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Os partidos devem de fato encarar o debate geracional, estimular e apoiar candidaturas mais representativas. Queremos jovens negras/os, indígenas, trabalhadoras/es, agricultoras/es, LGBT, estudantes, do campo e das periferias

Comentários e críticas negativas sobre o desinteresse da juventude em relação à política são frequentes nos dias de hoje. Muitos militantes de esquerda costumam projetar expectativas idealizadas sobre as/os jovens, com posturas e opiniões assertivas e professorais em relação à agenda de lutas e às formas de mobilização e organização.

Essa relação geracional conflituosa não é um fenômeno exclusivo da política brasileira. Diversos países, se não (quase) todos, possuem indicadores que revelam afastamento da juventude da política institucional. É baixo o envolvimento com partidos políticos, sindicatos, cooperativas e outros espaços de organização coletiva. Ocorre que conclusões generalistas e fatalistas são, em geral, precipitadas e carentes de uma análise mais aprofundada sobre o assunto.

Há duas sortes de questões que precisam ser consideradas. Em primeiro lugar, é preciso refletir sobre o contexto histórico presente e analisar os efeitos do neoliberalismo sobre a política de modo geral. Ele vem minando a crença das pessoas na política e na construção coletiva, conflituosa e árdua, que é própria do exercício democrático. O segundo aspecto tem a ver com a multiplicidade de formas de organização política das juventudes, no Brasil e no mundo. A dimensão institucional/eleitoral é uma das formas de envolvimento político – certamente aquela que concentra maior poder e, portanto, maior capacidade e orçamento para as transformações socioeconômicas. Mas há uma gama de outras formas de organização e mobilização política que vêm sendo experimentadas pelas juventudes e que com frequência são negligenciadas, quando não combatidas e apagadas pela sociedade – muitas vezes com o aval do Estado e de outros agentes políticos.

Esse tema certamente rende um longo (e necessário) debate. Como contribuição, analisamos aqui dados sobre as candidaturas jovens1 a deputado federal e estadual/distrital no pleito eleitoral de 20182. Os sujeitos políticos, militantes e partidos reclamam e criticam a ausência da juventude na política. Mas estão eles efetivamente dispostos a abrir espaço para as/os jovens? Há de fato intenção de promover a transição geracional nos partidos,  compartilhar o poder, renovar as agendas e atualizar os programas?

Infelizmente  as informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não são muito favoráveis.

Das candidaturas a deputada/o federal, somente 4,95% são de jovens, já dos postulantes a deputada/o estadual e distrital 6,11% têm até 29 anos. Considerando que 23% (aprox. 48,5 milhões) da população brasileira é jovem, esse segmento  está fortemente sub-representado no universo total das candidaturas ao Parlamento. São 1.083 candidatas/os estaduais/distritais e 391 federais jovens; e 16.637 estaduais/distritais e 7.499 federais com 30 anos ou mais3.

O que nos dizem os marcadores sociais de gênero, raça e sexualidade dessas candidaturas?

Entre as/os jovens, a proporção de mulheres e homens é de 51,4% e 48,6%, respectivamente. Ao passo que na população de 30 anos em diante, a desigualdade é significativamente maior, 30,4% e 69,6% respectivamente4. Ou seja, há proporcionalmente mais mulheres jovens candidatas.

O mesmo ocorre com a variável cor/raça. Entre a população com 30 anos ou mais, a proporção de candidatas/os brancas/os é de 52,2%, ao passo que 46,7% são negros/as5. As candidaturas a federal concentram as maiores desigualdades (57,9% de brancas/os e 40,8% de negras/os). Entre os jovens, são 50,1% de brancas/os e 48,6% de negras/os. E também entre a juventude há maior discrepância nas candidaturas à Câmara Federal, com 56,2% de brancas/os e 42,9% de negras/os. Isto é, há mais negras/os entre a juventude, mas ainda em proporção inferior às candidaturas de brancas/os, sobretudo a deputado federal. A proporção de indígenas candidatos é pequena entre jovens e não jovens. São 106 candidatas/os indígenas com idade superior a 30 anos (0,43%) e sete com até 29 anos (0,47%).

