Nacional

O Conselho de Direitos Humanos da ONU aponta o Brasil como um dos países que lideram a violação dos direitos humanos e sugere a extinção da Polícia Militar

No seio das lutas contra a discriminação racial, é mérito do movimento negro brasileiro a denúncia do projeto de extinção dos descendentes de africanos escravizados no Brasil como prática genocida, especialmente expressa nos estudos de Abdias do Nascimento e Clóvis Moura

Jovens negros são vitimados pela ofensiva conservadora do Estado brasileiro

Jovens negros são vitimados pela ofensiva conservadora do Estado brasileiro. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

A preocupação em relação aos destinos do Brasil enquanto nação passou a ser alvo de controvérsias entre as elites brasileiras a partir da abolição da escravidão (1888) e da consolidação da Primeira República (1889). No primeiro momento, a questão colocada era como considerar os descendentes de escravos como humanos e inseri-los nos quadros sociais, tendo em vista que antes da extinção das relações baseadas no trabalho escravizado não eram considerados humanos. A segunda preocupação tem ligação com a constituição de um grupo “eleito” para representar e expressar o estágio de “civilidade” e “modernidade” da nação brasileira.

Para responder a essas questões, os ideólogos do conservadorismo reproduziram estudos estrangeiros sobre o Brasil e elaboraram sugestões para superar aquela realidade. Com o redesenho da estrutura demográfica, a fim de estabelecer o trabalho assalariado após o fim da escravatura, o tipo racial escolhido para representar a nacionalidade brasileira seria o branco.

Nesse quadro, os ideólogos elaboraram soluções para a consolidação de um país moderno e procuraram “ir além da simples reivindicação de um transplante carbonário da democracia liberal de tipo europeu e, em busca dessa autêntica identidade nacional, preconizavam uma revolução conservadora”. Para situar o leitor nessa formulação, citamos alguns teóricos que acreditavam que o Brasil poderia se tornar branco a partir das políticas encabeçadas pelo Estado: Silvio Romero, Raimundo Nina Rodrigues e Oliveira Vianna.

Romero acreditava que a dizimação do africano no Brasil, denominada por ele como “seleção natural”, seria efetivada a partir da extinção do tráfico de escravos, ao lado do extermínio de nativos americanos e da política de imigração de trabalhadores europeus. Com essas medidas, estimava que o branqueamento do Brasil se daria em até quatro séculos.

Por sua vez, Nina Rodrigues, em As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal, aborda a necessidade de encampar leis que considerassem as diversidades. Apoiado no escopo racialista, argumenta que os negros não deveriam ser tratados em igualdade com os brancos, por serem, em sua concepção, biologicamente inferiores e sugere o aumento da população branca, que deveria ser protagonista e dirigente das instituições brasileiras.

Por fim, Oliveira Vianna1 , nutrindo-se da metodologia do principal ideólogo da eugenia Francis Galton2. O objetivo era consolidar uma ciência – a Eugenia – que estudasse o histórico familiar das pessoas consideradas indesejáveis e, a partir dos resultados, sugere que os insignificantes deveriam ser extintos da sociedade, defendia a tese de que os negros são “inferiores” aos “arianos”, logo, “o negro, com efeito, é incapaz de competir com as ‘raças’ branca e amarela”, pois, “é o que a observação demonstra e os resultados das pesquisas psicológicas experimentais parecem confirmar”.

De acordo com esses pensadores brasileiros, os grupos sociais que não fossem brancos deveriam ser extintos, e é com esse sentimento que o Estado brasileiro formulará estratégias para dizimar os povos não brancos ao longo da história. A ideologia do branqueamento serviu como mecanismo para solucionar o “problema da identidade nacional” e está intimamente ligada à questão da mestiçagem, sendo essa ideia a expressão “da fase transitória e intermediária do pavimento da estrada que levaria a uma nação brasileira presumidamente branca” (MUNANGA, 2004, p. 56).

