Nacional

A capacidade de mobilização, a rapidez e o novo modo de organização são sinais de um tempo que chega para revolucionar a forma de fazer política

Estudantes trancam as ruas e tomam as instalações públicas diariamente, como tática de paralisar o poder público. Essas ações, replicadas em vários estados brasileiros, têm mostrado a rapidez e a grande capacidade dos secundaristas de se organizarem e reverterem a opinião pública a favor de suas lutas

Os secundaristas não esperam o movimento de massa, eles vão ocupando as ruas e a

Os secundaristas não esperam o movimento de massa, eles vão ocupando as ruas e as escolas. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

O país tomou um susto quando, em novembro de 2015, as escolas estaduais de São Paulo começaram a ser ocupadas pelos estudantes secundaristas. Foram mais de duzentas escolas ocupadas num período de menos de três meses, como forma de combate ao fechamento de mais de cem unidades educacionais, previsto na reorganização escolar promovida pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).

O final da história conseguiu ser ainda mais surpreendente, com os estudantes secundaristas conquistando uma vitória inesperada. Alckmin foi obrigado a recuar diante das derrotas judiciais nas muitas tentativas de “reintegração de posse” das escolas e com a rede pública, quase em sua totalidade, paralisada. Com essa mobilização, os secundaristas impuseram uma das maiores derrotas à era tucana no estado de São Paulo.

O secretário de Educação Hermann Voorwald foi demitido à época, bem como o seu chefe de gabinete, Fernando Padula Novaes, que foi flagrado exigindo “guerra” aos estudantes em reunião com dirigentes de ensino. E Alckmin foi obrigado a recuar do seu plano de “reorganização”, em anúncio à imprensa.

A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) segue denunciando que o plano de reorganização não foi encerrado no ano passado, apenas mudou de tática. Segundo a presidenta do sindicato, Maria Izabel Noronha, a Bebel, o método adotado agora é fechar classes aos poucos, dando menos repercussão na mídia, mas executando as mesmas ações que a Justiça disse ser ilegal.

Há menos de um mês, no entanto, as ocupações nas escolas paulistas voltaram. O motivo de denúncia, neste momento, é a Máfia das Merendas, que teve a sua primeira aparição ainda em 2001 – quando o atual ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, estava no Ministério Público e era responsável pelas investigações – ressurgindo em 2004 e agora em 2016.

O método do governo Alckmin manteve-se o mesmo: a agência Democratize teve acesso a e-mails dos funcionários da Escola Técnica de São Paulo (Etesp) propondo a mesma “guerra” que Padula propusera no ano passado ("Email de diretor da Etesp pede 'confronto' para desocupar escola"). Desta vez, incentivando o confronto entre secundaristas do diurno (favoráveis às ocupações) e do noturno. A Justiça foi ignorada pelo governador Alckmin, que mandou a Polícia Militar desocupar as escolas técnicas sem nenhum tipo de pedido judicial.

O final dessa nova história ainda é desconhecido, mas o que interessa é que os secundaristas deram uma lição aos partidos e movimentos sociais sobre manifestações no pós-internet. No âmbito específico da luta, os secundaristas conseguiram criar uma nova relação com a escola pública e ressignificaram o quase desaparecido conceito de comunidade escolar; além disso, o aprendizado político e a capacidade organizativa interna que construíram foram de uma qualidade que poucos imaginavam. Só quem acompanhou de perto tem a dimensão real desse processo que só pode ser observado de tempos em tempos na história política.

A ideia de que a política precisa ser renovada e de que os partidos já não representam a maior parte da juventude na sociedade já está presente desde as Jornadas de Junho (de 2013).

Se de um lado ocupar e resistir não é uma ideia nova – o MST já falava em “ocupar, resistir e produzir” há muito tempo, o movimento estudantil já ocupava reitorias há muitos anos –, de outro lado, a capacidade de mobilização, a rapidez organizativa e a nova forma de organização são sinais de um tempo que chega para revolucionar a forma de fazer política.

Não foi preciso, em 2015, nenhuma grande manifestação para que Alckmin voltasse atrás em sua política. Não foram precisos centenas de milhares de manifestantes na Avenida Paulista para que o movimento dos estudantes fosse reproduzido em outros estados (Goiás, Rio de Janeiro, por exemplo).

A tática é de paralisação do poder público. Com ruas trancadas diariamente por algumas dezenas de estudantes, diversas vezes por dia, por pelo menos dois meses. A polícia tratou de fazer o que sempre fez: reprimiu com violência as manifestações de jovens menores de idade, modificando radicalmente a opinião pública sobre as ocupações, fator primordial para a derrota tucana.

Recentemente, os movimentos sociais sofreram uma forte derrota no país, com a ascensão de um vice-presidente da República claramente golpista, apoiado pelas forças financeiras e conservadoras do Brasil. O método de luta deles não foi nada inovador. A falta de apoio no Congresso, somada à incapacidade de negociação política do governo Dilma Rousseff, tudo isso com o apoio massivo da grande imprensa e setores do Judiciário.

