Internacional

As eleições de 2022 na Colômbia serão marcadas pelo dilema que divide o país há cinco anos, quando foram assinados os Acordos de Paz entre as Farc e o Estado

Ernesto Samper, ex-presidente da Colômbia. Foto: Elza Fiúza/ABr

As eleições de 2022 na Colômbia serão marcadas pelo dilema entre paz ou guerra que divide o país há cinco anos, quando os Acordos de Paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Estado da Colômbia foram assinados em Havana.

O atual governo foi eleito na conjuntura do plebiscito pela paz convocado em 2016 para endossar os acordos de Havana com o apoio de Cuba, Chile, Noruega e Venezuela. Esses países, como garantes e seguidores do processo, contaram com o permanente acompanhamento e apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

No passado, a teoria da "combinação das formas de luta", brandida pela esquerda, confundia o eleitorado (a luta armada se mantinha, enquanto participava da política eleitoral) e oferecia um espaço à direita para estigmatizar as aspirações progressistas acusando-as de proselitismo armado. Com esse cenário desfeito, os setores progressistas desde as últimas eleições e, agora, na fase das consultas interpartidárias, registraram níveis históricos de votação, nunca vistos na Colômbia. Se esses registros se confirmarem, o Pacto Histórico poderá ser o próximo partido do governo nas eleições presidenciais.

A consulta popular de 2016, que buscou validar popularmente os Acordos [de Paz] que puseram fim a mais de meio século de guerra, foi a oportunidade perfeita para a direita colombiana divulgar todo tipo de mentiras, notícias falsas e informações imprecisas sobre o pós-conflito. Eram os partidários da guerra. Assegurava-se que o sistema previdenciário estaria em risco, que os guerrilheiros seriam anistiados em sua totalidade, que iriam diretamente ao Congresso e que as vítimas não seriam indenizadas, nem a verdade seria conhecida. Até mesmo um dos promotores da campanha pelo "não", Juan Carlos Vélez, reconheceu publicamente que foram enviadas mensagens diferentes dependendo da região. Em alguns casos, falando sobre uma reforma tributária, o fim dos subsídios e, em certos casos, insistindo em impunidade1. Eram mensagens difusas que nada tinham a ver com o que foi acordado entre o Estado e as Farc.

Após o triunfo do “não” no plebiscito com uma campanha de mentiras, a direita montou uma candidatura em torno da nostalgia do governo de Álvaro Uribe Vélez, insistindo que a única maneira de manter a segurança era voltar à guerra. Se promoveu a ideia de que era possível submeter pela força alguns dos dissidentes das Farc que não haviam deposto suas armas, e que, vale dizer, não eram representativos. Ao mesmo tempo, assegurou-se que com o Exército de Libertação Nacional (ELN), outro movimento armado, não haveria diálogo algum se antes não fosse aceita uma série de condições que, na prática, significaria uma rendição.

Esses mesmos setores estarão presentes, como alternativa ao governo, nas próximas eleições. Haverá também os favoráveis ​​à continuidade do desenvolvimento dos acordos de Havana, congelados em "modo avião" pelo governo do presidente Iván Duque, nos últimos quatro anos, e os promotores da paz que de diversos espaços (Gustavo Petro e Sergio Fajardo) propõem reativar os acordos de Havana e iniciar as negociações com o Exército de Libertação Nacional, paralisadas durante o governo Duque.

Infelizmente, a estagnação do processo que deveria seguir o fim do conflito armado planejado em Havana gerou uma situação humanitária em vários territórios, onde se reproduzem as condições objetivas do antigo conflito, como a falta de presença social do Estado, a falta de proteção de seus líderes e a erradicação militar dos cultivos ilícitos de coca. Em fevereiro de 2020, o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Colômbia alertou para a gravidade da situação humanitária, quando o número de massacres chegou a 36, ​​o mais alto desde 2014. Ou seja, cifras semelhantes às do conflito armado voltaram a ser registradas e o governo de Iván Duque, negligenciando a política de paz, mergulhou o Estado colombiano na lógica da guerra.

O relatório das Nações Unidas alertou sobre o assassinato de líderes sociais e os excessos no uso da força. No documento, foi aconselhada respeitosamente uma reforma do Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad), para que passe da pasta da Defesa para a do Interior. No entanto, o governo descreveu essas advertências e recomendações como uma "interferência" na soberania colombiana e até mesmo o então presidente do Congresso, Ernesto Macías, do partido governista, o Centro Democrático, propôs a expulsão do escritório de direitos humanos das Nações Unidas do país2.

A situação continuou a degradar-se. A Colômbia registrou em 2020, 91 massacres, em 2021, 96 e, até agora em 2022, são 373. São estatísticas que revelam o desmantelamento ou atraso de boa parte dos programas de paz acordados pelo Estado colombiano no âmbito dos Acordos de Havana. O assassinato de ex-combatentes das Farc, lideranças sociais e ambientais e a intimidação da oposição estão mais uma vez na ordem do dia. Desde que a paz foi assinada, 315 ex-guerrilheiros foram mortos. Somente em 2022, 43 defensores de direitos humanos tiveram esse destino.

Eleições legislativas e primárias (interpartidárias) 

Em meio a esse panorama humanitário, a Colômbia foi às urnas em 2022 para eleger um novo Congresso e um novo governo. As eleições parlamentares resultaram em uma composição inédita com o progressismo como primeira força no Senado (câmara alta) e segunda na Câmara dos Deputados (câmara baixa), mas sem maioria absoluta. Os grandes perdedores foram os partidos tradicionais, especialmente o partido do governo, o Centro Democrático, que após quase quatro anos de tropeços viu sua participação no Legislativo diminuir consideravelmente, passando de 19 cadeiras para 14 no Senado. Na Câmara dos Deputados, a perda foi ainda mais ostensiva de 35 para 15 cadeiras4. O progressismo, vencedor, enfrenta o desafio de construir alianças com o centro, ou seja, com o Partido Verde, e com setores do liberalismo identificados com valores de mudança e, sobretudo, em defesa dos Acordos de Paz.

Ernesto Samper Pizano, ex-presidente da Colômbia e ex-secretário geral da União de Nações Sul-americanas (Unasul)