Nacional

Beneficiários de programas de transferência de renda começam a andar pelas próprias pernas, em projetos desenvolvidos pelo município

Em sete anos, a redução do desemprego formal passou de 12,3% para 9%. Foram criadas 15 mil novas empresas na cidade e 53.250 pessoas foram recolocadas no mercado de trabalho

Onze mulheres, ex-beneficiárias do Bolsa Família, hoje produzem uniformes escola

Onze mulheres, ex-beneficiárias do Bolsa Família, hoje produzem uniformes escolares em cooperativa. Foto: Joaquim Duarte

O combate à miséria, colocado pelo governo Lula na agenda nacional, foi o desafio. Motivada por ele, a administração de Osasco (SP) criou caminhos para adaptar o modo petista de governar, experimentado na cidade de São Paulo entre 2000 e 2004, e retomar o título de cidade-trabalho para uma nova realidade.

O governo de Osasco foi na fonte da economia solidária e provou, nos últimos sete anos, que é possível conciliar dinamismo com desenvolvimento sustentável. A cidade, que nos anos 1960 representava importante polo industrial e palco de greves e mobilizações no processo de democratização, a partir da década de 1990, acompanhando a tendência do país, passou a conviver com altas taxas de desemprego e queda dos rendimentos, violência e insegurança alimentar, contribuindo com o agravamento da exclusão social.

Entre 1985 e 2003 foram eliminados, em Osasco, cerca de 20 mil empregos na indústria, provocando um encolhimento do emprego formal, conforme o Relatório Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego.

Entre 2004 e 2011, conforme dados do Observatório do Trabalho de Osasco e Região – no qual a administração municipal, em parceria com o Dieese, verifica a consistência técnica dos projetos a serem lançados –, houve um aumento significativo dos empregos com carteira assinada. Em 2004, o trabalho formal correspondia a 57,4% do total da mão de obra ocupada da cidade. Em sete anos essa participação subiu para 67,5%.

Entre maio de 2006 e o deste ano, mais de 251.500 pessoas foram inscritas no Portal do Trabalhador. Desse total, 53.250 foram recolocadas no mercado de trabalho, principalmente nos setores de serviços e industrial, sem contar as que optaram por empreendimentos solidários. “A redução do desemprego formal caiu de 12,3% para 9%, bem abaixo da média da Grande São Paulo. Também foram formalizadas 15 mil novas empresas na cidade”, complementa o prefeito de Osasco, Emídio de Souza.

Osasco se tornou também referência nacional no emprego apoiado, que na prática significa fazer com que as empresas cumpram a lei de cotas para pessoas com deficiência. “Em parceria com a Delegacia Regional do Trabalho e sindicatos, Osasco notifica a que tem de cumprir cota. Localizamos as pessoas, oferecemos assessoria à empresa para indicar qual o melhor caso para a vaga – deficiência visual, auditiva, mental – e fazer o acompanhamento inicial do trabalhador”, explica o prefeito.

Ana Claudia da Silva Reis, encarregada do setor de Recursos Humanos da Braspor Gráfica e Editora, conta que tem se servido do Portal do Trabalhador para obter mão de obra. A empresa, com 500 funcionários, firmou parceria em outubro de 2011 com o Programa Osasco Inclui. De lá para cá já contratou oitenta trabalhadores, entre celetistas, pessoas com deficiências e estagiários. “As que são destinadas para nossas vagas têm um conhecimento maior e o processo entre a localização de um candidato e a entrevista é rápido, em dois dias”, afirma Ana Claudia, que elogia a iniciativa e a indica como forma de minimizar o desemprego.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconheceu Osasco como fomentadora da política de trabalho decente. “Aqui, trouxemos para o controle do poder público os centros de apoio ao trabalhador, em acordo com as centrais sindicais, e abrimos o Portal. O trabalhador agenda o horário por telefone, não precisa ficar esperando”, explica o prefeito. A cidade conta com duas unidades do Portal do Trabalhador (centro e zona sul), nas quais empresários podem buscar mão de obra e a população conta com serviços como seguro-desemprego, expedição de carteira de trabalho, inscrição no Bolsa Família ou novas possibilidades de empreendimento. Circulam em média 1.500 pessoas diariamente nos dois portais. "Há uma terceira unidade que está no programa para o próximo exercício”, antecipa Emídio.

Emídio: Portal do Trabalhador integra política de trabalho decente. Foto: Joaquim Duarte

Na avaliação do prefeito petista, dar centralidade à estratégia de geração de trabalho e renda na agenda pública foi primordial. Foram envolvidas todas as secretarias na elaboração e viabilidade do pacote contra a exclusão social e a Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão Social (SDTI) foi “vitaminada”. O orçamento de R$ 800 mil, entre 2005 e 2012, saltou gradativamente para R$ 35 milhões e o quadro de servidores, de dezessete para 500. “Não tem como promover políticas de Estado sem recursos”, diz o gestor.

Para aprofundar um conjunto de políticas públicas iniciado na capital paulista durante o governo Marta Suplicy em Osasco, Emídio ressalta a diversidade de parcerias com todos os ministérios. O governo federal tem viabilizado repasses que variam de R$ 15 milhões a R$ 20 milhões por ano. O mesmo não acontece com o governo estadual.

Segundo o petista, com a presidenta Dilma novas tentativas estão sendo empenhadas para que haja uma complementaridade entre o Bolsa Família (federal) e o Renda Cidadã (estadual). “Esses programas não dialogam, os cadastros são diferentes, por isso fizemos aqui o CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais, do governo federal), que nos possibilitou ter um controle da situação.”

Dulce Helena Cazzuni, secretária de Desenvolvimento, Trabalho e Inclusão Social, explica que a estratégia de promover o direito ao trabalho decente reúne programas de transferência de renda, de capacitação e emancipatórios. “Vimos uma oportunidade, por meio dos beneficiários, de articular os programas sociais à geração de ocupação e renda e desenvolvimento local onde as pessoas vivem”, acrescenta.

A administração, no primeiro ano de governo, planejou ações, elaborou um arcabouço legal que garantisse a estabilidade das políticas e o controle social. “Buscamos igrejas, empresários, sindicatos, toda a sociedade civil para se envolver na construção de uma política de Estado”, conta Dulce. E todas as ações estão ancoradas em leis, “como o Osasco Inclui, o Operação Trabalho, o Renda Mínima, o Começar de Novo, o Apoio ao Cooperativismo”, cita.

Presente nas comunidades, em reuniões em casas de lideranças ou espaços cedidos, o poder público identificou problemas como trabalho infantil, gravidez precoce, drogadição, população adulta em situação de rua, crianças e adolescentes fora da escola, elevado número de famílias em situação de pobreza e violência doméstica contra mulheres e crianças nas 32 regiões que foram objeto do levantamento (áreas de ponderamento), constante do Atlas da Exclusão Social de Osasco. “Uma bíblia que nos norteia no planejamento das ações”, define Dulce.

Ouvir a população de todo o município foi tão essencial, segundo ela, quanto a discussão no interior do governo, para que as políticas atendessem às demandas e evoluíssem. “Numa administração pública, hoje, não cabem mais ações isoladas, tem de ter políticas transversais. Para transformar a produção de uniformes escolares em política de geração de renda, por exemplo, tem de haver a compreensão do Jurídico, para dar a forma legal; convênios com entidades, por meio da Secretaria de Trabalho; o auxílio da pasta de Finanças na preparação do orçamento; e o entendimento da Educação, para que os prazos que pressionam a pasta não comprometam essa política”, exemplifica Emídio.

Com amparo da Lei Municipal nº 3.978, de 27 de dezembro de 2005, o Osasco Solidária, que reúne os programas de inclusão social, estabeleceu princípios para fomentar a economia popular na cidade. Graças aos resultados, tanto o Portal do Trabalhador quanto o projeto Educação e Inclusão e a Incubadora Pública renderam premiações ao município, entre 2008 e 2010.

Políticas emancipatórias

A Cooperativa de Costura Osasco é resultado dessa aposta do governo. No bairro Rochedale, que em 2006 era impactado pelos piores índices de exclusão social, segundo o Atlas da Exclusão Social de Osasco, hoje onze mulheres, entre 29 a 56 anos, cortam, chuleiam, arrematam roupas, fazem acompanhamento contábil e o marketing de seu próprio negócio.

Em um galpão já pequeno para “seus sonhos”, elas relatam, sem perder a conta da produção, como foi chegar até ali com o dinheiro do próprio trabalho. Há seis anos, Durvalina Vieira de Souza, Marize Alvez Prazeres e Neuraci dos Santos foram selecionadas junto com outras beneficiárias do programa Bolsa Família para participar do projeto Oficina Escola, que oferece capacitação profissional em costura, por meio da produção de uniformes distribuídos pela administração à rede municipal de ensino. “Ficamos dois anos lá. Muitas nem conheciam costura. Quem queria ir para o mercado de trabalho foi e quem queria montar seu empreendimento ficou. Nós optamos por criar uma cooperativa”, revela Diva F. Marques, presidenta em exercício.

Na Incubadora Pública de Economia Popular e Solidária elas receberam a assessoria necessária para formar a cooperativa. “Criada por meio de convênio com o Ministério do Trabalho, a Incubadora tem como protagonistas os beneficiários de programas sociais, que à medida que vão se capacitando passam a andar com as próprias pernas”, afirma o prefeito.

O Bolsa Família tem 26 mil beneficiários cadastrados na cidade. Marize Alvez Prazeres, ex-presidente da Cooperativa de Costura de Osasco tornou-se símbolo do sucesso das políticas emancipatórias. Dois anos depois de ingressar no Oficina Escola, Marize devolveu em 2008 seu cartão do Bolsa Família ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não precisar mais do benefício de R$ 118 – média mensal do programa.

Outra sócia, Ana Paula Oliveira, nos esclarece sobre a gestão do empreendimento. “Temos uma grande parceria com a Prefeitura de Osasco, mas também buscamos pequenas empresas, outras prefeituras, e já conseguimos participar de licitações de até R$ 80 mil.”

Fora da máquina de costura, cada uma desempenha funções paralelas. “A incubadora nos ajuda, nos ensina, mas não faz pela gente. Para abrir uma cooperativa tem de ter cerca de 21 pessoas com livre adesão, três delas do conselho administrativo, três do conselho fiscal e suplentes. No nosso caso, somos nós mesmas que fazemos tudo isso”, completa Ana Paula.

No Comitê Gestor do Centro Público de Economia Popular, composto por sociedade civil e poder público, Jarize da Silva participa, leva propostas da Cooperativa de Costura e ajuda a monitorar as ações, contribuindo para a sistematização e o aperfeiçoamento das estratégias de incubação, formação, capacitação e assessoria aos empreendimentos populares e solidários.

Entre os clientes do empreendimento estão outras cooperativas, como as de reciclagem, que compram os uniformes da cooperativa. “Aí a gente trabalha em cadeia e, quando entra muito serviço, buscamos outras oficinas, para formar uma rede solidária. São empreendedoras, microempresas, uma conhece um transfer, outra um silk-screen...”

Há cerca de duzentos empreendimentos em processo de incubação. “Mais de mil pessoas estão envolvidas em atividades de economia solidária. Somente na área de artesanato são noventa empreendedores, além de acompanharmos duas cooperativas de reciclagem, a terceira que está em formação, três núcleos de reciclagem e dois de agricultura urbana”, explica Magali Honório, coordenadora do Programa Osasco Solidária.

