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A prioridade, neste momento, é ganhar a eleição e, no exercício do poder, promover as reformas que o país necessita, especialmente das instituições políticas

As eleições de 2022 serão singulares em relação a pleitos anteriores e essas particularidades precisam ser conhecidas e analisadas previamente. Sem paralelo na história do Brasil, o nível de polarização da eleição presidencial fará com que ela seja decidida com base no índice de rejeição, e os adeptos e seguidores fundamentalistas do candidato à reeleição farão o que estiver ao seu alcance para aumentar a rejeição do principal candidato de oposição, atribuindo a ele toda sorte de acusação que agrida os valores mais sagrados das famílias e provoque os institutos mais primitivos do ser humano, numa espécie de gatilho do medo e do ódio.

Nessa perspectiva, é esperado um crescente grau de histeria, do uso de fake news, de emprego de violência ou de outras atrocidades contra a campanha do principal candidato de oposição, pois os adversários, além de tentarem vincular o ex-presidente à corrupção, ao “comunismo” e à desagregação das famílias, precisam dar evidência à narrativa segundo a qual Lula não pode sair às ruas sem ser molestado, com xingamento e até agressão. Essa estratégia tem dupla finalidade para o candidato à reeleição: a primeira é aumentar o índice de rejeição e impedir a eleição do candidato de oposição e a segunda é alegar fraude no resultado eleitoral na hipótese de vitória da oposição.

Para se vacinar contra isso, algumas decisões estratégicas precisam ser adotadas pela campanha do ex-presidente Lula: 1ª) contratar serviço de inteligência e reforçar o esquema de segurança do candidato; 2ª) escolher o candidato, e eventualmente também o vice, como porta voz da campanha; 3ª) focar a campanha no programa de governo e na disputa de legados; 4ª) dar prioridade à eleição de deputados e senadores; e 5ª) investir em palanques físicos e virtuais.

O primeiro aspecto possui dupla dimensão. De um lado, deve buscar contratar serviços de inteligência e reforçar o esquema de segurança como forma de evitar que os adversários dificultem ou impeçam o candidato de fazer campanha em determinados locais ou regiões. De outro, treinar e orientar a militância para não aceitar provocação, pois o tumulto faz parte da estratégia da campanha dos adversários. Sem esses cuidados, além do risco de violência física ao candidato, o caminho estará aberto para tumultuar a campanha e dificultar o comparecimento do candidato aos eventos que exijam sua presença.

O segundo ponto diz respeito a quem fala e responde pelas manifestações públicas da campanha. A campanha não pode permitir que sejam utilizadas falas, atitudes ou comportamentos de aliados ou filiados aos partidos da campanha de Lula para reforçar o preconceito contra o candidato, os partidos e o pensamento progressista. A forma de fazê-lo é atribuindo ao candidato a condição de único porta voz da candidatura ou do candidato e do vice, se assim entender conveniente. Se não for tomada essa providência, os adversários irão utilizar à vontade declarações ou comportamentos que possam comprometer a campanha ou aumentar a rejeição ao principal candidato de oposição.

O terceiro ponto tem a ver com a estratégia de comunicação, cujo foco deve ser o programa de governo e as políticas públicas que possam transmitir esperança e confiança ao eleitor. Embora não deixe de responder às agressões e às propostas absurdas dos adversários, a prioridade deve ser comparar legados entre os candidatos e evitar abordar as pautas1 ou dar pautas para que a campanha do principal adversário possa levar a campanha para o campo dos costumes, apropriada pelos conservadores e pela extrema direita, conforme alertamos na coluna de maio.

O quarto, que consiste em priorizar a eleição de deputados e senadores, também tem dupla finalidade. Reforça a lealdade entre a campanha presidencial e as candidaturas ao Congresso Nacional e ajuda na eleição de grandes bancadas, que serão indispensáveis no futuro, tanto para assegurar a governabilidade, na hipótese de vitória presidencial, quanto para fazer uma oposição eficaz, em caso de derrota. Além disso, a eleição de bancadas fortes também amplia a legitimidade do eleito, inibindo ou desestimulando tentativas de golpe de mau perdedor.

O quinto está relacionado com o suporte à campanha, tanto com palanques físicos, com alianças nos estados, quanto com palanques virtuais, com a ampliação da participação da campanha nas redes sociais, uma das principais fontes de informação dos brasileiros. No primeiro caso, é preciso contar com candidaturas competitivas em cada unidade da federação, para levar a mensagem e o programa da campanha. E no segundo, o desafio é duplo: de um lado, mostrar as propostas para o futuro e apresentar as realizações do candidato em seus dois governos, e, de outro, fazer o contraponto ao exército de robôs (máquinas e humanos) que replicam fake news contra a candidatura de oposição.

Sem essas providências, além do risco de as ações dos adversários influenciarem o rito da campanha e o resultado da eleição, o principal candidato de oposição poderá ficar isolado ou ser percebido como alguém extremado, movido por ressentimentos, o que certamente prejudicará seu desempenho eleitoral, especialmente entre os eleitores de centro que se arrependeram do voto dado em 2018. Não é momento de acertos de contas, mas de conquistar mentes e corações e pacificar os país, trazendo para o campo popular e progressista aqueles eleitores que – por assimetria de informação, pela campanha antiPT ou por terem sido acusados de golpistas ou fascistas – foram na onda moralista-justiceira que acometeu o Brasil desde as manifestações de junho de 2013.

Os desafios não são pequenos, mas com um bom diagnóstico, que possibilite ver com antecedência as ameaças e oportunidades, é possível planejar uma campanha que minimize os riscos e amplie as chances de êxito. A estrutura de preferência dos eleitores – medida pelos indicadores de popularidade do presidente, pelo nível de apoio ao seu governo e pelo desempenho da economia – indica tendência de renovação e não continuidade na sucessão presidencial, mas o poder da máquina pública e o uso da guerra cultural não podem ser subestimados. A campanha de Lula não pode errar e a forma de evitar erros é fazendo planejamento, agindo preventivamente e tomando as providências corretas.

A prioridade, neste momento, é ganhar a eleição e, no exercício do poder, promover as reformas que o país necessita, especialmente das instituições políticas. No Brasil as instituições políticas não estão mais a serviço da população, pois foram apropriadas por interesses privados intermediados por grupos políticos a serviço deles. É preciso resgatar a esperança e confiança do povo brasileiro, a partir de um programa de governo que seja inovador, portador de futuro e comprometido com os valores da democracia, igualdade e desenvolvimento sustentável.

1 Temas priorizados pelas forças conservadoras e de direita que divergem da visão das forças progressistas: aborto, armas, arte, ativismo judicial, conservadorismo, cristianismo, cultura, defesa do agro, urnas eletrônicas, drogas, meio ambiente, escola sem partido, ideologia de gênero e racismo, dentre outras

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV), analista e consultor político, ex-diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor das empresas “Diálogo Institucional Assessoria e Análises de Políticas Públicas” e “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais”