Economia

Enquanto vários bancos privados registraram retração nos lucros e alta da inadimplência, a Caixa obteve lucro líquido de mais de 25% no primeiro semestre

A Caixa vem demonstrando o acerto do governo, que desde 2003 passou a reconhecer o papel histórico que os bancos públicos podem ter no desenvolvimento da economia e da sociedade brasileiras, ao mesmo tempo em que devem obter bons resultados econômico-financeiros

Caixa Econômica Federal é o único banco nacional de varejo 100% público

Caixa Econômica Federal é o único banco nacional de varejo 100% público. Foto:José Cruz/ABr

Depois de um primeiro semestre contido, desde junho deste ano o Brasil retomou níveis ampliados de crescimento econômico, possivelmente alcançando algo próximo a 2,5% de crescimento do PIB em 2012. Embora ainda com expansão inferior à necessária, ao final do ano esse crescimento poderá chegar a uma taxa de 4% anualizada e será acompanhado por juros nominais de cerca de 7,25%, inflação sob controle e próxima da meta, real menos valorizado e mais estável, dívida líquida do setor público em queda, mercado interno em expansão e continuidade do processo de redução da pobreza.

Essa recuperação da atividade econômica nacional – em meio a uma crise persistente e ao baixo crescimento econômico dos países avançados – só será possível graças a um conjunto de políticas governamentais inovadoras adotadas em diferentes esferas da economia: monetária, fiscal, cambial, de incentivo setorial e ao investimento e, não menos importante, de preservação e expansão do mercado interno.

Para que essa recuperação se tornasse possível foram criadas políticas destinadas à reversão do historicamente elevado nível das taxas de juros e dos spreads bancários do país. Essas políticas – promovidas pelo Bacen e pelo governo federal – deram início a um novo ciclo monetário, agora de redução das taxas de juros e do spread bancário, que teve efeitos significativos tanto sobre a demanda quanto sobre a redução do custo do capital.

Contrariamente às avaliações e críticas recebidas da mídia e de analistas vinculados a setores mais conservadores e/ou aos ganhos financeiros resultantes de juros e spreads elevados, esse processo vem se consolidando, tendo desde o início os bancos públicos como importantes apoiadores e implementadores dessas políticas.

A queda dos juros e a Caixa

Talvez uma das mais interessantes questões levantadas ao longo desse processo tenha sido o desempenho apresentado pela Caixa Econômica Federal, o único banco nacional de varejo 100% público.

Enquanto vários bancos privados registraram retração nos lucros e elevação da inadimplência, a Caixa obteve lucro líquido de R$ 2,846 bilhões no primeiro semestre de 2012, ou seja, uma alta de mais de 25% em relação ao mesmo período do ano passado.

Como isso foi possível que um banco público pudesse mostrar esse desempenho em meio à crise externa e às quedas dos juros e do spread bancário? Da mesma forma como o Brasil soube enfrentar a crise, a Caixa soube aproveitar a queda dos juros e dos spreads bancários. Enquanto os economistas e analistas conservadores chiavam com as decisões do Banco Central e do Ministério da Fazenda e viam “o fim do mundo” com a redução dos juros e do spread bancário, os bancos públicos, e a Caixa em particular, assumiram sua responsabilidade.

Assim, além de manter suas atividades sociais como o pagamento do Bolsa Família, assegurar o desenvolvimento do programa imobiliário Minha Casa, Minha Vida e consolidar o processo de inclusão bancária, a Caixa mostrou que poderia auxiliar o governo em sua luta e – ao mesmo tempo – garantir sua consolidação como banco comercial. Dando sequência às iniciativas e políticas do governo federal, lançou o programa Caixa Melhor Crédito, que promoveu a redução de juros e ofereceu novas linhas de crédito para vários segmentos, e comprovou que mesmo assim – ou por isso mesmo – também seria possível ter um bom desempenho econômico financeiro.

