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Grandes decisões, com metas ousadas e garantia de resultados, são desenhadas com a participação social e gestão democrática

O modo petista de governar abre espaço a uma São Bernardo do Campo que incentiva o crescimento econômico com os olhos voltados para o desenvolvimento sustentável, chamando à participação os diversos atores sociais para planejar não apenas o ciclo orçamentário, mas o conjunto da cidade

Com gestão democrática, cidade pode reformar histórico estádio da Vila Euclides

Com gestão democrática, cidade pode reformar histórico estádio da Vila Euclides. Foto: Arquivo

[nextpage title="p.1" ]O que há em comum em São Bernardo do Campo (SP) entre a história da comunidade de Vila Biquinha, que aguarda há mais de duas décadas a escritura definitiva dos imóveis, o pedido desesperado de uma mãe por uma ciclovia, após a morte de seu filho pela falta de segurança no trânsito, e a luta de famílias de alojamentos precários e de risco por moradia digna? Até 2008, apenas reivindicações da população. A partir de 2009, a certeza de que a participação social é o método de uma gestão democrática para tomar grandes decisões e garantir resultados. Essas demandas são objeto do conjunto de 88 programas que compõem as diretrizes do planejamento orçamentário para a cidade de São Bernardo do Campo até 2013.

A aposentada Maria das Neves de Melo, que passou trinta de seus 67 anos morando em áreas de risco, assentamentos precários e alojamentos, venceu sua batalha. Desde  22 de outubro de 2010 reside no conjunto habitacional Três Marias. Com a serenidade de quem criou cinco filhos trabalhando na limpeza em casas de famílias e escritórios, ela conta que esteve “nas reuniões” com a prefeitura para apresentar a situação precária de moradia na comunidade da Divineia, uma das 29 regiões onde ocorreram plenárias do Plano Plurianual Participativo (PPA) 2010-2013. As reuniões do Grande Alvarenga, que teve a participação de dona Maria, foram as que contabilizaram maior número de participantes.

Da mesma forma, após vinte anos de espera, 150 moradores da comunidade de Vila Biquinha estão prestes a conquistar a escritura definitiva dos imóveis, pelo Programa Municipal de Regularização Fundiária dos Assentamentos Consolidados. O objetivo é atingir 15 mil unidades regularizadas, dentro PPA 2010-2013.

De acordo com o prefeito Luiz Marinho, quando assumiu a gestão a cidade, não havia um diagnóstico preciso do déficit habitacional. O plano municipal elaborado chegou ao acumulado de 107.641 moradias. São Bernardo do Campo possui 261 assentamentos precários de interesse social e onze conjuntos habitacionais públicos, que contam com cerca de 90 mil moradias irregulares, o que representa 35% do total de domicílios do município. Desses assentamentos, 130 são áreas prioritárias para o Programa de Regularização Fundiária de Assentamentos Irregulares, uma vez que não necessitam de intervenções para a regularização. Essas áreas somam aproximadamente 38 mil unidades habitacionais.

Prefeito Luiz Marinho | Cecília Figueiredo

“É uma meta ousada no que se refere ao projeto de transformação, valorização e autoestima das famílias da nossa cidade", ressalta o prefeito, ao explicar que o PPA possibilita o debate sobre a cidade que “queremos” e, como consequência, a necessidade de pensar, buscar caminhos e planejar questões de longo prazo. O percentual de investimento do orçamento municipal em habitação, que na gestão anterior era bem inferior à media nacional, de 0,71%, saiu de um patamar de 0,03% para 6,70% na proposta aprovada pela Câmara Municipal. Considerando os recursos captados e previstos, deve atingir 8,30% em 2013.

O olhar para as demandas sociais foi também o que motivou a gestão Luiz Marinho a inaugurar em agosto de 2009 a primeira ciclovia em São Bernardo do Campo, ponto de partida para a elaboração do programa de melhoria da segurança viária do município. Batizada de Henrique Sales Capuchim, nasceu da denúncia feita, na plenária do PPA, por Rita de Cássia Capuchim, moradora que perdeu seu filho atropelado por um ônibus em 2008.

Ciclovias: resultado do olhar para as demandas sociais

A maior parte das receitas municipais, previstas em R$ 13 bilhões, está direcionada para as áreas da saúde, habitação, educação, drenagem e meio ambiente, expressas como as mais urgentes durante as 29 plenárias regionais. E a prefeitura ainda conta com outras fontes de recursos até 2013, como a transferência de verba do governo federal por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Minha Casa, Minha Vida e das verbas para o Sistema Único de Saúde (SUS).

O PPA de São Bernardo do Campo vem, portanto, norteando a ação e os investimentos e alterando o perfil do maior município do ABCD, com 800 mil habitantes, e um dos principais da Região Metropolitana de São Paulo. O processo de industrialização acelerado e posteriormente a crise do setor automobilístico geraram bolsões urbanos de pobreza e exclusão social e territorial, demonstrando a ineficácia do desenvolvimento econômico para alavancar o social.

Conjunto Habitacional Três Marias

O modo petista de governar abre agora espaço a uma São Bernardo do Campo que incentiva o crescimento econômico com os olhos voltados para o desenvolvimento sustentável, chamando à participação os diversos atores do tecido social para planejar não apenas o ciclo orçamentário, mas o conjunto da cidade.

Estabelecido no artigo 165 da Constituição Federal como obrigação do Executivo (federal, estadual e municipal), o PPA deve ser realizado no primeiro ano de mandato para planejar os quatro anos de governo, mas não impõe a metodologia participativa como caminho. “Depende de vontade política e de uma grande determinação da gestão”, aponta Marinho. Ele lembra que na gestão 1989-1992, apesar da tentativa de implementar o Orçamento Participativo (OP), não houve a efetiva aquisição de uma cultura participativa. “O Maurício Soares, então prefeito pelo PT, fez por dois anos OP, porque não havia força social, partidária...”.

Em 2009, o PPA Participativo de São Bernardo foi reconhecido pela Caixa Econômica Federal como uma das vinte melhores práticas de gestão municipal do Brasil. O prefeito adverte, porém, que o planejamento deve estar focado na execução do orçamento sem perder de vista o plano da cidade, que reúne uma série de questões estruturantes. Esse foi um dos motivos da criação da pasta de Orçamento e Planejamento Participativo.

“O PPA Participativo nasceu de um programa de governo, elaborado com muitos debates de propostas, projetos para a cidade. Nasceu da necessidade de atualizar a prática petista, olhando as experiências anteriores”, salienta Marinho, ao citar Santo André (gestões de Celso Daniel e João Avamileno), Santos (gestão de Telma de Souza), governo do Distrito Federal (Cristovam Buarque), entre várias outras.

Essa metodologia, além de levar ao planejamento eficiente, na avaliação do prefeito rompe com a prática conservadora e equilibra as disputas de interesse. “O processo participativo acaba contrariando a ação do vereador de apadrinhar a comunidade A em detrimento da B, que pode ter uma reivindicação mais premente.” Para ilustrar, cita o Plano Diretor do bairro Balsa, uma área extensa de proteção de manancial (APM) onde vivem cerca de 11 mil pessoas, já em fase de finalização. “Qualquer investimento lá é muito alto. Fazer uma intervenção de asfalto não custa menos que R$ 20 milhões. Na Marechal Deodoro, o investimento é menor e o retorno eleitoral maior. Mas como abandonar 11 mil pessoas na Balsa, colocadas numa área imprópria por algum prefeito?”, questiona o petista.

Entusiasmado, Marinho diz que o PPA em São Bernardo assumiu um patamar de diálogo entre as diversas áreas de governo, “ajudou a constituir o rosto do governo”. Uma administração que obteve na elaboração coletiva uma peça de planejamento estimada, por meio de programas, ações e serviços, em R$ cerca de 13 bilhões. “No entanto, a maior parte dos recursos financeiros que garantiram e garantirão a viabilidade das diretrizes contidas na proposta do PPA até seu horizonte em 2013, principalmente nas áreas de habitação e infraestrutura urbana, corresponde a contratos de repasse financeiro do governo federal”, esclarece.

A conexão entre as etapas de planejamento de médio prazo (PPA) e curto prazo (OP) é outro elemento essencial para resgatar as diretrizes aprovadas como prioritárias até 2013. “Servem de base para a definição de ações mais pontuais, trazendo coerência, transparência e legitimidade ao planejamento da cidade”, reforça o prefeito. No ciclo do OP 2011 investimentos de cerca de R$ 505 milhões foram aplicados nos 88 programas contidos no PPA.

O ciclo orçamentário em São Bernardo do Campo prevê o PPA Participativo, realizado no primeiro ano de mandato, plenárias regionais deliberativas do Orçamento Participativo a cada dois anos (2010 e 2012) e plenárias regionais de prestação de contas (2011). “Uma obra, ação ou serviço só pode ser executado pelo governo se estiver planejado no PPA, apontado na Lei de Diretrizes Orçamentárias e aprovado na Lei Orçamentária Anual, que aqui também é realizada pela participação cidadã, com o OP”, explica Nilza de Oliveira, secretária de Orçamento e Planejamento Participativo.

A discussão de todo o ciclo orçamentário em São Bernardo do Campo reuniu 32.474 pessoas, somando as 29 plenárias do PPA (2009), vinte do OP (2010) e as reuniões de prestação de contas em 2011.

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Entre 2002 e 2010, programas elaborados com a população passaram de 11,5% a uma representação de 75,4% das políticas públicas federais. O avanço da participação da sociedade na construção de políticas de Estado faz parte do estudo Participação Social como Método de Governo: um Mapeamento das “Interfaces Socioestatais” nos Programas Federais, apresentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 25 de janeiro de 2012.

A experiência da cidade do ABCD não apenas corrobora com os resultados da análise do Ipea como reafirma a viabilidade de elaborar políticas estruturantes. “A Usina Verde é uma delas. Após quase três anos de intenso debate com ambientalistas e sociedade, iniciaremos em 2012 a licitação pública para a usina, que deve ser concluída até 2014”, diz Marinho, ilustrando o potencial do mecanismo de planejamento participativo.