O atendimento na loja do Centro Público da Ecosol, ao lado da sede da Prefeitura de Osasco, é feito em sistema de escala pelos grupos que estão desenvolvendo sua produção. Lá há uma equipe de quinze técnicos de áreas variadas – jurídica, ambiental, de alimentação, agronomia, psicologia –, responsáveis por fomentar os novos projetos que são apresentados. “A pessoa chega com uma ideia, é feita uma entrevista, classificado o grau de incubação. Pode ser a pré-incubação, quando há a ideia mas não a experiência de negócio e comercialização, e a incubação, para quem já  comercializa e quer melhorar seu produto ou se associar a outros empreendimentos numa rede”, completa Magali.

Nesse espaço, nossa a equipe, que chega sem pré-agendamentos, assiste à cadeia de economia endógena em pleno funcionamento. Valdete Cesário Cavalheiro, de 52 anos, e outra dezena de mulheres servem o almoço para participantes de uma oficina de logística. Ela é moradora de Quitaúna e trabalha com a economia solidária desde 2006. Integrante de uma das três cooperativas de cozinheiras, participa da Maesol, a rede de mulheres ativas e empreendedoras solidárias que reúne treze mulheres e serve alimentação para eventos. No almoço, parte das hortaliças vem do projeto de agricultura urbana em Osasco, em núcleo desenvolvido na rede de transmissão da Eletropaulo.

Valdete Cavalheiro, da Maesol, serve alimentação para eventos. Foto: Joaquim Duarte

No auditório, uma oficina de capacitação reúne cerca de vinte trabalhadoras que integram Coopernatus e Coopermundi – cooperativas responsáveis pela coleta seletiva nas zonas norte e sul de Osasco. Com quatro caminhões do Osasco Solidário e duas centrais de triagem, as cooperadas estão em formação na rede regional Oeste no segmento de reciclagem.

A relações-públicas da Coopernatus, Marineide Alves Santos, explica que a formação se destina a habilitar uma espécie de consórcio para comercializar os reciclados que ainda estão nas mãos do atravessador. “Estamos montando a rede, com apoio da Fundação Banco do Brasil, que já aprovou nossos projetos, e até o início do segundo semestre poderemos comprar mais seis caminhões para a coleta seletiva, que será realizada por cooperativas de oito municípios”, diz Marineide, moradora do bairro Colinas, antigo Morro do Sokol, revitalizado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Por representar um grande incentivador na geração de trabalho e renda, a coleta seletiva é hoje um dos projetos de relevância do Brasil Sem Miséria e contemplado com parcerias com o BNDES. “Temos hoje duas centrais de triagem de resíduos sólidos e queremos chegar, a partir dessa parceria com o BNDES, a 100% da cobertura”, aposta Emídio.

O Brasil Sem Miséria também inclui a promoção de requalificação e capacitação profissional. Carlos Augusto Maurício, de 52 anos, Janete da Costa, de 43, e Joaquim de Sá, de 44, são mais três exemplos que confirmam a capacidade da emancipação. Beneficiários do Bolsa Família, Carlos está se formando no curso de informática, Janete concluindo o de recepção e Joaquim o de hardware. Cursos profissionalizantes garantidos pelo Pronatec a quem deseja buscar uma nova chance no mercado de trabalho, como empregado ou autônomo. Para auxiliar na obtenção das vagas (manicure, cuidador de idoso, cuidador infantil, soldador e em informática), o programa federal também prioriza o acompanhamento da saúde dos futuros candidatos. “Foi a melhor coisa que me aconteceu para conseguir emprego. Vou ter outra bolsa de estudo para terminar o ensino médio. Estou passando pelo oftalmologista e pelo tratamento de saúde bucal e espero, logo que conseguir um emprego, continuar me aperfeiçoando em informática”, declara Carlos Augusto.

Cecília Figueiredo é jornalista