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Alimentos já processados – higienizados, embalados a vácuo e congelados – chegam às escolas prontos para ser utilizados, sem perigo de contaminação

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Programa de São Carlos (SP) é considerado exemplo de prática bem-sucedida no com

Programa de São Carlos (SP) é considerado exemplo de prática bem-sucedida no combate à fome. Foto: Antonio Stefani

Recentemente, o Programa de Segurança Alimentar de São Carlos (SP) foi inserido como exemplo de prática bem-sucedida na plataforma do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e da Rede Integrada de Segurança Alimentar e Nutricional (Redesan). É mais uma conquista para essa importante política pública, que contempla  da agricultura familiar à merenda escolar, restaurantes populares e doação para entidades. Sempre com o acompanhamento nutricional das refeições. O objetivo? Garantir à população o acesso a alimentos de qualidade, incentivando práticas saudáveis obtidas por meio de fontes saudáveis, como a agricultura familiar.

Não é de hoje que o município é referência nessa questão. O programa teve êxito graças a um arranjo institucional adotado desde a última gestão administrativa (2004-2008), de Newton Lima (agora deputado federal), a que o atual prefeito, Oswaldo (Barba) Baptista Duarte Filho, deu continuidade – ambos são do PT e ex-reitores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E, como educador, Oswaldo Barba é enfático ao destacar a importância que os alimentos servidos na merenda escolar têm para o desenvolvimento intelectual dos estudantes: “Crianças mal alimentadas não conseguem aprender. Por isso é nossa obrigação fornecer uma alimentação de qualidade a elas”.

A Secretaria de Agricultura e Abastecimento está à frente do programa, com ações que agregam desde a aproximação com os agricultores familiares até o cuidado com os alimentos que são adquiridos desses produtores, bem como sua qualidade e as refeições que serão produzidas a partir deles.

“Trata-se de um programa direcionado ao resgate da cidadania das pessoas envolvidas, além de toda a sua amplitude social. O ineditismo do projeto foi conseguir implantar com sucesso a política pública criada pelo ex-presidente Lula, que permite fomentar a agricultura familiar, há tanto tempo esquecida, inviabilizada pela aquisição feita até então por meio de grandes compradores. São Carlos é um dos poucos municípios que executam essa ação de maneira integrada, fechando um ciclo. Os produtores familiares, preparados pelo poder público para pensar a segurança alimentar, através de capacitações, produzem em melhores condições e vendem seus hortifrúti, com garantia de compra pela prefeitura, a preço de mercado, como explica a secretária da pasta, Regina Bortolotti.

Programas de incentivo

Para dar conta dessa gestão, segundo ela, é importante o entrosamento efetivo na esfera da segurança alimentar, através das duas diretorias-base da secretaria, Agricultura e Abastecimento, com ações que permitem gerir os mais diversos programas e atividades. Como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), implantado em 2006, que prevê a compra de produtos da agricultura familiar e sua doação a instituições que atendem pessoas em situação de insegurança alimentar. Ele abastece o Banco de Alimentos, de onde saem os produtos, inclusive estocáveis, distribuídos a essas entidades (cerca de 16 mil pessoas) e aos restaurantes populares. O PAA atua em duas frentes: ao adquirir o alimento diretamente do pequeno produtor, valoriza e estimula a atividade da agricultura familiar, fortalecendo esse segmento, e incentiva a organização desses trabalhadores em cooperativas, associações e outras formas de arranjo produtivo. Na outra ponta, auxilia, de maneira vigorosa, o combate à fome e à desnutrição – e também ao desperdício –, promovendo distribuição de alimentos à população de baixa renda.

Já o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) atende à Resolução no 38, do governo Lula, de julho de 2009, que estabelece que no mínimo 30% dos produtos utilizados na merenda sejam oriundos da agricultura familiar. São Carlos já excedeu essa cota, chegando hoje a 38%.