Encarceramento, mortalidade e genocídio da população negra

Considerando o projeto de nação aludida pelos ideólogos das classes dominantes, é preciso advertir que a proposta de genocídio de indivíduos pertencentes à classe trabalhadora deu-se por meio não somente da miscigenação, mas da interrupção definitiva das pessoas consideradas insignificantes e do encarceramento dos grupos que não expressam os anseios das elites.

Embora com os esforços do movimento negro que resultaram na consolidação de iniciativas com a finalidade de denunciar o racismo e as desigualdades entre brancos e negros3, contraditoriamente deparamos com situações que não são satisfatórias para os descendentes de africanos escravizados no Brasil, como as ofensivas conservadoras do Estado, responsável pelo aumento da taxa de mortalidade de negros e negras, na maioria jovens, vitimados pelo extermínio propagado pelas polícias.

Basta verificar o Mapa da Violência de 2012, que demonstra a participação e vitimização por raça/cor na população total, entre 2002 e 2010, na evolução do número de homicídios. Em 2002, a porcentagem de brancos mortos era de 41% e de negros, 58,6%; em 2010, caiu para 34,5% entre os brancos, enquanto entre os negros subiu para 65,1%.

Se considerarmos a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes nas unidades da Federação, o negro lidera o número de mortos em todas elas. Destacamos os números de algumas UFs no ano 2010: no Rio de Janeiro, os homicídios atingem 21,5 dos brancos e 41 dos negros; no Pará, 15,8 e 55,1, respectivamente. Em Pernambuco, constatamos uma discrepância expressiva: 7,7 de homicídios para os brancos e 54,6 para os negros. No caso de São Paulo, 12,2 para os brancos e 16,1 para os negros.

Em cada 100 mil homicídios cometidos nos principais municípios do país, a quantidade de mortes de negros é maior. Por exemplo, em Lauro Freitas (BA), chega a 153,7 negros, contra 49,5 brancos. No município de Guarulhos (SP) a mortalidade entre os negros é de 25,3 e 16,3 entre os brancos. Em 2010, quase 9 mil jovens com idade entre 9 e 19 anos foram assassinados, segundo o Mapa da Violência, o que equivale a 48 aviões caindo todo ano cheio de jovens. Nitidamente há uma situação que combina diversos fatores, como a violência institucional, o número de armas em circulação e o racismo, e resulta num certo perfil de pessoas que são vítimas do genocídio no Brasil.

Outro aspecto que precisa ser considerado é a faixa etária das pessoas vitimadas pelo Estado: jovens de 15 a 29 anos, sendo a arma de fogo a principal causa, prática exercida através da Polícia Militar brasileira. De acordo com os dados disponibilizados no SIM/Datasus do Ministério da Saúde, mais da metade dos 52.198 mortos por homicídio em 2012 “eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93% do sexo masculino”.

De acordo com o Mapa do Encarceramento: os Jovens do Brasil4, os homicídios devem ser concebidos como questão nacional de saúde pública e violação dos direitos humanos. Além disso, o documento ressalta que a “violência impede que parte significativa dos jovens brasileiros usufrua dos avanços sociais e econômicos alcançados na última década e revela um inesgotável potencial de talentos perdidos para o desenvolvimento do país”. Outra prática que impede os jovens de usufruir dos bens produzidos no país é a política de encarceramento. Considerando o Sistema Integrado de Informação Penitenciária (Infopen), 58% da população carcerária brasileira é formada por jovens. Essa realidade coloca Brasil na quarta posição entre os países que encarceram seres humanos e em primeiro lugar no continente sul-americano5.

Ao comparar o Brasil com os países de todo o mundo, o estudo chama a atenção para uma tendência em aumentar o encapsulamento de seres humanos em razão da aplicação de modelos contemporâneos de reformas da justiça criminal e das polícias. Nesse quadro, é possível verificar que entre 2005 e 2012 ocorreu um crescimento de 74% na população prisional brasileira. “Se em 2005 o número absoluto de presos no país era de 296.919, sete anos depois, em 2012, esse número passou para 515.482 presos”. São Paulo ocupa a primeira posição no ranking estadual, com 190.828 detentos.