Muitos são os fatores que impuseram essa derrota. A crise econômica, o pouco diálogo com os movimentos sociais que reelegeram esse governo também são fatores essenciais. Mas o tratamento da mídia ao movimento dos secundaristas e ao governo Dilma não foi diferente.

A criminalização como forma de atuação, a tentativa de deslegitimar, tudo isso foi feito tanto com o governo Dilma quanto com os secundaristas. A diferença foi a reação a essa comunicação empresarial e política.

Enquanto a defesa do governo Dilma se iniciou apenas depois do processo de impeachment ter sido aceito pelo corrupto Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Câmara dos Deputados, os secundaristas não esperaram o apoio de movimentos de massa para irem às ruas.

Enquanto a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo apostaram suas fichas nas mobilizações de massa (ainda que tenham pontualmente utilizado do mesmo método), com dia e horários marcados, os secundaristas foram ocupando as ruas e as escolas. Não se viu, como no dia 18 de março, 500 mil secundaristas e apoiadores nas ruas. O que se viu – e ainda se vê – foram escolas e diretorias de ensino ocupadas e ruas trancadas.

A imprensa, ainda que com seu viés e distorções típicas, foi obrigada a noticiar que a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), por exemplo, havia sido ocupada. Foi obrigada a dizer que ruas foram trancadas e que houve reação da Polícia Militar.

Os secundaristas não se intimidaram nem quando foram levados às delegacias em São Paulo. Ao contrário, exibiram um vídeo cantando e dançando a denúncia de serem taxados como criminosos por estarem lutando em favor da educação: “Não vai ter arrego, vai ter consciência (…) eles são grandes, são treinados… e estão armados. Mas eu sou secundarista, eles só entram com mandado (…) Mãe, pai, tô no camburão e só pra tu saber eu luto pela educação”.

A descentralização dos atos e da organização confunde o poder policial e a repressão. E dá agilidade a um movimento jovem e politizado. Os partidos de esquerda precisam entender a importância dessa descentralização. A importância de dar voz a quem está nas ruas, sem deixar de terem a sua organização interna.

O surgimento de uma nova geração de movimentos e de militantes, que se consolidam no cenário político com o aprofundamento da crise do sistema político e de suas instituições, é inegável. Esses e outros movimentos evidenciam a necessidade urgente do PT e dos movimentos sociais atentarem para o novo ciclo que surgiu, trazendo novos elementos de organização e de dinâmica. Se é verdade que espontaneidade e voluntarismo são aspectos de movimentos ainda em construção, e que é preciso dar o passo seguinte em sua organização, é inegável que a máquina burocrática das estruturas mais tradicionais de organização política está engessada e de longe insuficiente para preparar o novo período de lutas sociais que surge nesse momento de fim de um ciclo.

É preciso entender a relação direta do processo de ocupação das escolas com as Jornadas de Junho de 2013. O caráter anti-institucional, o mantra da horizontalidade e a forte crítica aos partidos e movimentos mais tradicionais da esquerda são elementos comuns que supõem um desdobramento do período que marcou o desnude de nosso sistema político e as dificuldades das esquerdas em apresentar de maneira concreta a superação desse modelo. As ocupações estudantis assim como outras revoltas e lutas demonstram mesmo para quem ainda havia dúvidas de que Junho foi um marco que trouxe e trará desdobramentos permanentes na história.

O momento traz grandes preocupações. A nomeação de Alexandre de Moraes para o Ministério da Justiça do governo golpista de Michel Temer (PMDB), o mesmo que tirou os estudantes à força das ocupações sem o aval da Justiça, representa uma possibilidade real de recrudescimento contra os movimentos. Linha dura, Moraes já declarou que não aceitará “atos de guerrilha” e irá “identificar os responsáveis”.

A conjuntura desfavorável para o campo democrático-popular é, no entanto, uma importante oportunidade de reorganização da esquerda, reflexão das práticas e a formulação de novas estratégias de disputa na sociedade. O novo ciclo traz também a necessidade de se abrir para as novas agendas da juventude brasileira. No momento em que aprenderem essas lições, serão capazes novamente de liderar mudanças na conjuntura política nacional e impor derrotas importantes aos setores conservadores. Apostar na juventude não é apenas utilizar aquela frase de sempre “a juventude é o futuro do país”. É entender que a juventude é o presente e que tem muito a ensinar.

Não será tarefa fácil se adaptar a essa nova realidade. Muitas vezes a prepotência e a falta de leitura podem levar a esquerda a “bater cabeça” por mais algum tempo diante da pungência desses novos atores e suas formas de organização, que obviamente também precisam ser aperfeiçoadas. Mas só a síntese dessas experiências conseguirá trazer a força e a vitalidade necessárias para a derrocada do conservadorismo e do novo bloco de poder restaurado por eles.

Apesar da pouca idade, os secundaristas deram uma verdadeira lição de cidadania e combatividade. Ou o PT legitima as novas vozes e formas políticas ou ficará sempre a reboque de uma juventude cada vez mais distante dos diretórios partidários.

Victor Amatucci é editor do blog ImprenÇa e colunista do portal Opera Mundi
Erik Bouzan é secretário estadual da Juventude do PT de São Paulo