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Lula e Bolsonaro dispõem, em termos quantitativos, de estrutura de campanha praticamente equivalentes, embora possuam estratégias e propostas completamente diferentes

A eleição de 2022 será a primeira em que um presidente em exercício e candidato à reeleição concorre com um ex-presidente, numa disputa na qual a rejeição e os eventuais erros de campanha poderão ser fatais, já que ambos dispõem, em termos quantitativos, de estrutura de campanha (recursos financeiros, tempo de TV, participação nas redes sociais e base social) praticamente equivalentes, embora possuam estratégias e propostas completamente diferentes.

Nesta coluna vamos abordar quatro aspectos dessa disputa que poderão ser determinantes para o resultado da eleição: a estratégias dos partidos e candidatos; as divergências em termos de agenda ou programa de governo; as vantagens e desvantagens dos dois principais candidatos; e a percepção por seus supostos legados.

As estratégias de campanha, tanto dos partidos quanto dos candidatos, serão completamente opostas. O PT pretende focar em programa de governo, comparando os legados dos dois governos, e o PL pretende utilizar a denúncia como arma política, associando o PT e seu candidato à corrupção e a uma suposta degradação moral das famílias. Ou seja, enquanto Lula focará na esperança e no fortalecimento da democracia, com inclusão social, mas também chamando à atenção para o fracasso do governo no enfrentamento à pandemia da Covid-19 e na gestão da economia, Bolsonaro vai direcionar seu discurso para o medo, para a ameaça do “comunismo” e buscar situar a campanha em uma disputa entre o bem e o mal, além de explorar as medidas eleitoreiras recentes.

As divergências de agenda são muitas e irreconciliáveis. O eleitor, ao votar na eleição presidencial de 2022, optará pela visão de sociedade e de Estado de um dos candidatos, conforme sintetizado no quadro a seguir.

Divergências de agenda entre Bolsonaro e Lula

Agenda Bolsonaro Lula
Política Fiscal A favor de teto de gastos para manter o controle das contas públicas Contra teto de gastos como forma de desengessar o investimento público e promover políticas sociais
Política Industrial Contra, como forma de forçar a competitividade A favor, com incentivos setoriais para estimular os investimentos
Política comercial

A favor, com total abertura comercial, como forma de forçar a concorrência

 

A favor com calibragem na abertura econômica para proteger a economia, os empregos e as empresas nacionais
Política de privatização A favor, sem restrições Contra, exceto em setores que não sejam considerados estratégicos para a concorrência e a defesa do interesse nacional
Reforma trabalhista A favor, com desregulamentação Contra, com revisão de alguns aspectos para restabelecer a proteção ao trabalhador
Reforma tributária A favor (imposto sobre transação financeira, tributação de dividendos, reduzir impostos)  A favor (tributar dividendos, lucros e grandes fortunas e herança, com maior progressividade no IR)
Reforma da previdência A favor, com capitalização Contra, para manter o sistema de repartição e rever excessos da reforma de Bolsonaro/Guedes
Reforma administrativa A favor, para transferir para o setor privados os serviços públicos, reduzir custos e vigiar e punir os servidores públicos A favor para reconstruir a administração pública, tornando-a mais efetiva na prestação de serviços, com concurso e melhoria salarial dos servidores

Os dois principais candidatos possuem vantagens e desvantagens nesse pleito, conforme sintetizados no quadro a seguir.

 

Vantagens e desvantagens dos candidatos

Candidato Bolsonaro Lula
Pontos favoráveis Disputa no exercício do mandato Nome conhecido, deixou o governo com alto índice de aprovação e lidera as pesquisas
Conta com instrumentos de poder, tendo utilizado a máquina pública para ofertar vantagens a empresas e pessoas em período pré-eleitoral Possui legado de realizações e identificação com a luta contra pobreza e a fome.
Conta com apoio dos militares, ruralistas, evangélicos e sistema financeiro Visto como conciliador e com papel agregador, além percebido como competente orador e motivador.
Pontos contrários Altas taxas de rejeição Está fora do mandato
Inflação, desemprego e taxa de juros elevados Carrega o peso da acusação de “irresponsabilidade fiscal” e pedaladas que serviram de pretexto para impeachment de Dilma.
Estilo confrontador Excesso de pragmatismo na política de alianças pode desmotivar militância
Contrário às minorias e direitos humanos, inclusive de negros, LGBTQIA+, indígenas, quilombolas Seu partido é acusado de ser contra a família e a religião
Acusado por diversos crimes, inclusive genocídio e favorecimento de familiares. Seu governo foi associado à corrupção pela oposição e pela mídia

 

Quando se compara as gestões e seus legados dos dois candidatos, a diferença é evidente em favor do ex-presidente Lula.

As gestões de Lula, conforme palavras do professor Reginaldo Morais, foram marcadas por “redução de tensões sociais e de pobreza, crescimento regular de emprego e renda, baixas taxas de desemprego; oportunidades escolares crescentes, sonhos de ascensão para uma nova classe social, cortejada pelo comercio, bancos, seguradoras, financeiros”.

A gestão de Bolsonaro, ao contrário, foi marcada pelo baixo crescimento econômico, pelo elevado desemprego e pelos juros e inflação altas. E seu governo ficará conhecido pelas quase a 700 mil mortes durante a pandemia da Covid-19, pela redução da participação no Enem; pelo aumento do número de armas; pelo aumento do número de mortes no trânsito; pelas privatizações irresponsáveis; e pelo aumento do desmatamento. As únicas ações que poderá explorar, e mesmo assim, por razões eleitoreiras são: a vacinação da população, que ele não acreditava, tanto que não se vacinou; o aumento do auxílio Brasil, de R$ 400,00 para R$ 600,00, que terá duração só até dezembro e a redução do valor da conta dos combustíveis e da conta de luz, também medidas conjunturais e que irão gerar impactos fiscais no mandato futuro.

Com base nesse diagnóstico, a estrutura de preferência dos eleitores – também medida pelos indicadores de popularidade do presidente, pelo nível de apoio ao seu governo e pelo desempenho da economia – sinaliza renovação política e não continuidade na eleição presidencial. Este é o retrato do momento. Entretanto, outras variáveis poderão ser determinantes na disputa: o índice de rejeição dos candidatos; a prevalência da esperança ou do medo; o desempenho da economia; os efeitos do aumento do auxílio Brasil e da redução dos preços dos combustíveis e energia elétrica; e os erros de campanha. Por isso, todo cuidado será pouco em relação a todos esses aspectos, especialmente a forma de abordagem e condução da campanha do ex-presidente Lula em relação a temas que poderão ser explorados pelas forças conservadoras e de direita, como aborto, armas, “marxismo cultural”, “ideologia de gênero”, ativismo judicial, conservadorismo, cristianismo, cultura, defesa do agro, urnas eletrônicas, drogas, meio ambiente, escola sem partido, ideologia de gênero e racismo, dentre outras.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV), analista e consultor político, ex-diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”