A Usina de Recuperação Energética, ou Usina Verde, receberá todo o lixo produzido no município – atualmente encaminhado para o aterro sanitário de Ribeirão Pires – e o transformará em energia para a cidade. Será um dos primeiros municípios a pôr em prática a nova política federal dos resíduos sólidos.

Outra obra estruturante é a chegada do metrô a São Bernardo do Campo, aprovada no OP 2010, com início neste ano. “Ao município coube o projeto funcional no valor de R$ 27 milhões, elaborado no formato de Parceria Público-Privada”, detalha Nilza.

Como funciona

O PPA Participativo de São Bernardo, lançado em 24 de abril de 2009, organizou a cidade em 29 regiões, considerando a proximidade de indicadores e dados censitários, a partir de cinco eixos temáticos, que são as marcas do programa de governo eleito em 2008. O conjunto da cidade pode escolher, sugerir e definir duas diretrizes à administração, posteriormente transformadas em programas e ações para embasar as discussões no OP.

Cerca de 14 mil pessoas dos mais variados segmentos participaram das discussões nos 289 grupos de trabalho (GTs). A saúde esteve presente em 49,8% dos GTs; habitação, em 18,3%; segurança, em 11,1%; drenagem e resíduos sólidos, em 8,3%.

Por meio do voto eletrônico foram eleitas as diretrizes e um ou uma representante, com direito a indicação e defesa de candidatura. A eleição podia ser realizada também pela internet, no portal da prefeitura, mediante cadastro prévio. Terminado o ciclo de plenárias, 29 representantes da sociedade civil e 29 do governo formaram a Comissão Paritária de Acompanhamento do PPA. Os representantes eleitos passaram por um processo de formação, de modo a qualificar sua participação na consolidação da peça do PPA, encaminhado à Câmara dos Vereadores para votação.

“Criamos ainda a figura do agente da participação cidadã, que é o elo entre a prefeitura e a comunidade, locado na Secretaria de Orçamento e Planejamento Participativo. Sua função  é monitorar o governo na cidade e na região, acompanhar o ritmo das obras, tudo”, resume Marinho.
Orgulhoso pelas conquistas na cidade onde mora desde que chegou da Paraíba, Misael Dantas, um dos agentes de participação cidadã, conta que chorou ao assistir à assinatura da ordem de serviço para o asfalto no bairro Iracema, região da Balsa. “Aquele povo chorando de alegria mostra pra gente que compensa”, relata o articulador. Aguardada há mais de vinte anos, a obra consta das diretrizes do PPA, entrou no OP 2010 e, no ano seguinte, durante a audiência de prestação de contas, o prefeito assinou a ordem para seu início.

Misael Dantas, um dos agentes de participação cidadã | Cecília Figueiredo

A rotina de trabalho de Misael é manter o diálogo permanente com a população sobre o andamento ou a demora no cronograma de uma obra ou ação para o bairro, ainda que este seja onde ele vive. “O Grande Alvarenga é uma APM, há um córrego, e a população quer saber por que ainda não foi canalizado. Explico, em reuniões com a comunidade, as autorizações ambientais necessárias para iniciar uma ação como essa, que uma comunidade próxima da represa não terá a mesma infraestrutura da área urbana, e convido-os a ver a transformação que está ocorrendo na cidade, para que compreendam e ampliem o olhar além do umbigo”, relata o agente, recordando ainda que, quando lá chegou, em 1987, a cidade vivia de alojamentos precários.

Sérgio Vital, secretário adjunto de Orçamento e Planejamento Participativo, acredita que o governo iniciou 2012 com 80% das diretrizes realizadas e deve finalizá-lo com o PPA praticamente concluído. “Foram definidas nove Unidades de Pronto Atendimento, estamos com seis instaladas, uma será entregue em breve e outras duas iniciarão a construção este ano. De 2009 até agora, mais de 1.200 moradias foram entregues, até o final do ano a expectativa é atingir as 4 mil unidades habitacionais. O Hospital de Clínicas fará com que a cidade chegue a 160 novos leitos, além da reforma e ampliação do PS, que se tornará Hospital de Urgência. Na Educação, a meta era 13 mil novas vagas, terminaremos este ano com 16 mil”, diz Vital.

Ao fazer um balanço da resposta positiva obtida da população ao convite para elaborar o planejamento orçamentário da cidade, o prefeito Luiz Marinho atribui ao fato a experiência estar articulada ao Programa de Governo eleito em 2004, às etapas de médio e curto prazo, a execução do que foi definido pela população e o exercício pedagógico contínuo para governo e população.

Também aponta a transferência do entusiasmo da população com o governo federal para a gestão no município. “Sou produto dessa experiência participativa e sinto hoje na população a autoestima elevadíssima, a partir do que o governo Lula fez. Isso facilita o processo de participação. A credibilidade do governo Lula, a relação que ele criou, continuada agora pela presidenta Dilma, refletiu, transferiu expectativa e animou o processo aqui”, enfatiza o prefeito.

Cecília Figueiredo é jornalista [/nextpage]