A pesquisa constatou que nas unidades onde as pessoas estão presas o número de vagas se contradiz à quantidade oferecida, “sendo que a razão nacional é de 1,7, evidenciando assim a superlotação do sistema penitenciário brasileiro”. Por fim, é preciso destacar que os dados colhidos no Infopen sobre a população de 2005 a 2015 demonstram a quantidade de negros superior à de brancos: “Em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos acima de 18 anos havia 191 brancos encarcerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes negros acima de 18 anos havia 292 negros encarcerados, ou seja, proporcionalmente o encarceramento de negro foi 1,5 vez maior do que o de brancos6

Na lógica do encarceramento de pessoas oriundas da classe trabalhadora, ainda que esteja em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, verifica-se que no sistema de garantia de direitos perdura a lógica do Código do Menor, ao subordinar a população infanto-juvenil a tratamentos semelhantes aos das unidades penitenciárias, como o número de adolescentes em privação de liberdade, que era de 19.595 em 2011 e 20.532 em 2012.

Somando a quantidade de adultos e adolescentes encarcerados, podemos classificar o Brasil como um país que vive na lógica de “hiperencarceramento”, fenômeno que pode ser identificado em seus procedimentos judiciais, quando prioriza punições que resultam em aprisionar um grupo específico da sociedade. Dito de outra forma, devido às instituições brasileiras – especialmente o Judiciário – estarem inflamadas da ideologia do racismo, as pessoas encarceradas são descendentes de africanos escravizados e pertencentes à classe trabalhadora, pois a prática de racismo se manifesta nas diversas instâncias da vida cotidiana, inclusive no Judiciário.

Conclusão

No que se refere à realidade do país, é mérito do movimento negro brasileiro a denúncia do projeto de extinção dos descendentes de africanos escravizados no Brasil como prática genocida, especialmente expressa nos estudos de Abdias do Nascimento e Clóvis Moura.

As práticas de homicídios e encarceramento de jovens negros foram denunciadas por Abdias do Nascimento como ação genocida propalada pelo Estado brasileiro desde o processo colonial até a nossa atualidade, em virtude do projeto de nação consolidado pela burguesia brasileira. Embora os africanos fossem protagonistas na construção do Brasil, por meio do trabalho compulsório, o processo de colonização “significou o holocausto de milhões de vidas africanas” (NASCIMENTO, 1982, p. 25).

Outro elemento que deve ser denunciado como ação genocida contra os negros foi a política de imigração europeia no Brasil. Salienta Abdias do Nascimento que não foi apenas uma saída econômica das elites conservadoras – um dos motivos foi “embranquecer a população”. No ideário das elites, o negro como o principal representante do “povo” brasileiro seria símbolo de “atraso” e inferioridade do país em comparação com os do continente europeu. “E assim começa o genocídio, nesse século, do povo negro do Brasil, de duas maneiras: através da liquidação física, inanição, doença não atendida e brutalidade policial; mais sutil é a operação da miscigenação compulsória” (NASCIMENTO, 1982, p. 27).

Somando os aspectos acima, a taxa de presos brasileiros, para Nascimento, deve ser concebida como manifestação do genocídio do negro no Brasil, visto que as raízes dos “crimes realizados são resultados das condições vivenciadas pelos(as) negros(as), no que se refere as condições de pobreza e pauperismo, imposta pelo racismo e pelo capitalismo monopolista, ou simplesmente pelo crime ser praticado por um negro” (NASCIMENTO, 1982).

Tematizando a situação do negro após o estabelecimento da ditadura civil-militar em 1964, o fundador do Teatro Experimental do Negro assevera que nada houve de alteração em relação ao negro: “Nós temos suportado o peso do autoritarismo e o terror da dominação minoritária branca através de quase quinhentos anos. Para nós, o único elemento novo que emergiu da ditadura foi a proibição, consignada na Lei de Segurança Nacional, da discussão de problemas raciais de qualquer gênero” (NASCIMENTO, 1982, p. 31). Nascimento condensa sua argumentação denunciando a crueldade contra crianças e adolescentes no Brasil, principalmente a partir das políticas consolidadas pelo Estado, após orientação da Escola Superior de Guerra, que sugeriu medidas para conter a proliferação dos denominados “menor”, assim, criou-se em a Política Nacional do Bem-Estar do Menor.

