Política

Do ponto de vista organizacional, a estrutura do PT quase não enxerga o parlamentar no município. O cargo é invisível enquanto representação partidária

“Existimos”. Esse é o recado dos vereadorparaes à direção partidária captado em uma amostra do levantamento realizado pela Secretaria de Formação do PT do estado de São Paulo  saber quem são e o que pensam os parlamentares petistas municipais

A estrutura partidária quase não enxerga o parlamentar no munícipio

A estrutura partidária quase não enxerga o parlamentar no munícipio. (Foto: Filipe Mesquita de Oliveira/Wikimedia)

Elegemos no estado de São Paulo 673 vereadores petistas em outubro de 2012. Talvez haja um pouco menos, atualmente, em exercício de mandato, em razão de algumas desfiliações e expulsões. Ainda assim, temos pelo menos 660 vereadores do Partido dos Trabalhadores em atividade no estado.

Existe uma tendência natural de vermos a atuação partidária focada na relação com os prefeitos e com os deputados e pouca (ou praticamente nenhuma) relação com os vereadores no sentido organizacional. A gravidade do problema aumenta quando se constata que o cargo de vereador, o que tem a maior capilaridade partidária, por ser o mais próximo da base política da sociedade e dos militantes, está disperso em áreas enormes. Isso ocorre mesmo no estado de São Paulo, que tem boa interligação e é relativamente denso geograficamente. Em cidades de pequeno e médio porte, não é incomum encontrar um único ou dois mandatos isolados petistas fazendo oposição a um mandato Executivo de direita.

Além disso, ao olharmos com atenção o quadro a seguir, vemos o quanto o PT cresceu em número de cargos legislativos municipais. Entre os dez maiores partidos, o PT foi o que mais aumentou sua representação de 2008 para 2012 (22%), totalizando 5.067 vereadores em todo o Brasil em 2012. É o terceiro maior em cargos de vereador, perdendo apenas para PMDB e PSDB, que elegeram menos em 2012. Isso é contrário e oposto a qualquer cenário de crise. Mas nosso diagnóstico geral, dados os ataques que o PT vem sofrendo da grande mídia em especial e do Judiciário em parte, vamos ter uma queda considerável dessa capacidade eleitoral se medidas urgentes não forem tomadas para revitalizar essa relação entre a direção partidária regional e municipal sob a orientação programática do Diretório Nacional, que precisa olhar com maior atenção para a conjuntura descrita neste artigo.

Do ponto de vista organizacional, a estrutura partidária quase não enxerga o parlamentar no município. O próprio cargo de vereador é invisível enquanto representação partidária. Isso pode ser justificado por vários motivos: são em número muito grande, a dispersão existe, os vereadores têm pouco poder efetivo em um sistema político em que o Executivo se concentra sobremaneira nos municípios, e assim por diante. Mas o fato é que não são convocados para debates nem consultados sobre os assuntos partidários e, quando chamados, o são na mesma leva dos militantes de base, posicionando-se de igual modo ou sendo considerados de igual modo.

Fonte: Viomundo reproduzindo infográfico do jornal O Globo. Disponível em: http://www.viomundo.com.br/politica/o-balanco-da-eleicao-para-vereadores-no-brasil.html. Extraído em 21/4/2015.

Com essa percepção à vista, foi elaborada pela Secretaria de Formação do Diretório Estadual do PT de São Paulo uma pesquisa simples e fácil de ser reproduzida em todas as outras esferas estaduais. A proposta foi entrar em contato com todos os vereadores e todas as vereadoras eleitos, por telefone, para que respondessem a cinco perguntas rápidas, com foco na questão da formação política:

1) Há quanto tempo é filiado do PT?

2) Qual tema gostaria que fosse abordado na formação política para vereadores (para o exercício do mandato)?

3) Curso de EaD (a distância, via internet) surtiria algum efeito na formação política de base?

4) Participa de alguma comunidade religiosa?

5) Participa de algum movimento sindical ou social? Por exemplo, MST, MTST, MAB, academia/universidade etc.

Os resultados dessas formulações parciais podem ser resumidos nas considerações a seguir. Correspondem ao levantamento prévio que representa a base de setenta vereadores dos municípios ligados às macrorregiões do ABC, de Guarulhos e de Osasco. Sugerimos que outras secretarias façam também suas consultas.

Sobre a primeira questão (tempo de filiação), podemos dividir em dois tipos de resposta: o quadro histórico que conhece e milita no PT desde os anos 1980 e 1990 e tem boa consciência de seu papel político e aquele que aderiu recentemente ao projeto do partido, em grande parte estimulado pelas vitórias eleitorais. Em relação a este, percebemos uma dificuldade tremenda de saber quem são os novos vereadores. Essa nova geração de vereadores não está entre os "quadros históricos" do PT nos municípios e muitos mal são conhecidos pela burocracia partidária em suas próprias regiões. Não são quadros forjados nas estruturas do partido (e, mais grave, não foram acolhidos), mas constituíram uma base pessoal considerável. Por não terem relações históricas com o PT, conhecem pouco os caminhos a seguir, sentem necessidade de diálogo e contato com as lideranças do partido, particularmente, na relação com as instâncias internas.

