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Pesquisa de agosto de 2010 com 2.365 mulheres e 1.181 homens investigou percepções e opiniões da população brasileira adulta sobre questões de gênero

Pesquisa de agosto de 2010 com 2.365 mulheres e 1.181 homens investigou percepções e opiniões da população brasileira adulta sobre questões de gênero – os aspectos sociais da relação entre os sexos, que predominam sobre os biológicos na construção dos papéis do homem e da mulher, esperados em diversas dimensões da vida política e familiar. Trata-se de um projeto da Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Sesc, que atualiza e amplia estudo de 2001, publicado em A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado (Ed. FPA, 2004), cujos resultados virão a público em 2011.

Uma das perguntas trouxe uma lista de “características que as pessoas podem ter”, indagando as/os entrevistadas/os se votariam em alguém com tais atributos. Entre dez avaliados, “em uma candidata mulher” dividiu a liderança no ranking de “poderia votar”, junto com “em um negro ou uma negra”, ambos com taxas acima dos 90% – tanto entre homens como entre as mulheres. E à pergunta se “as mulheres estão preparadas para governar” responderam positivamente 76% dos homens e 78% das mulheres – taxa que em 2001 era de 59% entre estas (os homens não foram pesquisados à época). A despeito de alguma influência conjuntural (eleitores/as de Dilma e de Marina responderam mais positivamente a essas questões que eleitores/as de Serra ou sem candidato), as respostas majoritariamente positivas em todos os segmentos confirmam a maturidade moral e predisposição que havia no eleitorado brasileiro para consagrar, como ocorreu, uma mulher na Presidência da República.

Mas outros resultados da bateria de atributos indicam a complexidade da tarefa que o governo Dilma, o novo Congresso, o velho Judiciário e as forças emancipatórias na sociedade civil brasileira têm a enfrentar no campo dos direitos humanos e da disputa de hegemonia de valores, cujo avanço, bem se sabe, não é fruto obrigatório do desenvolvimento econômico ou da mera elevação do padrão de vida de setores “excluídos” – por fundamental que sejam também tais conquistas. Por exemplo, entre “nunca” e “dificilmente votaria”, 33% das mulheres e 40% dos homens afirmaram que não votariam em um gay ou em uma lésbica, e 43% e 52%, respectivamente, não votariam em um candidato favorável ao reconhecimento da união civil para homossexuais – confessando partilharem uma perspectiva homofóbica, cuja força social tem contribuído para perpetuar a discriminação de cidadãos e cidadãs tão somente por conta de sua orientação sexual, negando-lhes o acesso a um conjunto de direitos decorrentes de tal reconhecimento, há muito usufruídos pela maioria heterossexual.

Em outras duas questões caras à presidenta eleita, o problema revela-se ainda maior. Na primeira, 46% das mulheres e 39% dos homens disseram que não votariam em alguém que “participou da luta armada contra a ditadura”. Por fim, 73% das mulheres e 76% dos homens declararam que não votariam em um candidato que fosse “a favor da legalização do aborto” – tema, como se veria ao final do primeiro turno, instrumentalizado contra a candidata Dilma por facções que apoiavam tanto Serra quanto Marina. (A pesquisa abordou a questão também por outros ângulos, como a penalização das mulheres que abortam, sugerindo caminhos para tratá-la – mas isso dá pano para outro artigo).

Em suma, a agenda polêmica do PNDH-3 está toda posta, à espera de enfrentamento. Se nas eleições não há espaço para isso, dada a superficialidade da propaganda e dos debates, o momento de acirrar o conflito de valores – sem o que preconceitos (e interesses) não se desestabilizam – é agora. A eleição de Dilma depois de oito anos de Lula constitui uma grande vitória, diante da qual as forças conservadoras não saíram mais fortalecidas – nem mesmo nesse campo da moralidade. Mas podem se fortalecer se continuarmos fugindo do debate desses temas.

Gustavo Venturi é doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP ([email protected])