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Desde 2005, Belterra mais que dobrou o número de salas de aula e deve triplicar até o final do ano. Está a um passo de qualificar todos os seus professores com o curso superior

Quando o governo do PT assumiu a Prefeitura de Belterra, em 2005, optou pela ousadia: estabeleceu como política pública envolver seus cidadãos e cidadãs, no campo e na cidade, em uma gestão coletiva que decide as prioridades do governo no debate público. Os resultados são visíveis

Prefeito Geraldo Pastana participa da reunião de organização do Plano Diretor

Prefeito Geraldo Pastana em reunião de organização do Plano Diretor. Foto: Dermey Santana

[nextpage title="p.1" ]Quando o governo do PT assumiu a prefeitura de Belterra, em 2005, o município não tinha os 20 mil habitantes exigidos pelo Ministério das Cidades para adotar o Plano Diretor Participativo. Mesmo assim, optou pela ousadia: estabeleceu como política pública envolver seus cidadãos e cidadãs, no campo e na cidade, em uma gestão coletiva que decide as prioridades do governo no debate público com toda a população. Os resultados mostram que o modo petista de governar não é retórica, e sim um fato que melhora a qualidade de vida sobretudo dos mais pobres.

Belterra fará 78 anos em 4 de maio, mas a emancipação em relação a Santarém só ocorreu em 1997. O orçamento anual de R$ 28 milhões minguou para R$ 20 milhões, em decorrência de litígios judiciais. Hoje, o município é organizado em sete distritos administrativos e, do ponto de vista do sistema financeiro, servido por uma lotérica da Caixa e um banco postal Correios-Banco do Brasil. O prefeito, Geraldo Pastana, é um veterano das lutas no campo. Foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Belterra e secretário Agrário Nacional do PT, espaços nos quais consolidou a concepção política de que governo, antes de decidir, deve se reunir com o povo para ouvir, compartilhar e construir coletivamente as políticas públicas.

Os resultados são visíveis. De 2005 a 2012, Belterra mais que dobrou o número de salas de aula e a expectativa é triplicar até o final do ano. Antes sem ônibus escolar, agora possui seis veículos para o transporte dos estudantes, cinco dos quais novos. Está a um passo de qualificar todos os seus professores com o curso superior – já atingiu 95% da meta. Conta com quatro os telecentros de informática e há mais três em implantação. No hospital da cidade agora são oito profissionais de diversas especialidades médicas, atendendo em horário integral, e não apenas um, em meio expediente. Os postos da Estratégia Saúde da Família saltaram de dois para sete, um em cada distrito, e o número de postos de saúde, de dois para quatro, entre outros muitos avanços (veja infográfico).

Conquistas

Pastana ressalta que essas e outras conquistas são fruto do esforço coletivo de construção do Plano Diretor Participativo, um processo de mobilização que incentivou as comunidades a se organizarem para apresentar ao governo não apenas a reivindicação imediata – e na maior parte das vezes justa – do posto de saúde, da abertura da vicinal, da escola, mas de prioridades a partir de um planejamento compartilhado por toda a sociedade.

Em 2006 foi dado o primeiro passo e, não por coincidência, o processo foi chamado de leitura comunitária, ou seja, quando você firma o compromisso, dá a palavra. Isso exigiu que fossem percorridas todas as comunidades, com a realização de 64 plenárias, durante três meses, para ler, falar, ouvir, apreender, criar uma consciência e sensibilizar quanto à importância do Plano Diretor Participativo. A adesão foi tamanha que, no processo, o povo se animou e, como já é tradição, sobretudo no movimento rural, surgiu o Hino do Plano Diretor, cantado durante as plenárias e cuja primeira estrofe deixa bem claro os objetivos fundamentais da mobilização popular. "Vem construir a felicidade, mano/ Fazer daqui uma feliz cidade/ Fazer do amor uma inspiração/ E sentir no peito o prazer de ser cidadão”1.

Com a mobilização das comunidades assegurada, deu-se o segundo passo, a leitura técnica, em valiosa parceria com instituições universitárias de reconhecida competência, como a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), e organizações não governamentais com relevantes serviços prestados à comunidade, como a Fase, o Projeto Saúde e Alegria e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Mobilização nas comunidades faz programas avançarem | Mônica Almeida

O terceiro passo foi a plenária em cada segmento: rurais, idosos, juventude, crianças, professores, indígenas, educação, saúde, turismo e meio ambiente. O processo comprovou na prática que a democracia é filha do conflito, pois o despertar da consciência do direito de compartilhar as decisões de governo, muitas vezes elevou o tom reivindicatório sobre as prioridades, mas em momento algum isso prejudicou o processo. Ao contrário, Pastana avalia que fortaleceu o governo, que passou a agir seguindo as determinações tomadas pelo Plano Diretor Participativo, respaldado no planejamento adotado a partir de decisões populares.

[/nextpage][nextpage title="p.2" ] Vencendo a desconfiança

Coordenador do Planejamento do município e também ex-diretor do STTR, Laércio Pereira Paz diz que a maior dificuldade do processo foi convencer as pessoas de que iriam de fato compartilhar o poder de decisão sobre questões fundamentais ao município, a maioria delas envolvendo obras e recursos públicos. “As pessoas não acreditavam que era pra valer”, lembra Laércio, ressaltando que na área urbana, com pouca tradição de decisões coletivas, foi onde houve maior resistência.

Empolgado, ele cita um exemplo recente do grau de organização e autoafirmação dos segmentos populares que integram o Planejamento Participativo do Plano Diretor. Em 13 de janeiro de 2012, quando os conselheiros eleitos nos distritos tomaram posse na Câmara de Belterra, um grupo de vereadores tentou impedi-los, “O povo então ocupou a Câmara, tomou posse e não aceitou ser barrado. Isso é poder real e está no sangue, na veia do povo", observa Laércio.

Cristina Izabel Sousa de Almeida, técnica do Planejamento, diz que o processo participativo desencadeado pelo Plano Diretor triplicou o número de associações nos bairros, que de três, em 2005, quando Pastana assumiu, saltou para dez. “Hoje tem uma mudança visível, porque o povo já tomou conta, já se apoderou da cobrança e da participação, não cabe mais retrocesso. E eu não tenho nenhum receio de perder a eleição, porque o povo já validou esse processo de participação", argumenta.

Vencendo as distâncias

Ex-presidente do STTR, Maria Irlanda de Almeida aponta um dos principais obstáculos ao avanço do processo de participação popular. “A grande dificuldade que persiste é percorrer as grandes distâncias entre as comunidades, indo de barco, a pé, e reunir os moradores pra que a gente possa dar nosso palpite, o que é possível hoje. Antes, a democracia era só na hora do voto. Agora é constante, com cobrança, com fiscalização diz Irlanda. “E não foi conseguido tudo, não, mas com certeza mais de 50% já conquistamos. O grande passo para construir o Plano Diretor já foi dado. Agora é avançar pra tirar a lei do papel e dizer ao governo que Belterra nós queremos hoje e pros nossos filhos e netos. Conquistamos o controle social e aprendemos a cobrar nossos direitos com muito amor pela causa da participação popular. Esse poder ninguém tira de nós.”

Raimunda Lúcia Lira de Souza, que preside o STTR de Belterra e faz parte do Conselho da Cidadania, acredita que o fortalecimento das organizações populares é fundamental para respaldar as decisões do Planejamento Participativo. “A gente exerce a cidadania no debate e na prática e vai conseguindo melhorias pra nossa vida e de nossa família e pras comunidades. Mas precisa reforçar o papel do conselho, mostrar sempre a importância da organização e da força do povo unido. É isso fazemos no sindicato dos trabalhadores rurais e precisa ser dito sempre, pra ninguém esquecer”, defende Lúcia. “Nós, rurais, já temos o hábito da organização, porque nos reunimos em clube de mães, no sindicato, na associação de jovens. Essa organização precisa ser fortalecida.”

Organização popular e parcerias dão salto de qualidade

Pastana atribui esse salto de qualidade em Belterra à combinação entre organização popular e parcerias. Quando vai consertar uma estrada, por exemplo, ante à escassez de recursos orçamentários, a prefeitura pode entrar com a máquina e os parceiros, com o óleo diesel. “Tem parceria pra tudo”, diz o prefeito, que frisa também o apoio decisivo do governo do ex-presidente Lula, da presidenta Dilma e da ex-governadora Ana Júlia. “Nunca antes na história de Belterra houve tanto apoio como nesse período do PT no governo federal e, até 2010, no governo estadual.”

Prefeito GeraldoPara Pastana é fundamental reforçar a participação popular e a representação legislativa | Mizael Santos

Para este ano, Pastana diz que é fundamental reforçar as duas pontas do novelo: a participação popular e a representação legislativa. “Fui eleito com 52% dos votos e apenas um vereador do PT”, diz o prefeito, que defende a institucionalização do Conselho da Cidadania e dos conselheiros eleitos em todos os distritos pelas comunidades. “É preciso que o Conselho da Cidadania se torne um instrumento legalizado pela prefeitura, faça parte da institucionalidade do município, fortalecendo cada vez mais a legitimidade da participação direta do povo.”

Ao PT nacional, Pastana sugere a criação de uma equipe de assessoramento técnico para projetos do governo federal, com início, meio e fim e voltada às pequenas prefeituras. A ideia é garantir bons projetos para captar recursos do governo federal e assegurar benefícios à população. E justifica a razão da proposta: “Caminhar no labirinto da burocracia exige uma técnica aperfeiçoada, e isso às vezes custa recursos. Informação sobre projetos e como obtê-los é muito importante, em especial às prefeituras que têm recursos escassos, como no nosso caso”.

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Vera Paoloni e Edir Gaya são jornalistas [/nextpage]