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Cada ponto requer um tipo de atuação que, a depender da correlação de forças, pode ser de rejeição, contenção de danos, ou tentativa de assegurar o que ainda resta de direitos sociais

Os partidos de esquerda e os movimentos sociais devem ficar absolutamente atentos à pauta do Congresso Nacional para o ano de 2020, que, com exceção da reforma tributária, aprofunda a agenda liberal e fiscal em curso desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Cada ponto requer um tipo de estratégia de atuação que, a depender da correlação de forças, pode ser de rejeição, de contenção de danos, ou de mudança estrutural para assegurar o que ainda resta de direitos sociais.

Estarão em pauta, com apoio do governo e dos presidentes da Câmara e do Senado, a privatização do saneamento, o engessamento do gasto público (PECs 186/19 e 188/19), o desmonte dos serviços públicos e o corte de direitos dos servidores (reforma administrativa), a reforma sindical, a autonomia do Banco Central e a conversibilidade cambial, além do aprofundamento do desmonte do direito do trabalho, por intermédio da MP 905.

Quanto à PEC 186, conhecida como PEC Emergencial, o desafio é retirar dela as regras que prejudicam os servidores e impedem o funcionamento da administração pública, nos três níveis de governo. Ela tem por objetivo engessar o gasto governamental e determinar a suspensão de direitos e obrigações do Estado, em três hipóteses: 1) se houver descumprimento do teto de gastos; 2) se for extrapolado o limite da “regra de ouro”; e 3) se forem ultrapassados os limites de gasto com pessoal, previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Essa PEC, que tramita no Senado e cujo conteúdo é semelhante ao da PEC 438/18, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), em curso na Câmara dos Deputados, além de engessar o gasto público e suprimir direito dos servidores, também determina a redução de jornada com redução de salário, suspende todas as possibilidades de reajuste, concurso e progressão, e veda que qualquer lei ou ato conceda ou autorize o pagamento, com efeito retroativo, de despesa com pessoal, qualquer que seja a natureza da parcela ou benefício.

A PEC 188, conhecida como PEC do Pacto Federativo, por sua vez, é a mais radical de todas, porque, além de incorporar integralmente o conteúdo da PEC Emergencial, também impede que decisões judiciais sejam cumpridas, precariza direitos sociais e condiciona sua promoção ao “direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”, rompendo com o pacto entre gerações.

O desafio é retirar dessa PEC, entre outros absurdos: 1) as regras relativas à PEC Emergencial, que estão contidas nela; 2) o seu artigo 2º, que inclui parágrafo único ao artigo 6º da Constituição, para condicionar a implementação dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, Previdência Social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados) “ao direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”; e 3) o parágrafo 9º, acrescentado ao artigo 167 da Constituição, que determina textualmente:

Decisões judiciais que impliquem despesa em decorrência de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, somente serão cumpridas quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária.

Já sobre a MP 905/19, que trata do desmonte dos direitos trabalhistas, os desafios, por ordem de importância, são: 1) trabalhar para caducar, impedindo que seja votada nos 120 dias de vigência; 2) derrotá-la na Comissão Mista ou no plenário, na hipótese de ir a voto; ou 3) retirar dela, mediante emendas, os contrabandos e prejuízos aos trabalhadores, tanto os que precarizam o primeiro emprego, quanto os que eliminam direitos de quem já estava empregado antes de sua edição.

A reforma administrativa, que será encaminhada para iniciar sua tramitação na Câmara, já tem boa parte de seu conteúdo incorporado nas PECs 186 e 188, em curso no Senado. Embora ainda não tenha sido encaminhada oficialmente, já é possível antecipar o que virá em nível constitucional em termos de reforma administrativa. O desafio em relação a essa futura PEC é evitar: a eliminação do Regime Jurídico Único (RJU); a quebra da estabilidade do servidor; o fim da irredutibilidade salarial; a permissão para redução de salário e de jornada; e a privatização dos serviços públicos.

No caso da reforma trabalhista e sindical, em fase de elaboração no âmbito do Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet) no Ministério da Economia, que será enviada ao Congresso em 2020, a luta será no sentido de impedir: o aprofundamento da asfixia financeira das entidades sindicais; a ampliação da precarização das relações de trabalho, com a substituição do Direito do Trabalho pelo Direito Comum ou Civil; e a pulverização sindical, com a instituição da pluralidade organização, inclusive com sindicato por empresa.

A reforma tributária, único ponto da pauta oficial que pode ser uma oportunidade, vai requerer dos partidos e movimentos uma atenção especial, notadamente para garantir fontes de financiamento dos direitos sociais, especialmente os previdenciários, além de reduzir a progressividade dos impostos e tributar os lucros, dividendos, as grandes heranças e grandes fortunas. A proposta que mais se aproxima desses postulados é a Emenda Global nº 178, apresentada pelos partidos de oposição à PEC 45, que sinaliza para uma reforma tributária sustentável, justa e solidária.

Além da resistência à agenda governamental, partidos e movimentos devem priorizar a aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), já que o atual expira no final de 2020, e uma política de recuperação do salário mínimo, entre outras pautas de interesse da sociedade.

A capacidade de articulação, mobilização e resistência será determinante para avançar nas pautas positivas e impedir que os textos da agenda oficial sejam aprovados no formato apresentado, sob pena de desmonte do Estado de proteção social, de desorganização administrativa, de privatização das empresas de água e saneamento, da eliminação de direitos dos servidores e dos trabalhadores do setor privado, da dolarização da economia, do aumento da informalidade e da precarização, bem como da redução de receitas para financiar os direitos sociais, especialmente os previdenciários.

 

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas