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Uma reforma política de fato democrática passará, necessariamente, pela regulação do setor de comunicações

Uma reforma política de fato democrática passará, necessariamente, pela regulação do setor de comunicações. Apesar de a legislação partidária e eleitoral já garantir o acesso de partidos e candidatos às emissoras concessionárias de radiodifusão, ainda carecemos da pluralidade e da diversidade que, segundo a doutrina liberal, são indispensáveis na formação de uma opinião pública autônoma e independente nas democracias representativas. Um bom exemplo do tipo de informação política fragmentada, seletiva e tendenciosa que alimenta nosso debate público é a cobertura que a grande mídia tem feito dos debates na Comissão da Reforma Política do Senado Federal, neste início de legislatura (2011-2014).

Como a radiodifusão brasileira está longe de alcançar a complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal, determinada pela Constituição (artigo 223), a hegemonia da exploração privada e comercial desse serviço público se caracteriza, historicamente, pela concentração nas mãos de poucos grupos empresariais, muitos deles vinculados às velhas oligarquias políticas regionais e locais. Essas deformações têm sido as principais causas das imensas dificuldades para a regulação do setor, assim como tem se constituído em uma forma disfarçada de censura, na medida em que impedem a universalização da liberdade de expressão para a imensa maioria da população.

A Constituição determina que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio (§ 5º do artigo 220). Todavia, ao contrário da maioria das democracias contemporâneas, entre nós nunca existiu nenhuma restrição efetiva à propriedade cruzada – um mesmo grupo empresarial controlando diferentes meios (rádio, televisão, jornais, revistas, provedores e portais de inter­net), num mesmo mercado.

Ademais, a norma constitucional nunca foi regulamentada. A consequência é que o sistema privado comercial de mídia brasileiro sempre foi oligopolizado.Por outro lado, a utilização das concessões de radiodifusão como instrumento de barganha política tem sido uma nefasta prática histórica do Estado brasileiro. Desde que a Constituição de 1988 tornou obrigatória a apreciação pelo Congresso Nacional dos atos de outorga e renovação das concessões do Poder Executivo (§ 1º do artigo 223), o chamado “coronelismo eletrônico” acabou sendo revigorado. Por mais absurdo que possa parecer, um número significativo de deputados e senadores passou a votar pela aprovação das outorgas e renovações de suas pró prias concessões. Além disso, políticos concessionários de radiodifusão provocam uma assimetria óbvia de recursos nas disputas eleitorais, que, por si só, vicia irremediavelmente o processo democrático.

Dessa forma, um marco regulatório para o setor de comunicações, que crie mecanismos concretos para aplicação do princípio da complementaridade, contemple a democratização do mercado das empresas de mídia e proíba qualquer tipo de vínculo de políticos profissionais, no exercício do mandato, com as concessões do serviço público de radiodifusão, é uma exigência complementar, necessária e indispensável para a reforma política. Do contrário, a cidadania continuará privada de um direito e a democracia brasileira permanecerá contaminada pela ausência da pluralidade e da diversidade na informação política.

Venício A. de Lima, sociólogo e jornalista, autor de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa (Editora Publisher Brasil, 2010)