Cruzando gênero e raça, notamos que as desigualdades também são menores entre os jovens. Enquanto das candidaturas de não jovens 14,4% são de mulheres negras, entre as jovens são 25,6% as de mulheres negras. Os homens brancos são 36,6% das candidaturas da população com idade superior a 30 anos e 27,7% das candidaturas jovens.

As candidaturas de transexuais podem ser identificadas pela utilização do nome social. Entre jovens, há quatro candidatas mulheres transexuais, duas federais e duas estaduais. Já entre os mais velhos, há 23 postulantes, sete federais e dezesseis estaduais, todas elas mulheres transexuais.

Para a análise dos dados de educação, criamos duas categorias: escolaridade “até o ensino médio completo”6 e “ensino superior incompleto e completo”. A proporção de jovens e não jovens com escolaridade até o ensino médio completo é semelhante, 43,8% e 44,3%, respectivamente. Porém, as desigualdades se manifestam entre gênero e raça. Nessa categoria, estão 30,3% das candidatas jovens negras e 14,8% dos candidatos jovens brancos. Entre os mais velhos estão 25,3% das mulheres negras e 18% dos homens brancos. Entre os que possuem ensino superior incompleto e completo estão 55,7% das/os jovens e 61,6% dos mais velhos. Mais uma vez, as desigualdades se fazem presentes nos recortes de gênero e raça. Na juventude são 22,6% das candidatas negras e 39,1% dos candidatos brancos. Na população com idade superior a 30 anos, são 23,6% das candidatas negras e 38,1% dos candidatos brancos. Quando analisadas as informações sobre ocupação, vê-se que de fato há muitos jovens estudantes: 21,1% (mais de um quinto) das candidaturas jovens se declaram na condição de “estudante, bolsista, estagiário e assemelhados”.

A análise por partido indica grande dispersão7. O partido com maior número de postulantes jovens a deputados federais e estaduais/distritais é o Psol, com 121 candidaturas. Logo em seguida vem o PSL, com 102, seguidos da Rede (71), do PSDB (53), do PT (46), do PDT (38) e do MDB (33).

Esses são alguns apontamentos possíveis extraídos dos dados do TSE, os quais certamente permitem análises mais extensas e minuciosas. Desse breve conjunto de informações, nota-se que ainda é pequeno o espaço que as/os jovens encontram na política partidária. A média de 5% das candidaturas está muito aquém da representatividade da juventude na população brasileira. Não indica compromisso com a renovação da agenda e das práticas políticas, com a democratização do poder e da sociedade. Sobre esse aspecto, seria interessante investigar o percentual e o perfil das/os jovens filhas/os ou familiares próximos de políticos tradicionais. Afinal, o recorte etário não implica necessariamente ideias e práticas novas.

A despeito da falta de espaço, os perfis de gênero e raça apontam que as populações historicamente excluídas (mulheres, negras/os, indígenas, transexuais) se fazem presente em maior proporção nas candidaturas jovens.

O aumento da escolaridade entre candidaturas jovens é fruto das conquistas da redemocratização e dos direitos garantidos pela Constituição de 1988. Também são sentidos os efeitos das políticas de cotas e de ampliação da educação superior no Brasil dos governos Lula/Dilma. Da mesma forma, são visíveis os resultados das políticas de reconhecimento e valorização das diversidades, voltadas sobretudo à redução das desigualdades historicamente presentes em nosso país.

Porém, para reverter o quadro de afastamento da juventude da política institucional é preciso mais. Os partidos devem de fato encarar o debate geracional e estimular e apoiar candidaturas mais representativas. Queremos jovens negras/os, indígenas, trabalhadoras/es, agricultoras/es, LGBT, estudantes, do campo e das periferias.

Se o registro das candidaturas já é um funil, vencer as eleições é um desafio muito maior. Na coluna do próximo mês analisaremos o perfil das/os jovens eleitas/os.

*Agradeço a contribuição de Matheus Toledo na coleta dos dados junto ao portal Repositório TSE.

Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ)