Política

Com uma revisão profunda, e não extremista, do Código Florestal, receberemos na RIO+20 os países que virão discutir o futuro global de cabeça erguida

O que está em jogo na revisão do Código Florestal Brasileiro é o modelo de desenvolvimento sustentável, que combine a superação da desigualdade extrema e a erradicação da miséria, com a preservação dos recursos naturais necessários a uma boa qualidade de vida no planeta

Imagem: Ambientalistas fazem manifestação em Brasília

Esperamos que o Senado reconheça os avanços do projeto na Câmara e rejeite extremismos. Foto: Marcelo Casal/ABr

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Na revisão do Código Florestal Brasileiro, em curso no Congresso, devemos, em primeiro lugar, evitar os extremismos, ou seja, a tentação de supervalorizar apenas um pedaço, um extremo da realidade. Na Câmara, uns se fixaram nos méritos do código em vigor, tentando evitar qualquer mudança, doesse a quem doesse, mesmo que ficasse um código apenas para inglês ver, outros, também com extremismo, concentraram-se em demonizar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal (RLs).

O Poder Executivo, com apoio massivo da bancada do Partido dos Trabalhadores, rechaçou o extremismo e optou pela defesa incondicional dos institutos das RLs e APPs nas margens de rio, manguezais, encostas e topos de morro e, ao mesmo tempo, por uma revisão profunda do código e de suas regulamentações, de modo que esses institutos sejam de fato implementados, cumprindo o objetivo para o qual foram criados, ou seja, aliados e não obstáculos à produção de alimentos e à geração de renda para os agricultores brasileiros.

Avanços

Essa postura do PT, e do governo, levou ao rechaço do relatório inicial, ainda assim aprovado na Comissão Especial da Câmara, e a muitos avanços na proposta finalmente enviada ao Senado, tais como:

- reconhecimento do interesse público das florestas e da função social da propriedade;

- consolidação do vínculo entre “pequena propriedade” e agricultura familiar, atendendo ao disposto no Artigo 3º da Lei 11326/2006;

- retomada de tipologias importantes de APP, como as de topos de morro e as acima de 1800 metros;

- estabelecimento de critérios para viabilizar a regularização fundiária de interesse social e específico em áreas urbanas;

- regularização de culturas lenhosas perenes;

- manutenção do instituto da Reserva Legal em todos os imóveis rurais;

- critérios para uso da vegetação nas RLs, conciliando produção e preservação;

- apoio e simplificação do processo de regularização ambiental dos estabelecimentos rurais.

Esses avanços no enfrentamento das dificuldades, vividas pelos agricultores que querem cumprir a lei, só não foram ainda mais longe porque não se aceitou incorporar propostas do Executivo no sentido de, por exemplo, regularizar culturas tradicionais no interior de APPs em rios mais largos, como o São Francisco e outros.

Tais avanços explicam por que parte da base aliada votou a favor do projeto no plenário da Câmara, com destaques, e, a seguir, rejeitou a emenda 164, que desfigurou o texto do Artigo 8º, inicialmente acordado com o governo.

Segurança

Nossa esperança é que o Senado, de um lado, reconheça os avanços produzidos na discussão do projeto na Câmara e, de outro, rejeite extremismos que não trarão tranquilidade ao campo, ameaçando nosso singular ativo em biodiversidade. A sociedade precisa de segurança jurídica.

Não conseguirá isso se, por exemplo, pela expansão excessiva, criarmos problemas para o reconhecimento do direito intertemporal, que traria tranquilidade para os colonos que chegaram na Amazônia e fizeram a conversão para uso alternativo do solo em sintonia com as orientações técnicas e a legislação federal vigente à época.

Ainda no terreno da insegurança jurídica, também como exemplo, não podem persistir no mesmo texto a determinação de que a vegetação em APP tenha de ser mantida e ao mesmo tempo a previsão de legitimação de qualquer ocupação em APP.

