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Questões econômicas ganharam relevância nessa reunião, com um tom mais desenvolvimentista

O G-20 "financeiro" foi constituído em 1999, inicialmente reunindo os ministros das áreas econômicas de vinte países que, somados, representavam em torno de 80% do PIB mundial, e portanto teriam influência fundamental nos rumos da economia global. Esta, naquele momento, passava por “estresses” em diversas regiões devido a desequilíbrios na balança de pagamentos, fruto de ataques especulativos, como as crises mexicana, asiática e brasileira, entre outras.

Com o agravamento em 2008 da crise financeira iniciada nos Estados Unidos em 2007, o G-20 transformou-se em um fórum de chefes de Estado que começou a discutir respostas a essa crise por meio de uma agenda de medidas de enfrentamento dos desajustes globais, regulação e supervisão financeira propostas ao Bank of International Settlements (BIS) e ao Financial Stability Board (FSB). Entre as medidas práticas registraram-se, principalmente, a mobilização de US$ 1 trilhão para o sistema financeiro internacional, provenientes de recursos públicos e renúncias fiscais, e, no tocante à regulação financeira, algumas mudanças no sistema bancário, bem como a inclusão de itens referentes à transparência fiscal e ao papel negativo dos “paraísos fiscais”.

O discurso foi particularmente forte nas Cúpulas do G-20 de Londres e Pittsburgh em 2009, equiparando a crise do início do século 21 à dos anos 1930 e chamando atenção para a necessidade de um novo padrão de desenvolvimento, com redução da desigualdade entre os países e no interior deles, com sustentabilidade e empregos de qualidade, entre outras preocupações. Foram aprovadas algumas medidas de peso, como o apoio dos Estados no fomento à retomada da atividade econômica e na retomada da empregabilidade, com a Organização Internacional de Trabalho (OIT) convidada a compor o G-20 como observadora. Aprovou-se, também, uma redistribuição de cotas do FMI e do Banco Mundial que desse maior relevância aos países emergentes.

O discurso e a prática, porém, foram paulatinamente substituídos por outro tipo de intervenção nas cúpulas seguintes – Toronto, Seul, Cannes e Los Cabos. Embora nesta última houvesse uma redução do tom otimista quanto ao fim da crise, em todas predominou o bordão neoliberal da austeridade. A agenda, por sua vez, passou a incluir temas como corrupção, energia e clima, entre outros, dispersando o foco em torno da crise econômica – e até hoje o FMI e o Banco Mundial não aprovaram a redistribuição das cotas de governança.

O governo brasileiro, embora reconheça a ONU e sua Assembleia-Geral como os foros internacionais mais legítimos, considera a criação do G-20 uma iniciativa mais avançada que o G-8, e o novo ministro de relações exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, fez sua estreia no G-20 com o intuito de tentar reduzir a agenda, ou pelo menos impedir a inclusão de novos temas, para que o debate sobre regulação financeira internacional volte a adquirir relevância.

Embora a agenda ampla tenha sido mantida, foi dado destaque para as questões econômicas e o tom foi mais "desenvolvimentista" do que nas quatro cúpulas anteriores, ao tratar da criação de empregos de qualidade; promoção de investimentos para infraestrutura, empregos e desenvolvimento; aprimoramento das políticas fiscais; reativação do comércio e iniciativas de maior regulação do sistema financeiro internacional, inclusive com a declaração de que não existe mais nenhuma instituição "grande demais para quebrar". A próxima cúpula em 2014 será em Brisbane, na Austrália.

As resoluções do G-20, porém, têm um caráter mais declaratório do que prático, e o que mais repercutiu na cúpula deste ano foram as reuniões informais e a dos Brics, antes de sua abertura. Os Brics deram mais um passo na criação de seu Fundo de Reserva Global de US$ 100 bilhões, para socorrer seus membros em momentos de dificuldades monetárias e/ou cambiais, como vem ocorrendo com a Índia. Para compor o fundo, a China contribuirá com US$ 43 bilhões; Brasil, Rússia e Índia, com US$ 18 bilhões cada uma; e a África do Sul com US$ 3 bilhões.

A presidenta Dilma teve um encontro informal com o presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, para cobrar-lhe explicações sobre a espionagem da NSA contra o Brasil e a Petrobras, bem como das comunicações da própria presidenta com seus ministros e assessores. A resposta foi prometida para o dia 11 de setembro, mas foi somente no dia 16 que Obama voltou a conversar com Dilma. A resposta não foi satisfatória e a presidenta decidiu suspender a visita, pois o governo brasileiro não pode deixar uma atitude ultrajante como essa sem resposta. Porém, o que mais demonstraria as consequências desse tipo de atitude hostil seria cancelar a participação da empresa americana Boeing na licitação para renovação dos caças supersônicos da Aeronáutica brasileira.

Outro assunto que permeou a agenda informal do G-20 foi o eminente ataque americano à Síria, sob a justificativa do uso de armas químicas pelo governo sírio contra a população civil, matando mais de 1.400 pessoas no dia 21 de agosto passado. Entretanto, não há provas de que o governo sírio tenha sido responsável pelo ataque e qualquer medida americana sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU seria ilegal perante o direito internacional. Ao mesmo tempo, essa ameaça se apresenta como extremamente impopular, pois os Brics e outros membros do G-20 não apoiam o ataque. Na Europa, somente a Dinamarca, a Inglaterra e a França o apoiaram explicitamente desde o início, embora os EUA tenham recentemente obtido uma declaração da maioria dos membros da União Europeia e da Liga Árabe a favor de uma medida "clara e forte" contra a Síria. Mesmo assim, a maioria da opinião pública americana, bem como dos membros do Congresso dos Estados Unidos, continua contrária a novo envolvimento militar no Oriente Médio.

Apesar de a primeira semana de setembro ter terminado com o mundo à beira de uma nova agressão a um país árabe com repercussões desconhecidas, começou a surgir uma possibilidade de cancelamento do ataque americano, não se sabe se a partir de acordos informais acertados durante a reunião do G-20 ou se devido a um simples deslize verbal do secretário de Defesa americano, John Kerry. O fato é que, ao responder a uma pergunta de uma repórter sobre o que seria necessário para evitar o ataque americano, ele mencionou a possibilidade de o governo sírio entregar suas armas químicas para serem destruídas. Esse comentário foi utilizado imediatamente pelo ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, como uma proposta a ser trabalhada. Pouco depois o governo sírio declarou que estaria de acordo em fazê-lo e, além disso, assinaria o Tratado Internacional de Proibição de Armas Químicas e se filiaria à Opaq, que é o organismo da ONU que monitora seu cumprimento.

Dessa forma, embora em meio a uma série de declarações de desconfiança quanto a essas promessas, Obama foi obrigado a pedir ao Congresso americano o adiamento da decisão sobre a autorização ou não do ataque e deu início a uma série de conversações com o governo russo sobre o encaminhamento da questão. O governo socialista francês, que age como se a Síria ainda fosse sua colônia e havia se somado aos EUA e Inglaterra para dirigir o ataque contra a Síria, ficou "pendurado na brocha" desde que o Parlamento inglês desautorizou o ataque e, agora, com a adesão do presidente americano a possíveis soluções diplomáticas.

Oportunisticamente, o governo francês ainda tentou apresentar uma proposta de resolução no Conselho de Segurança da ONU, aprovando o ataque à Síria se esta não entregar as armas químicas de acordo com certas condições. O governo russo, porém, já adiantou que vetaria essa proposta por, indiretamente, responsabilizar o governo sírio pelo uso de armas químicas e indiretamente autorizar o ataque.

Resta ver como a situação evoluirá nos próximos dias, pois há muitas forças regionais favoráveis ao ataque americano que enfraqueceriam o governo sírio e, por consequência, seus aliados iranianos e russos, fortalecendo a oposição síria.

Kjeld Jakobsen é consultor de Relações Internacionais