Internacional

Começou no berço da civilização ocidental, o novo capítulo da crise mundial do capitalismo que assola a Europa

Na Grécia, propostas e alternativas para salvar o país da crise financeira não podem deixar que, em pleno século 21, as conquistas sociais, políticas e democráticas desapareçam da noite para o dia como se nunca tivessem existido

Povo grego aceitará ser cobaia em experimento ultraneoliberal?

Povo grego aceitará ser cobaia em experimento ultraneoliberal? Foto: Yannis Behrakis/Reuters

É fácil compreender as causas e consequências das medidas de ajuste neoliberal que estão sendo aplicadas na República Helênica e as perspectivas desse combate do capital contra os trabalhadores e um povo que tem demonstrado grande capacidade e tradição de luta.

Em 2008, quando a gravidade da crise ficou evidente, os principais políticos em cargos de governo na União Europeia afirmaram que seria época de regulações no sistema financeiro e questionaram inclusive o FMI e o neoliberalismo. E falaram de uma nova arquitetura financeira mundial. Agora escolhem a Grécia como o laboratório ultraneoliberal.

Há uma grande contradição. Quando a crise global irrompeu, muitos reconheceram que a ideologia neoliberal dominante estava desabando. Já havia ficado claro o caráter inescrupuloso, impiedoso e predatório do capitalismo financeiro globalizado. Todavia, são exatamente essas medidas de roubo desmesurado da riqueza social que se pretende impor com mais força do que no passado. Mas isso não se deve a sua vigência, e sim a muitos outros fatores, entre os quais a ausência de uma visão alternativa.

Na Europa, isso se expressa na debilidade dos sindicatos, das organizações de massa e dos grupos que lutam contra o neoliberalismo, mas também dos partidos de esquerda, que precisam articular uma política unificada, com uma agenda para os trabalhadores, desempregados e marginalizados que leve a uma saída anticapitalista.

É necessário ainda articular uma proposta concreta e factível diante dos problemas advindos da crise, em um sistema político regido pelo bipartidarismo conservador. O social-democrata na Grécia está tendo um papel importantíssimo, ocupando um espaço social, com a concordância dos movimentos antineoliberais, a fim de recuperar a hegemonia social

Ataques especulativos

A crise também se desencadeia por meio do maior ataque especulativo da história contra o euro e se agrava pela insistência alemã de impor rigidez fiscal e severidade pela estabilidade, ignorando as consequências para os demais países da zona do euro. O déficit público na maioria dos países desenvolvidos ocidentais representava 73% do PIB em 2007, chegou a 91% em 2010 e está previsto para 110% em 2015. O aumento não se deve à ausência de uma “cultura de estabilidade fiscal”, como disse a chanceler alemã Merkel, e sim à recessão. E cada corte nos gastos públicos em época de recessão leva ao aumento da recessão e piora os déficits.

Nos onze anos desde a introdução do euro, apenas Luxemburgo e Finlândia cumpriram 100% o Acordo de Estabilidade. Até a Alemanha, segundo a Bloomberg (agência de notícias do sistema financeiro), violou durante oito anos os limites permitidos de dívida e durante cinco anos aqueles dos déficits. Agora, insiste em uma política que conduz a um ciclo vicioso mortal, querendo impor a todos os países da zona do euro cortes dramáticos para manter os déficits inclusive abaixo dos 3% previstos no Acordo de Estabilidade.

Ao mesmo tempo, essas políticas ameaçam a Europa com a desestabilização e enfraquecem o euro. A Alemanha (já que as novas instituições europeias, assim como o presidente do conselho, de fato não têm peso algum) propõe ao FMI políticas de corte do custo trabalhista para aumentar a propalada competitividade, sendo que ela foi a grande beneficiada com a criação da zona do euro porque, entre outras razões, isso promoveu suas exportações na Eurozona, no sul da Europa, na Espanha, Portugal, Itália e Grécia, mantendo vantagens comerciais, enquanto cresciam os déficits desses quatro países. É preciso lembrar, como disse o economista K. Vergopoulos, vice-reitor da Universidade de Economia de Paris, que 75% dos superávits alemães provêm dos respectivos déficits dos países-membros da zona do euro, da mesma forma que os superávits chineses provêm dos déficits dos EUA.

Experimento ultraneoliberal

Com o início de uma nova fase da crise capitalista desencadeada há três anos e da especulação contra o euro, a Grécia foi o elo mais fraco nessa cadeia, sendo então escolhida para o experimento ultraneoliberal que agora se estende a outros países.

Certamente há corrupção, um estado de clientelismo, escândalos econômicos envolvendo desde ministros até monges, uma rede de transações ilícitas entre políticos e empresários, uma evasão fiscal enorme e multinacionais, como a Siemens, que ofereciam milhões em dinheiro clandestino para abocanhar grandes contratos estatais. E é evidente que os altos déficits (13%) e dívida (115%) são resultado dessas políticas.

A Grécia, porém, é um dos países mais rebeldes da zona do euro e soube protestar em massa durante anos. Não é coincidência que esse experimento, premeditado e planejado para ser aplicado também no restante da Europa, seja efetuado com um povo de grande tradição de luta e reivindicações. A Grécia poderia ser o barômetro da resistência europeia diante das novas receitas neoliberais.

A dívida pública de € 298,5 bilhões (12,5% do PIB) passará para € 374,6 bilhões (16,78%) em 2014. Os gastos com esses pagamentos foram de mais de € 41 bilhões em 2009 (17% do PIB). Entre 2010 e 2014, a Grécia precisará de € 420 bilhões para a dívida, enquanto o “mecanismo de apoio” aprovado pela “troika”, como chamamos a UE, o FMI e o Banco Central Europeu, nos concede € 110 bilhões com juros altíssimos de 5%. Esse mecanismo faz é tranquilizar os grupos alemães, franceses, ingleses e nacionais, que deram empréstimos ao setor público e controlam mais de 50% da dívida pública grega, e apoiar os bancos de grupos monopolistas nacionais com outros € 25 bilhões (em 2009 lhes deram mais € 28 bilhões).

A esquerda grega, independentemente de suas diferenças, sabe que a possibilidade de pagar a dívida é só teórica. Os EUA e o FMI estão promovendo a política da “bancarrota controlada”, para que a Grécia não chegue a um “default oficial”, que causaria danos ao euro, e, nesse marco, quem sabe haja uma reestruturação da dívida, ampliando o prazo de pagamento, mas sob condições ainda piores.