Da mesma forma, o avanço na incorporação do conceito de pousio pode virar um problema se não se estabelecem prazos, assim como a inexistência do limite para a adoção da agricultura de vazante, no leito dos rios, às populações que tradicionalmente a praticam. Também não se ampliar o uso do recurso legítimo da compensação da reserva legal a qualquer tempo, estimulando a supressão da reserva legal. O texto final, se quer promover segurança jurídica, ainda como exemplo, não pode ainda confundir necessidade de recomposição com regularização de malfeitos.[/nextpage][nextpage title="p.2" ]Biodiversidade

O texto final do Senado deve portanto evitar extremismos que ameacem a nossa produção agrícola no longo prazo e a nossa biodiversidade. O que está em jogo é o modelo de desenvolvimento que queremos. Nas eleições passadas, e nas pesquisas de opinião pública, fica claro o desejo da maioria dos brasileiros em favor de um modelo de crescimento com inclusão social acelerada e respeito ao meio ambiente.

A maioria do povo brasileiro parece sintonizada e apoia nossa liderança mundial em favor de um modelo de desenvolvimento sustentável, que combine a superação da desigualdade extrema e a erradicação da miséria, com a preservação dos recursos naturais necessários a uma boa qualidade de vida no planeta, para os nossos filhos e netos.

Anistiar desmatamentos, como fez a emenda 164, a partir da qual criou-se um artigo no código que sobrevaloriza áreas consolidadas ao invés de excepcionalizar a supressão de vegetação em APPs apenas em função do interesse social, da utilidade pública e do baixo impacto ambiental, não parece conforme com a vontade política da nação, expressa em sucessivas eleições majoritárias.

Tal qual redigido o caput do artigo 8º, ainda como exemplo, e após a aprovação da emenda 164, pode representar o fim das APPs nas áreas rurais, posto que qualquer atividade agrossilvipastoril justificaria a supressão de vegetação em APPs.

Futuro

O Código Florestal Brasileiro, para valer nos próximos 50 anos, deve ser objetivo, simples, claro e de fácil operação, ajudando a diminuir a discricionariedade dos agentes públicos. Para orientar uma atuação harmônica e integrada dos entes federativos, sintonizada com as políticas nacionais de mudança climáticas (votadas pelo Congresso e encaminhadas a Copenhagen por Lula e pela então ministra Dilma) e dos nossos compromissos internacionais em favor da biodiversidade, suas normas gerais devem criar mecanismos que coíbam novos desmatamentos e estimulem a recuperação das áreas degradadas.

O Código, portanto, não deve estar voltado exclusivamente para o passado (regularização do uso da terra) e ter uma visão mais estratégica do uso da biodiversidade, do aproveitamento econômico e social da sustentabilidade ambiental no manejo das florestas e do uso dos recursos florestais. Tem de admitir a importância do olhar regional e da justiça socioambiental, reconhecendo o direito intertemporal.

Nossa biodiversidade está longe de constituir um obstáculo ao nosso futuro.  Seus produtos, os serviços ambientais que prestam e os enormes recursos genéticos que aguardam conhecimento, são a base da nossa riqueza. Base para uma economia florestal pujante, nosso código deve estar de acordo com os compromissos assumidos pelo Brasil em Nagoya, Japão, em favor da partilha e da soberania sobre os benefícios associados ao uso sustentável dos recursos genéticos brasileiros. É possível evitar novos desmatamentos aumentando nossa produção agropecuária de uma forma mais justa e inclusiva, social e ambientalmente, de acordo com as metas que estabelecemos, Legislativo e Executivo, para enfrentar o aquecimento global.

Com a ajuda de todos os partidos e uma revisão profunda do nosso código florestal, mas não extremista, poderemos receber na Rio+20, de cabeça erguida, as dezenas de países que, em 2012, discutirão conosco um futuro melhor para o planeta.

Izabella Teixeira é bióloga, doutora pela Coppe, UFRJ, servidora do Ibama e ministra do Meio Ambiente

Luiz Antonio Correia de Carvalho é licenciado em Filosofia pela Universidade de Paris X, jornalista e fundador do PT[/nextpage]