Segundo a secretária, esses programas injetaram na agricultura familiar mais de R$ 3 milhões, de 2009 a 2011. Em parceria com o governo federal, a prefeitura implantou o Centro Tecnológico da Agricultura Familiar (Cetaf), um espaço com auditório e até alojamento para oferecer cursos permanentes de capacitação ao agricultor. “Atualmente existem 247 agricultores cadastrados na secretaria, 90% deles oriundos de assentamentos da reforma agrária, que hoje vivem pleno processo de inclusão produtiva e social. Há pouco tempo criaram uma associação.”

Agricultura familiar

Mas, se hoje os agricultores familiares têm uma série de benefícios ao fornecer para a prefeitura, é porque lá atrás foram plantadas sementes que, regadas com um trabalho sério e permanente de aproximação com eles, resultaram nessas melhorias. Quem conta é o diretor do Departamento de Agricultura, João Vitor Rosa Jr.:

“Em 2005, apenas um agricultor familiar tinha contato com nossa secretaria. Então foi feito um trabalho de agregar, de chamar os produtores, mostrar as vantagens para eles, capacitar, para que trabalhassem conosco na secretaria. Eles eram supercarentes de informações, alguns não entendiam e tinham até um pouco de receio. A maioria nunca teve uma nota fiscal, cadastro nos órgãos federais. E para fornecer para órgão público, para a merenda, tem de ter CNPJ. Então eles tiveram de se regularizar juridicamente como microempreendedores. Nossos técnicos começaram a visitar as propriedades, a ajudar na adaptação às novas tecnologias, formas de plantio, de cultivo, e gradativamente eles foram investindo e aumentando a produção. A partir de 2008, conseguimos reunir um grupo grande”.

Segundo João Vitor, quando eles começaram a levar seus alimentos para a plataforma da prefeitura, esse trabalho de segurança alimentar foi reforçado, com a contratação de mais nutricionistas, técnicos e engenheiros agrônomos, que passaram a orientar sobre o que estabelece a segurança alimentar, como transportar, qual o veículo, de que maneira o alimento deve ser colhido, quais as caixas apropriadas e como acondicionar, entre outros pontos. “Eles se adaptaram às normas, têm uma caminhonete para transportar os alimentos, foram criando uma cultura de segurança alimentar, e automaticamente a produção melhorou, a renda aumentou, e depois começamos com as feiras, que foi uma agregação de valor muito grande”, conta.

Investimentos no setor

“A gente orienta para que eles não fiquem só na venda para nós, mas expandam sua produção, fornecendo nas feiras livres, nos sacolões, restaurantes, e diversifiquem. Durante a Conferência da Agricultura Familiar, em janeiro, quando vieram todos os produtores da região, passamos um parâmetro do que a prefeitura iria consumir durante o ano, em cima do cardápio preparado pelo Departamento de Abastecimento. Assim, abrimos um leque para que eles não priorizem só uma cultura, usem a propriedade de forma mais sustentável, ocupando espaços ociosos, às vezes de declive. Onde não se consegue plantar a verdura, pode jogar uma abóbora, mandioquinha, agregando valor econômico melhor para seu sustento”, explica o diretor.

Os produtores cadastrados na secretaria produzem praticamente 90% do que é usado na merenda escolar e nos restaurantes populares, com exceção de frutas que não são próprias da região. A prefeitura compra em média 25 toneladas por semana, com preços variados. Produtos para o Banco de Alimentos (também estocáveis), por exemplo, são pagos pelo preço da Conab, órgão oficial do estado. Já no caso da agricultura familiar do FNDE, para a merenda, é feita uma chamada pública a cada seis meses, com uma tabela da média dos preços cotados nos grandes centros de abastecimento da região, como Ceasa Campinas e Ceasa Rio Preto.

“É bem melhor que a tabela da Conab. É supercompetitiva, tira o atravessador. Essa é outra vantagem. O preço do FNDE e agora a feira da agricultura familiar eliminam a figura do atravessador. Consigo pagar um preço bem melhor até do que eles conseguem nos sacolões. As nutricionistas nos passam uma relação, até terça-feira, de tudo que vão usar na próxima semana, e a gente sai com nossa equipe comprando, para na segunda de manhãzinha recepcionar tudo na plataforma. Aí o pessoal faz a logística de distribuição”, diz João Vitor.

Alimentação escolar

A distribuição dos gêneros é feita pela Divisão de Alimentação Escolar (DAE) para 120 unidades. São 63 mil refeições por dia (cinco refeições por turno nas unidades de tempo integral e três em escolas normais). Atualmente a rede possui 44 mil alunos em São Carlos.

A DAE também é responsável pelas compras, pelos fornecedores e pela elaboração dos cardápios anuais, passo inicial desse processo. “A partir do cardápio, que tem uma lista de substituição de acordo com a época, abro os pregões, faço as compras anuais e vou pedindo conforme a necessidade das escolas. Ele é dividido por faixa etária e por permanência. Se a criança fica período integral, recebe 70% da necessidade calórica na merenda. Se fica parcial, 30%. É tudo calculado em cima disso, balanceado de acordo com a legislação, desde os bebês, nas creches. Para eles, fornecemos o NAN. O suco é natural, compramos frutas como goiaba, abacaxi, maracujá, carambola, acerola, fazemos as polpas e as enviamos congeladas para as unidades”, explica a nutricionista e chefe do setor, Aline Cristine dal Ri.
Também não há bolo pronto, preparação semipronta, maionese, bolacha recheada, evitando ao máximo os alimentos industrializados, de forma a priorizar o mais natural.

Há cardápios para crianças com patologias ou necessidades gastrointestinais, como intolerância à lactose, entre outras. “No caso de criança obesa, normalmente ela já tem uma orientação da nutricionista da Secretaria de Saúde. O que precisa é trabalhar a quantidade, evitar que ela faça muitas repetições, controlar o porcionamento. A merendeira e os professores, que conhecem as crianças, normalmente fazem esse acompanhamento”, completa a nutricionista.

Variedade x deficiência

O cardápio de São Carlos é bem variado com relação a verduras, legumes e frutas, e muitas vezes são servidos alimentos que não fazem parte do cotidiano de muitas crianças. É o caso da isca de filé de merluza, uma vez por mês, melão, iogurte, e do mel, que entra no cardápio “festividades” – durante as festas juninas, as crianças ganharam sachês, adquiridos de um apicultor da agricultura familiar do município.

Mas às vezes as novidades não são tão gostosas para as crianças. Diversidade e equilíbrio nutricional na alimentação significam “comer de tudo”. E nem sempre é fácil convencer uma criança a experimentar o que ela julga que não gosta. Segundo a nutricionista e chefe em exercício da Divisão de Segurança Alimentar, Marinalda Napolitano, “não pode falar 'não como nada', 'não como fruta nenhuma', isso mostra uma deficiência na educação nutricional. Então a gente trabalha isso com as merendeiras, que são nossas intermediárias, pois estão próximas da criança todos os dias, para que ofereçam, insistam, ponham um pouquinho no prato, para introduzir novo hábito. Tem de repetir várias vezes.”

Nessa hora, a persistência é fundamental. Aí reside o trabalho da educação alimentar, que depende muito da colaboração dessa importante figura, a merendeira. No geral, a merenda é servida prato a prato, com a merendeira fazendo o porcionamento individual. Há certa resistência no início, mas a gente tem de trabalhar isso, elas têm de conhecer novos sabores, variar. Este é o grande diferencial: a diversidade minimiza a deficiência nutricional. E o hábito que a criança formar na infância vai ser o que vai levar para a vida inteira”, explica Marinalda.

O trabalho da equipe de Segurança Alimentar também é de orientação e treinamento in loco para a prevenção de doenças transmitidas por alimentos. As merendeiras e, nas creches, as lactaristas aprendem sobre condições higiênico-sanitárias, a melhor forma de manipulação para que não haja contaminação durante o processo, o controle de tempo e a temperatura para servir, sempre visando à segurança do alimento, para que seja consumido em boas condições pela criança.

Processamento de alimentos

Funcionando dentro da secretaria, um grande diferencial em São Carlos é a Unidade de Processamento de Alimentos – onde se começa a entender realmente a importância da segurança alimentar. Quem explica é Danilo Vidotti, chefe da Divisão de Serviço de Inspeção Municipal:

“Processamos em torno de 3 toneladas por semana, podendo chegar a 4. São hortifrúti em geral – cenoura, beterraba, mandioca, folhosas, como almeirão e alface, chuchu, abóbora e frutas. Tudo é lavado, higienizado duas vezes, secado e embalado a vácuo. Dependendo do alimento, vai ser congelado, com duração de até três meses, como medida de segurança, ou minimamente processado, até sete dias sob refrigeração. Temos o caminhão e vans refrigeradas. Em nenhum momento o alimento sai da refrigeração. Depois de pronto, vai para câmaras frias, é transportado nas vans refrigeradas e ao chegar às unidades escolares vai para as geladeiras e freezers”.

O fato de já estar pronto para ser utilizado facilita o preparo, de maneira que as merendeiras não ficam sobrecarregadas. E assim se consegue um controle de qualidade melhor, uma segurança reforçada do alimento, porque não depende da manipulação da merendeira – como já vai higienizado, não fica muito tempo exposto.

Danilo usa o exemplo da mandioca, que estava sendo processada naquele dia: “Vocês viram a sujeira que faz... Que essa sujeira fique aqui, não na cozinha das escolas”.

Restaurante Popular

Outro importante programa dentro da política de segurança alimentar é o Restaurante Popular, com duas unidades na cidade. Segundo a nutricionista Fernanda Borgesan Martins, do Restaurante Popular da Vila Irene, a variedade é grande e os alimentos são de qualidade: “A gente serve aqui arroz, feijão, um prato principal, carne ou ovo, verdura ou legume, salada, sobremesa (um doce ou frutas da época) e o suco, de polpa natural”.

Esse restaurante, que fica numa área mais central da cidade, ao lado de um Centro de Referência do Idoso, está sempre cheio – o público é formado por esse pessoal da terceira idade, trabalhadores de várias partes da cidade, famílias com crianças. São servidas em média 480 refeições, só almoço. O outro Restaurante Popular, inaugurado no final de 2007, fica no Cidade Aracy, na periferia, recebendo cerca de 420 pessoas por noite, principalmente trabalhadores do bairro, que saem do serviço e vão jantar lá com a família.

Isso tudo é comprovado pelos consumidores, muitos deles habitués do restaurante, caso de Régis Botelho, que tem um comércio ao lado de sua casa, a cinco quadras dali: “Vale a pena. A comida é muito boa. Minha mulher tem uma dieta controlada, por problema de saúde, e não come quase nada, só um arroz branco, uma saladinha. Eu também sou hipertenso, cardíaco, e tenho de manter uma dieta sem sal. E aqui tudo que eu preciso tem, balanceado, variado e barato”.

Cleusa Miguel Gavassa cuida do pai, que sofreu um derrame e mora na esquina. Almoça ali dia sim, dia não: “É muito gostosa a comida, as pessoas que atendem são maravilhosas, e é baratérrimo... Com R$ 3 você não compra um salgado, um lanche. Aqui não, você come, toma suco, tem sobremesa. Sou dona de casa e não faria um prato com menos de R$ 10”.

Outros estão começando a conhecer o restaurante, e já aprovam: “Venho caminhando, 23 minutos. Onde almoço, lá perto, estou pagando mais de R$ 10, então não compensa. É muito bom, eu gosto. Prefiro aqui do que lá, que é mais caro”, diz Wendell Tiago de Oliveira, que trabalha em outra região da cidade.

Jussara Lopes é jornalista

Link citados na abertura da matéria: www.plataforma.redesan.ufrgs.br e http://redesan.ufrgs.br