma, a oposição e a imprensa ignoram que sua liderança nas pesquisas está relacionada às conquistas e vitórias dos dois mandatos de Lula na Presidência

Gustavo Venturi: o trabalho do governo convence os eleitores

Gustavo Venturi: o trabalho do governo convence os eleitores. Foto: Evelize Pacheco

É possível dizer pelos resultados das pesquisas que o quadro da sucessão presidencial está consolidado?  
Ainda que o quadro não esteja totalmente consolidado, a curva de crescimento da candidata Dilma Rousseff aponta um cenário de vitória com pouquíssima chance de mudança. O principal fator de seu crescimento nas pesquisas é o reconhecimento dela, pelo eleitorado, como potencial continuadora do governo Lula. Essa percepção é um dado de realidade que não tem como ser alterado até 3 de outubro.

O que pesa mais para o eleitor, a candidata de Lula ou continuidade de um governo bem avaliado?  
Há uma simplificação na afirmação de que as pessoas vão votar em quem o presidente Lula indicar. O pedido de Lula não teria o peso que tem se o seu governo não tivesse sido convincente. Há uma tentativa de redução, de desqualificação, inclusive do eleitorado, que estaria seguindo a vontade, o capricho de uma liderança. Não se trata disso. Se tomarmos as expectativas criadas sobretudo pela imprensa corporativa antes de Lula tomar posse, inicialmente, ele seria um despreparado e o governo tinha tudo para dar errado. Depois que isso não aconteceu ­ o que já ficara claro ao final do primeiro mandato ­, Lula passa a ser um gênio absoluto que tem a capacidade de magnetizar praticamente o conjunto da população e manipulá-lo a seu bel prazer.

Se o governo não tivesse sido bom, se não tivesse o reconhecimento das conquistas sociais, da mudança de vida para grande parte da população, aquela esperança que tinha sido depositada no governo Lula, que foi também conquistada e construída durante pelo menos duas décadas de persistência, teria se esvaecido e ele hoje não teria apelo nenhum. Se o primeiro mandato já não tivesse dado mostras contundentes dessa mudança de paradigma de desenvolvimento e apontado em uma outra direção do que havia sido feito até então, ele nem teria sido reeleito.

Há o componente que só Lula tem, é inegável, essa empatia que advém da sua extração popular, da sua extração de classe, mas isso não seria suficiente se o governo não tivesse de fato mostrado a que veio e convencido vastos segmentos da população. Então, a candidata do Lula não pesa tanto pela pessoa dela, nem o pedido de Lula para que votem nela, mas sim o fato de Dilma representar a continuidade de um projeto.

Não compreender que o que está por trás do fenômeno transferência de voto é o reconhecimento do governo é cair em um discurso que a mídia corporativa gostaria de explicitar mas não o faz plenamente, é dizer que o eleitorado é desqualificado, ignorante, desinformado, alienado. Há colunistas que dizem que Lula já convenceu das camadas populares aos banqueiros, agora quer controlar a mídia, que seria o último reduto de consciência crítica e independente. Isso como se todos os demais atores sociais fossem estúpidos e manipuláveis. Não seria o contrário? Não serão eles os desinformados e alienados, incapazes de investigar o porquê de tanta aprovação e satisfação com o governo? Ouvi um comentarista da rádio CBN que antes ainda de Dilma assumir a liderança dizia: "Pensam que são todos estúpidos que votarão em Dilma só porque o Lula está pedindo...". É verdade, as pessoas não são estúpidas, não estão votando na candidata do PT só porque o presidente está pedindo. Vão votar em Dilma porque veem nela a possibilidade de continuidade de um projeto de governo, iniciado no plano federal com Lula na Presidência.

Se tomarmos as razões de voto em Lula em 2006, já ficava muito claro o reconhecimento de uma miríade de realizações do governo, entre as quais o Bolsa Família era apenas uma das citações, dentre várias outras políticas mencionadas, como distribuição de renda, melhora do salário mínimo, crédito agrícola, ProUni, cisternas no semiárido etc., que tomadas em conjunto não permitiam uma explicação para sua reeleição como fruto de uma política assistencialista, como quiseram justificar alguns. Trata-se de um governo trabalhando em várias áreas, mostrando resultados e por isso convencendo as pessoas, até contrariamente à opinião da maior parte da mídia. Lula foi reeleito não por falta de críticas, mas apesar de todas as críticas e porque a população passou a avaliá-lo a partir das condições objetivas de suas vidas. Isso dá a ele essa altíssima popularidade e capacidade de transferir voto pelo reconhecimento da importância da continuidade ao projeto em curso, que é um projeto de mudança que de alguma forma ainda está no início.

Em 2006, nos grupos de pesquisa qualitativa, os eleitores mais realistas diziam, por exemplo: "Lula prometeu 10 milhões de empregos e só criou 4 milhões, mas ele está na direção certa, merece mais uma chance". Os idealistas ou utópicos diziam: "ele prometeu 10 milhões e só criou 4 milhões de empregos, não voto nele de novo." Agora que passamos de 12 milhões de empregos formais ­ e isso depois de o Brasil enfrentar exemplarmente a violenta crise de 2008-2009 ­ está claro que quem estava com o pé no chão eram os eleitores que reconduziram Lula ao segundo mandato e não os opositores que, alheios à realidade, o cobravam por uma meta ideal.

De modo análogo, hoje as pessoas que declaram que votarão em Dilma Rousseff estão fazendo isso com muita consciência de que a vida delas melhorou nesses oito anos e querem que as diretrizes das políticas iniciadas permaneçam. Elas não têm por que acreditar em quem só criticou o governo durante esse período todo.

Essa é a dificuldade de discurso de José Serra, que foi o candidato da situação quando o signo regente da eleição era a mudança e agora é o candidato da oposição quando o signo regente é a continuidade. Aliás, desse ponto de vista, para o PSDB a escolha de Serra foi um erro. Aécio teria mais chances de se colocar como um pós-Lula do que Serra, que sempre foi o anti-Lula. Qualquer tentativa de se mostrar diferente soa muito falsa.

Mas a candidata Dilma Rousseff não tem angariado os seus próprios votos? Dá para aferir isso?

Na medida em que ela se expõe e é apresentada como tal não há dúvida que muitas pessoas começam a desenvolver algum tipo de empatia e de confiança na pessoa dela, mas isso tem muito a ver com o fato de ela representar a continuidade desse projeto e estar sendo apresentada por Lula. Não creio que já estejamos diante de um resultado de atributos fortes de sua pessoa ­ o que pode acontecer no futuro, quando ela estiver no governo.

Se fizermos um paralelo, o mesmo aconteceu com Fernando Henrique em 1994, eleito pelo Real. Ele foi ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e anteriormente era um senador por São Paulo, não era uma personalidade no plano nacional. FHC ganhou a eleição como ganharia outro que representasse naquele momento a continuidade de um plano que se iniciava e que teve seus efeitos positivos rapidamente percebidos pela maioria da população. Outra pessoa poderia ser eleita no lugar de Dilma? Eu acredito que sim, mas isso não quer dizer que ela não tenha suas virtudes e qualidades próprias e aí entra um atributo relevante que é o fato de ser mulher. Essa é uma novidade que tem um significado importante neste momento.