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Uma das vinte maiores economias do mundo tem sido objeto do noticiário internacional em função de supostas iniciativas para modernizar sua sociedade de maioria muçulmana

A Arábia Saudita é uma das vinte maiores economias do mundo e recentemente tem sido objeto do noticiário internacional em função de supostas iniciativas para modernizar sua sociedade, bem como para assumir a hegemonia política no Oriente Médio e no mundo muçulmano.

Esse país era parte do Império Otomano até a derrota da Turquia em 1918 e sua população era composta por diversas tribos de beduínos. O governo inglês prometeu-lhes sua independência caso se dispusessem a combater os turcos e isso ocorreu sob o comando do tenente T. H. Lawrence, mais conhecido como Lawrence da Arábia, que atuou para unificar os diversos clãs e seus líderes, embora a independência somente viesse a ocorrer em 1932, sob o reinado de Ibn Saud, quando este submeteu a maioria das tribos à sua autoridade e a uma monarquia absolutista e teológica. Os monarcas posteriores foram todos escolhidos entre os muitos descendentes da “Casa de Saud”, uma vez que o reino é poligâmico e o rei atual é Salman bin Abdulaziz Al Saud, de 81 anos.

A maioria da população saudita é muçulmana Wahabita, um ramo extremamente conservador do sunismo, e, em função desta tendência, diferentes governos sauditas e diversos integrantes da família real têm sido apoiadores importantes da disseminação do “wahabismo” internacionalmente por meio do financiamento de escolas de religião conhecidas como “Madrassas” e também de organizações islâmicas radicais que deram origem a vários dos agrupamentos terroristas existentes atualmente. A maioria dos que perpetraram os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos eram sauditas, assim como o próprio Bin Laden, líder da Al-Qaeda.

A Arábia Saudita é uma potência regional no Oriente Médio e Norte da África, ao lado de outras como a Turquia, Irã, Egito, Israel, Iraque e Síria. Embora as duas últimas atualmente estejam bastante debilitadas – o Iraque em função da intervenção estadunidense e seus aliados desde 1991 e a Síria pela guerra civil iniciada durante a Primavera Árabe em 2010, que colocou o governo e seus aliados em confronto armado contra grupos de oposição no país, incluindo agrupamentos terroristas apoiados pelos sauditas com recursos financeiros e armas, além das intervenções externas dos Estados Unidos, Turquia, Israel e Rússia no conflito. O governo sírio, com ajuda dos russos, pode se considerar vitorioso neste momento, porém à custa de milhares de mortos e feridos, milhões de refugiados e destruição de grande parte da infraestrutura do país.

Na península arábica, o governo saudita interferiu militarmente para impedir que a Primavera Árabe provocasse mudanças em países vizinhos, particularmente no Bahrein e no Iêmen. No primeiro teve sucesso em reprimir a mobilização da população mais pobre, majoritariamente xiita, e preservar o poder e interesses da elite sunita desse emirado.

Entretanto, no Iêmen, em 2012, a população derrubou o ditador Ali Abdullah Saleh, que inicialmente governara o Iêmen do Norte (pró-Ocidente) de 1978 até 1990, quando esse país se uniu ao Iêmen do Sul (socialista), formando o atual Iêmen, onde Saleh se tornou presidente e governou por mais 22 anos. Após muita pressão, ele foi substituído pelo vice-presidente Abd Rabbuh Mansur Al-Hadi, por meio de um acordo que lhe daria imunidade, mas este não conseguiu unificar politicamente o país, particularmente em relação aos houthis, uma comunidade majoritariamente xiita do noroeste do país, perseguida durante o governo Saleh.

Os houthis, que já resistiam militarmente a Saleh, desde os anos 1990 tornaram-se mais organizados depois de sua deposição e hoje ocupam parte importante do país, incluindo a capital Sanaa. Em 2015, a Arábia Saudita interveio militarmente no Iêmen com inúmeros bombardeios aéreos. Saleh chegou a aliar-se aos houthis para tentar retornar ao governo, mas recentemente reaproximou-se dos sauditas e acabou assassinado pela milícia houthi devido a essa traição. Sob a alegação de que um míssil foi disparado do Iêmen em direção à Arábia Saudita, o governo saudita aumentou a ofensiva militar a esse país e adotou um bloqueio econômico e comercial terrestre e marítimo, ameaçando matar de fome milhares de iemenitas, além dos quase 8 mil mortos e 50 mil feridos pela guerra até o momento.