Os apontamentos referidos acima por Abdias do Nascimento têm íntima ligação com a produção teórica de Clóvis Moura. O autor piauiense demonstrou que o processo de genocídio do negro brasileiro está ligado ao projeto de branqueamento no Brasil, especialmente a partir da Lei Eusébio de Queiroz (1850). No momento em que efetiva a proibição do comércio de africanos, as elites brasileiras elaboraram uma série de medidas para modernizar o país e, pari passu, impulsionam o processo de branqueamento através da política de imigração de trabalhadores europeus.

As elites brasileiras, durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), perceberam naquele evento um meio para embranquecer o país com a dizimação dos negros, “através do envio de grande quantidade de negros para os campos de batalha, de onde a sua maioria não regressou e muitos que voltaram foram reescravizados”7.

O sonho de um Brasil “branco” ultrapassou o período imperial, permanecendo em marcha na consolidação da Primeira República o projeto de genocídio do negro brasileiro. A efetivação do Código Penal de 1893, que criminalizava condutas como feitiçaria, curandeirismo, capoeiragem, serviu para o Estado cercear legalmente todas essas práticas e territórios negros.

Nessa direção, Clóvis Moura aponta, a partir da ascensão de Getúlio Vargas ao poder, um refinamento na política de imigração brasileira, especialmente em 1945, quando o ditador ordenou medidas para robustecer a composição étnica do país, cujas características deveriam ser espelhadas no “padrão” europeu. As Forças Armadas, sob o comando de Eurico Gaspar Dutra, não se isentaram das normas getulinas ao sugerir que a Escola Preparatória de Cadetes de São Paulo proibisse a entrada de negros, filhos de operários e outros povos. Todavia, a ordem de Vargas sofreu alteração quando o Brasil entrou na guerra contra a Alemanha, “e, aí sim, os negros, mulatos, judeus e operários foram recrutados para irem morrer, da mesma forma como aconteceu na Guerra do Paraguai, quando os filhos dos senhores de engenho mandavam em seu lugar os escravos de seus pais” (MOURA, 1988, p. 98).

No seio das lutas contra a discriminação racial, por meio da denúncia de Abdias do Nascimento e de Clóvis Moura em relação à prática genocida do negro brasileiro, o movimento negro avançou nas suas declarações. Em 1980, teve contato com o documento “Implications of Worldwide Population Growth for U.S. Security and Overseas Interests” (1974), conhecido como “Relatório Kissinger”. Esse documento propunha políticas e estratégias a serem adotadas pelo governo norte-americano em países em desenvolvimento sob sua esfera de influência econômica e política, destacando a preocupação com o crescimento da população e sugerindo medidas de controle através de políticas de “planejamento familiar”. Entre os instrumentos de controle familiar estão contidos os “anticoncepcionais orais”, DIUs, esterilização de homens e mulheres, entre outros. No referido relatório, o Brasil é um dos países indicados para a implementação desses métodos de controle de natalidade. O documento sugere que o alvo central das políticas de esterilização sejam as mulheres pobres e negras. Várias instituições brasileiras, naquele período, começaram a realizar trabalhos de controle de natalidade, sob o lema de “planejamento familiar”, priorizando as regiões do Nordeste. Coube ao movimento negro denunciar tais práticas de esterilização como genocídio da população negra.