Para a segunda pergunta (tema para aprimorar a formação), a resposta foi bastante direta: nossos vereadores sentem extrema necessidade de aperfeiçoar sua atuação parlamentar no sentido técnico e sentem necessidade de iniciativas externas para isso, pois não têm conhecimento, embasamento, assessoramento próprio que os auxilie. Os temas mais técnicos são os mais emergenciais. Os mecanismos da legalidade legislativa (formatação de projetos de lei, compreensão e diferenciação entre leis ordinárias e leis complementares, emendas em leis etc.), governo, gestão, orçamento, estatutos e emendas parlamentares precisam ser discutidos, apresentados e trabalhados segundo uma visão petista e transformadora da sociedade.

Na terceira pergunta (sobre o EaD), a percepção é que estamos engatinhando no uso de ferramentas modernas de formação. Nesse campo, já são conhecidas e incorporadas as iniciativas da Fundação Perseu Abramo e seu caminho, por meio de cursos do Laboratório de Gestão, como um espaço importante de formação. Mas algo específico para o Legislativo não chega a ser citado ou trabalhado e sempre se torna foco o caso do Executivo e seus problemas. Nossa impressão – do modo como as coisas se desenham – é que vereador é um cargo de expectativa (como o de vice-prefeito): você está vereador para esperar as condições ideais (ou melhores) para candidatar-se a prefeito.

As respostas à quarta pergunta, sobre a questão religiosa, não deveriam, mas surpreenderam. Em sua base política institucional (vereadores), o PT ainda mantém uma relação muito forte com as religiões, marcadamente com a Igreja Católica: 30% dos vereadores petistas são católicos praticantes e 10%, evangélicos – em quase sua totalidade, neopentecostais.

Os vereadores evangélicos crescem exponencialmente e, na contramão disso, são os que mais sofrem pressão social para sair do PT. Alguns relatam ser pressionados por seus pastores para abandonar o partido. A base religiosa ainda é forte e tem gerado problemas legislativos enormes em razão da falta de atenção sobre esse tema.

Os relatos sugerem que os vereadores são uma oportunidade aberta para discutir a relação político-partidária com a base religiosa da sociedade. E a melhor referência para dar respaldo à questão é o próprio histórico do PT, sintonizado com a discussão da inclusão social, da liberdade religiosa e do acolhimento à diversidade. Como exemplo, podemos citar a Grande São Paulo: temos 3% dos quadros (ou dois vereadores) que são pais de santo, com atividades ligadas às religiões de matriz africana – um à umbanda e outro ao candomblé. No âmbito federal, podemos dizer que boa parte dos parlamentares da “base aliada” que fazem às vezes o papel de parlamentares de oposição tem em sua origem e base política as igrejas cristãs e são notadamente evangélicos.

O fato é que relegamos ao total descaso os processos municipais, sujeitos a todo tipo de indefinição e conflito, e o abandono dessa base ou o desconhecimento desses dados internos do PT podem tornar-se um problema irreversível.

Na última questão (sobre a participação em movimentos sociais ou sindicais), aparece outra preocupação para a qual nossa política deve atentar: embora tenhamos ainda boa parte dos parlamentares ligada a movimentos sociais e sindicais, é grande o número de vereadores eleitos que não tem relação com nenhum tipo de movimento. Assim, a última pergunta se liga à primeira. As novas gerações são descoladas de base organizada nos movimentos sociais e se sustentam no próprio nome ou no mandato. Além de serem  naturalmente mais frágeis, cabe perguntar que mecanismos organizam esses mandatos. Seriam os mesmos mecanismos clientelistas da direita? Não é o caso de dar mais atenção, formação a esses mandatos, antes que sigam o caminho do parasitismo puro em relação ao partido?

No momento em que a conversa permitiu uma manifestação mais livre ao entrevistado, foi-lhe perguntado o que gostaria de dizer ao diretório sobre sua atuação política e que cobrança ou contribuição teria a apresentar. A palavra mais repetida foi “existimos”.

Para a maior parte daqueles que foram procurados por telefone ou receberam visita da direção estadual, esse foi o primeiro contato feito por uma secretaria do PT com eles, seja no atual mandato, seja em outros. Nossa expectativa é que a formação política direcionada preencha esse vazio que se coloca entre o partido e esse quadro dirigente, que muitas vezes é confundido com militante de base.

O resultado dessa pesquisa ainda não está completo em nível estadual, pois seguimos conversando com parlamentares municipais das demais macrorregiões do estado de São Paulo. Mas é notável que essa amostra surja como uma necessária preocupação política do Partido dos Trabalhadores em nível estadual e nacional, principalmente tendo em vista que os vereadores dessa etapa da pesquisa são moradores da região metropolitana da capital paulista, razão pela qual, pelo menos em tese, têm maior proximidade ao menos geográfica com as lideranças políticas do PT das instâncias superiores. No entanto, isso não é, no caso dos vereadores, um privilégio, pois a distância das quais reclamam aparece do mesmo modo quando se dialoga com vereadores do interior. É mais do que urgente debatermos uma política de formação, acompanhamento, apoio, gestão e assessoramento político aos mandatos de nossos vereadores e vereadoras, pois são eles e elas os que primeiro debatem, explicam, justificam, combatem a direita. São a linha de frente do partido e reconhecidas referências políticas em suas bases. Alguns são os caminhos que nos levarão a sair da atual crise política, e o diálogo com nossos vereadores e vereadoras, com certeza, é um deles.

Toninho Kalunga está na coordenação da Secretaria de Formação Política do Diretório Estadual do PT de São Paulo e foi vereador por dois mandatos (2004-2012) em Cotia (SP)

Luís F. Vitagliano é professor de Ciência Política e integrante do Laboratório de Gestão e Políticas Públicas da Fundação Perseu Abramo