Isso só poderia se confirmar se, em paralelo, fosse ampliado o crédito fornecido pela instituição e a inadimplência fosse controlada. E isso ocorreu, com mais de 33% de aumento na contratação total de crédito no semestre, que passou de R$ 102,7 bilhões nos primeiros seis meses de 2011 para R$ 136,9 bilhões, representando cerca de 14% de participação no mercado e ultrapassando o tamanho da carteira de crédito do Bradesco. Só no segundo trimestre deste ano o lucro líquido foi de R$ 1,7 bilhão, crescimento de 44,5% em relação aos três meses anteriores.

Mas, apesar desse extraordinário aumento da oferta de crédito, a Caixa mostrou responsabilidade na sua concessão e – ao contrário de outros bancos – conseguiu que a inadimplência ficasse estabilizada em torno de 2%.

O desempenho da caderneta de poupança foi outro destaque, contrariando o terrorismo daqueles que vislumbravam efeitos terríveis sobre a captação da poupança, dadas as mudanças indispensáveis e bem implementadas das suas regras pelo governo, quando a maior queda dos juros assim o exigiu. A Caixa, que sempre teve uma significativa participação nesse segmento, apresentou no primeiro semestre de 2012 captação líquida de R$ 6,7 bilhões, alta de nada menos que 189%. O saldo da poupança foi de R$ 161,9 bilhões.

Como não poderia ser diferente, a Caixa obteve nesse período uma significativa participação no mercado (mais de 36%). Se isso se consolidar no futuro, seu posicionamento entre os principais bancos poderá ser alterado positivamente.

Recuperação e reconhecimento

Esse extraordinário desempenho evidencia a “volta por cima” que a Caixa deu nos últimos dez anos, sobretudo quando observamos a dolorosa realidade vivida por essa longeva instituição antes de 2002.

Naquele então, a Caixa só perdia mercado. Tampouco desempenhava a contento suas responsabilidades sociais, o crédito comercial (PF ou PJ) era desprezado, a infraestrutura tecnológica abandonada e sua deterioração favorecida, evitada a contratação e capacitação de seus empregados, comprometida sua imagem no mercado e reduzida sua base de clientes, ao ocupar sistematicamente os primeiros lugares na lista de reclamações do Banco Central. E ficava à espera de uma sempre anunciada privatização, que só não ocorreu pela necessidade de manipular os recursos do seu fundo de pensão para as outras privatizações.

Hoje, bem distante daquela realidade, a Caixa vem demonstrando o acerto do governo, que desde 2003 passou a reconhecer o papel histórico que os bancos públicos poderiam ter no desenvolvimento da economia e da sociedade brasileiras, ao mesmo tempo em que deveriam mostrar bons resultados econômico-financeiros.

Hoje é consenso que o sistema financeiro, para desempenhar a contento seu papel, precisa assegurar a disponibilização de crédito em condições de prazos, custos e quantidades adequadas ao efetivo aproveitamento das oportunidades de investimento. E este continuava sendo um dos maiores desafios de nossa economia – mesmo com a melhora dos níveis de investimento verificados na última década –, devido à permanência de elevados juros e spreads bancários e às elevadas demandas.

Assim, tornou-se imprescindível enfrentar com determinação o problema dos juros elevados, e bancos públicos como a Caixa poderiam ter importância estratégica não somente no apoio às políticas sociais, mas também no aprofundamento e consolidação de um sistema financeiro capaz de exercer a contento seu papel.

Agora, com o impulso do ciclo de queda dos juros e do spread bancário e de seus efeitos sobre a demanda, a redução do custo do capital e o estímulo aos investimentos, os bancos públicos – ao mesmo tempo em que asseguraram, como a Caixa, um melhor desempenho econômico-financeiro – contribuíram com a melhora da atividade econômica, a ampliação da concorrência interbancária e a consolidação do papel que o sistema financeiro pode e deve ter na oferta de crédito e na ampliação do investimento.

Jorge Mattoso é economista e consultor, com doutorado pela Unicamp e pós-doutorado pelo IRES, na França. Foi professor do Instituto de Economia da Unicamp (1985-2009), professor da Cátedra Celso Furtado da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha (2010), secretário de Relações Internacionais da PMSP (2001-2003), de Finanças de São Bernardo do Campo (2009) e presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006)