Outro indicador desse genocídio foi o documento elaborado pela Escola Superior de Guerra (ESG) para as eleições de 1989, denominado “Estrutura para o poder nacional para o ano 2001 – 1900-2000, a década vital para um Brasil democrático”, também denunciado pelo movimento negro. Denis de Oliveira, em seu artigo “Extermínio da população da periferia, uma ação política pensada nos anos 1980”8 , ao analisar o documento mencionado, afirma que a ESG alerta para duas questões candentes para o Brasil: os cinturões de pobreza, sobretudo no Rio de Janeiro, especialmente as favelas, sugerindo a formulação de políticas de contenção das populações pobres para prevenir ações subversivas que pudessem ameaçar a estabilidade da nação brasileira, e os “menores abandonados”. Na linha de raciocínio do documento, a quantidade de meninos de rua estaria crescendo de maneira exponencial e poderia resultar, num futuro não distante, num número expressivo de “malfeitores” e “assassinos”, equivalente ao efetivo do Exército brasileiro.

Assim, a ESG propõe como prevenção a utilização do aparato militar para conter o crescimento dos pobres e dos chamados “menores abandonados”. O documento sugere, ainda, a utilização do Exército como protagonista da realização da “segurança preventiva”, caso a ação da Polícia Militar seja insuficiente. Em última instância, o escrito orienta, para o enfrentamento de “bandidos”, o uso das Forças Armadas visando neutralizá-los e mesmo destruí-los, de modo a manter a lei e a ordem (ESG apud OLIVEIRA, s/d.).

As sugestões da ESG demonstram a expressão conservadora das elites brasileiras no que diz respeito à ofensiva da classe dominante contra a classe trabalhadora, leia-se a população negra, uma vez que esse segmento, além de não ter entrado no projeto de “nação brasileira”, é visto como ameaça às classes dirigentes.

Nesse itinerário Clóvis Moura afirma que em 1981 o presidente da Federação das Associações Comerciais do Paraná, Calos Alberto Pereira de Oliveira, na conferência “A tese da doutrina do otimismo realista”, argumentou que as causas para o atraso político, cultural e econômico do Brasil estariam na população negra e a saída seria o branqueamento do país, pois somente dessa maneira a modernização e a civilização estariam asseguradas. Na mesma direção, Moura afirma que essas medidas foram efetivadas pelo então governador de São Paulo, Paulo Salim Maluf, que elaborou políticas de esterilização da população não branca9.

Ressaltamos o mérito do movimento social negro em evidenciar o projeto de genocídio da população negra, projeto este ligado à perspectiva de um país que ignora e escamoteia o tratamento desumano dado aos descendentes de africanos escravizados, travestido no discurso da inexistência do racismo. Na realidade esse discurso explicita um projeto das classes dominantes contra a perspectiva da classe trabalhadora. No entanto, as altas taxas de mortalidade na população negra, o enorme número de negros e negras encarcerados e tantas outras mazelas são a expressão do projeto de genocídio do negro brasileiro. De maneira assertiva Clóvis Moura e Abdias do Nascimento já haviam alertado que o desenho de uma nação brasileira está calcado no ideário de um “Brasil que precisa ser branco, civilizado, capitalista e cristão”.

Nesse quadro, os negros foram neutralizados, empurrados para as favelas, inseridos na divisão racial do trabalho nos locais subalternos. Conforme Moura (1983) afirma, os africanos no Brasil foram deslocados para os guetos invisíveis, encarcerados, foram objetos de esterilização, morte física por arma de fogo ou por meio da degradação social.

É necessário ressaltar que os órgãos internacionais já têm se posicionado frente à violência contra a população negra. É o caso do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que aponta o Brasil como um dos países que lideram a violação dos direitos humanos e sugere a extinção da Polícia Militar, visto que é a protagonista da execução sumária e da violação de direitos10. Somando-se ao órgão das Nações Unidas, o Conselho Nacional de Segurança Pública, segundo o relatório da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, afirma que mais de uma pessoa foi morta por um policial militar entre 2005 e 200911. Assim, concluímos com a seguinte indagação: afinal, o Brasil é o país do genocídio, do holocausto cujo projeto de consolidação de povo ainda não foi consolidado?

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Weber Lopes Góes é historiador, especialista em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA) e mestre no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília. É professor do colegiado de Serviço Social da Faculdade de Mauá (Fama)