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Afinal, hoje no Brasil, que significado e importância têm esses conceitos para o conjunto, da opinião pública?

Inserida em pesquisas de cultura política e eleitorais, a pergunta-título pode se enquadrar naquilo que o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) classifica como "imposição da problemática". Comum em estudos quantitativos, essa prática consiste em interpelar subitamente uma amostra de cidadãos a respeito de temas sobre os quais muitas vezes nunca discutiram nem pararam para pensar, obtendo assim respostas irrefletidas, que seriam pouco confiáveis ou mesmo inválidas - expres­são de uma "opinião pública" inexistente. Mas, sem arriscar, como medir, ainda que aproximadamente, a real extensão das identidades políticas esquerda e direita hoje no Brasil? Afinal, que significado e importância têm esses conceitos para o conjunto, da opinião pública?

Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, após a reeleição de Lula (nov./06), aferiu, diante de uma escala de 1 a 7, que 13% dos 2.400 brasileiros entrevis­tados situaram-se à esquerda (pontos 1 e 2), 24% à direita (6 e 7) e 47% em um centro amplo (3, 4 e 5). Ou, ao gosto do observador, 23% localizaram-se em uma esquerda ampliada (1, 2 e3), 39% em unia direita ampliada (5, 6 e 7) e 221/o pre­cisamente no centro (4). Apenas 16% não se autoclassificaram, sendo a média dos demais 4,4. Dados muito próximos aos obtidos antes da eleição presidencial de 1989 (Data fo 1 ha/Cedec): 22%à esquerda, 37% à direita, 19% no centro, 20% sem opinião e média também 4,4.

Pode-se concluir que a população brasileira era e permaneceu predo­minantemente de direita, no sentido político-ideológico do termo? Como explicar a eleição e a reeleição de Lu­la? Teria Lula migrado para a direita, ultrapassando seus adversários nessa identidade? Seria a prova de uma real conversão programática sua, para além do figurino eleitoreiro do Lulinha paz e amor? 0 tema é complexo para este espaço, mas alguns dados e a análise do que a opinião pública entende por esquerda e direita não sustentam essa interpretação:

1. Para a maioria dos que opinaram (já que quase metade não o fez em 1989 e mais de um quarto em 2006), o principal traço identificador des­ses conceitos, antes que referido a ideologias, é fruto de uma evidência observada ao longo da história da República: direita é sinônimo de si­tuação, de estar no poder (respostas espontâneas de 20%, tanto em 1989 como em 2006); ser de esquerda é estar na oposição (percepção de 36% e de 24%.

2.O segundo elemento, ainda menos político (partilhado por cerca de 10%), define a direita como o que é direito, como o bom, o certo, e, por inversão, a esquerda como o torto, o ruim, o errado.

3. Essa acepção está tanto mais presente na compreensão dos eleitores quanto menor sua escolaridade. Assim, entre os que não passaram da 4ª série do ensino fundamental, 16% situam-se à esquerda, 44% à direita e apenas 15% no centro (25% não se localizam); entre os que atingiram o nível supe­rior, 31% colocam-se à esquerda, 31% à direita e 32% no centro (7% não se situam).

4. Os segmentos de baixa escolaridade e renda (mesmo achando-se de direi­ta) votaram em peso na reeleição de Lula, sobretudo pelo caráter social e distributivista (programaticamente de esquerda) das políticas públicas do primeiro mandato, em detrimen­to e rechaço do programa de direita (identificado como elitista e privati­zante de Alckmin (ver "A construção da autonomia popular", TD n° 68, nov.-dez./06).

Também é verdade que as noções clássicas de esquerda e direita fazem sentido para parcela razoável do elei­torado: a média dos simpatizantes do PSOL que se situaram na escala de 1 a 7 foi de 3,1; a dos petiscas mais antigos, 4,3; a dos então pefelistas, 4,4; e a dos tucanos, 4,1. Talvez o que mais impor­ta seja que, passadas mais de duas décadas de democracia, a construção de uma hegemonia político-cultural identificada como de esquerda não avançou.

Gustavo Venturi é sociólogo e cientista político ([email protected]).