Nesse meio tempo, o rei saudita trocou o príncipe herdeiro, Muhammad bin Nayef, seu sobrinho, por um de seus filhos, Mohammad bin Salman, um jovem de 32 anos com bom trânsito nos Estados Unidos e que até então era chefe da Guarda Nacional. Além de tornar-se sucessor do monarca, ele acumulou os estratégicos cargos de vice-primeiro-ministro, ministro da Defesa e coordenador do Conselho de Assuntos Econômicos e Desenvolvimento. Para ampliar seu poder internamente e inibir o apoio de membros da família real e do governo a grupos terroristas ele criou um “Comitê Anticorrupção”, e em setembro deste ano deteve dezenas de membros da família real e altos funcionários do governo em um hotel de luxo. Entre eles encontravam-se onze príncipes, quatro ministros e dezenas de ex-ministros. Foram acusados de corrupção e só eram libertados mediante acordos e multas. Por exemplo, o príncipe Mutaib bin Abdullah foi libertado após pagar um bilhão de dólares.

Na política externa ele assumiu uma postura ainda mais agressiva do que seu pai, particularmente no enfrentamento ao Irã, a quem acusou de apoiar os houthis no Iêmen e ter fornecido o míssil mencionado anteriormente, bem como outros armamentos, o que os iranianos negam. Mesmo assim, chegou a fazer ameaças de retaliar.

Antes disso, apoiava a oposição sunita ao governo sírio e o presidente Abdul Fatah al-Sisi,  do Egito. Este último depôs o presidente Mohamed Morsi,  eleito no processo da Primavera Árabe, porém ligado à irmandade muçulmana, que é duramente perseguida na Arábia Saudita e agora novamente no Egito. Porém, esse agrupamento é apoiado pelo governo do Catar que, por sua vez, estabeleceu relações diplomáticas com o Irã por interesses meramente econômicos e comerciais. Mohammad bin Salman impôs um bloqueio econômico e comercial contra o Catar para pressioná-lo a seguir a política externa da Arábia Saudita e romper suas relações com o Irã, o que foi recusado.

Outro tiro no pé foi o sequestro do primeiro-ministro libanês, o sunita Saad al-Hariri, quando estava em visita à Arábia Saudita. Hariri, que possui dupla cidadania, saudita e libanesa, convocou uma entrevista coletiva na capital, Riad, e anunciou que renunciava ao cargo porque estava ameaçado de morte pelo Hezbollah, importante grupo político xiita armado, que em 2006 derrotou a invasão israelense ao país. O presidente do Líbano, o cristão maronita Michel Aun, não aceitou a renúncia e consta que o presidente da França, Emmanuel Macron, teria intermediado um acordo para que Hariri retornasse a seu país, anunciando que permaneceria no cargo ao chegar. O objetivo dos sauditas era criar conflito no Líbano para jogar diferentes comunidades contra o Hezbollah que, assim como o Irã, exerceu um papel importante na Síria, apoiando o governo desta no enfrentamento ao Estado Islâmico, à Al-Qaeda, à Frente Al-Nusra (atual Jabaht Fateh AL-Sham) e a grupos terroristas similares.

Na política externa, o único movimento bem-sucedido foi a realização de uma conferência de segurança envolvendo quarenta países muçulmanos, sem a participação de governos xiitas, para discutir uma coalizão contra o terrorismo, cuja coordenação foi atribuída ao Paquistão.

A imprensa internacional tem destacado que o novo príncipe herdeiro tem importante papel no combate à corrupção na Arábia Saudita, hipótese pouco provável para alguém que comprou um iate por US$ 500 milhões de um empresário russo. No entanto, Mohammad bin Salman anunciou que pretende diversificar a economia saudita altamente dependente do petróleo, construindo uma moderna refinaria e cidades de alta tecnologia. Com relação aos costumes, decidiu que as mulheres sauditas poderão dirigir a partir de junho de 2018 e os cinemas do país, fechados há 35 anos, serão reabertos para exibir filmes liberados pelos clérigos muçulmanos.

O último e grave acontecimento no Oriente Médio foi a desastrosa e inaceitável declaração do presidente estadunidense, Donald Trump, reconhecendo Jerusalém como capital israelense e que mudará a embaixada dos EUA de Tel Aviv para essa cidade. Esse fato, além de enterrar a possibilidade de um acordo de paz entre israelenses e palestinos no curto e médio prazo, provocou enorme revolta em toda a sociedade muçulmana no mundo que somente acirrará os conflitos já existentes. O governo iraniano diz possuir provas de que os sauditas tinham conhecimento prévio dessa iniciativa.

Enfim, o quadro é muito dinâmico e periodicamente surgem novos fatos, infelizmente não em direção à paz, ao respeito aos direitos humanos e à evolução da democracia.

Kjeld Jakobsen é consultor na área de Cooperação e Relações Internacionais