EM DEBATE

As políticas sociais e algumas medidas estratégicas apontam na direção da descentralização para outras regiões. A indústria naval brasileira e grandes obras de infraestrutura de transporte e de recursos hídricos, como a Transnordestina e a Transposição do São Francisco, são exemplos. Como essa política pode ser aprimorada?

Faz-se necessário ordenar o arcabouço institucional

Atacar as diferenças regionais como política de Estado

Faz-se necessário ordenar o arcabouço institucional

Os governos do PT criaram e vêm executando várias políticas públicas que, de fato, têm rebatimento diferenciado, para melhor, em benefício das regiões menos desenvolvidas.

Vejamos o Bolsa Família. A maioria dos seus beneficiários está no Nordeste por força de ser essa região a que detém os mais baixos índices de renda. São milhões de pessoas, as mais necessitadas dentre todas. O mesmo se dá com a política de correção real do salário mínimo acima da inflação, cujo impacto beneficia diretamente o piso das aposentadorias do Regime Geral da Previdência Social.

Além das políticas sociais, vejamos algumas medidas estratégicas que apontam na mesma direção: a descentralização, para outras regiões, da indústria naval brasileira, alavancada pela decisão de produzir no país plataformas e navios petroleiros, e a ampliação da capacidade de refino da Petrobras por meio de novas refinarias localizadas em outros estados, e não mais nos já produtores. E, ainda, a resolução de realizar no Nordeste grandes obras de infraestrutura de transporte e de recursos hídricos, como a Transnordestina e a Transposição do São Francisco.

No plano do fomento, a retomada do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que em 2002 agonizava, tendo emprestado apenas R$ 254 milhões a projetos de longo prazo. Hoje, onze anos depois, já aplica cerca de R$ 20 bilhões.

Finalmente, um exemplo recentíssimo, o programa Mais Médicos vem aplicando a maior parte de seus recursos no norte e nordeste brasileiros.

Então, por ações concretas, temos tido, sim, uma política nacional de desenvolvimento regional. Entretanto, uma política pública, além das ações que a caracterizam, carece de explicitação conceitual, sistematização e planejamento. Duas questões centrais devem ser assinaladas.

O processo de planejamento do desenvolvimento regional

A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), instituição que deveria realizar o planejamento das ações de desenvolvimento regional, está quase inoperante. De um lado, aprova as normas que regem o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), assim como os projetos de grande porte do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FDNE), operados pelo BNB. De outro, não tem equipe técnica adequada para formular políticas de desenvolvimento para o Nordeste nem atribuição legal para definir as estratégias e suas correspondentes ações que estão situadas em ministérios setoriais. As ações de infraestrutura hídrica e a operação dos perímetros irrigados estão no âmbito do Ministério da Integração e de suas indiretas Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). Já as ações de infraestrutura de transporte, portos e aeroportos estão nos respectivos ministérios e suas coligadas. Os assentamentos estão no Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). As políticas para a agricultura estão entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o MDA. É natural que seja assim, em um modelo de gestão em que o planejamento operacional e a execução setorial das ações estejam em órgãos federais de caráter nacional.

Mas onde está o planejamento do desenvolvimento regional? O Ministério da Integração Nacional elaborou Plano Nacional de Desenvolvimento Regional em 2012, que não foi levado ao Congresso Nacional. Por sua vez, a coordenação dessa política seria feita pela Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (CPDR), situada na Casa Civil, que, desativada, só voltou a funcionar em 2012.

Assim sendo, apesar de as inúmeras ações setoriais de impacto regional ocorridas no período dos governos Lula e Dilma demonstrarem existir uma vontade política forte e evidente de enfrentar o desafio de superação das desigualdades, elas se colocam no plano de uma ação intuitiva, e não estratégica.

É verdade que é preferível ter ações concretas na direção certa, ainda que sem a formulação de uma política geral, a ter formulações teóricas elegantes, sem correspondência no plano das intervenções reais. Entretanto, a ausência de um processo de planejamento específico para enfrentar o desafio de reduzir as desigualdades regionais faz-nos perder oportunidades de ampliar o rol de políticas públicas que atuam nessa direção.

Assim, faz-se necessário ordenar o arcabouço institucional de planejamento do desenvolvimento regional, estabelecendo-se um único comando de planejamento estratégico e coordenação das ações setoriais. O planejamento estratégico do desenvolvimento nacional é atribuição do Ministério do Planejamento e a coordenação e integração das ações do governo é da alçada da Casa Civil da Presidência da República. Diante disso, a estratégia do desenvolvimento de caráter regional tem de estar especificamente situada no Ministério do Planejamento e a integração e coordenação das ações na Casa Civil. Mas tais atribuições viram letra morta, se traduzidas apenas na lista de atribuições desses órgãos. É necessário o estabelecimento de um órgão da administração indireta, de alta capacidade de formulação tática, coordenação e integração, subordinado à Casa Civil ou mesmo diretamente à Presidência da República. No Ministério do Planejamento, é fundamental uma unidade de formulação especificamente voltada para as definições estratégicas referentes ao desenvolvimento regional, inclusive capaz de definir uma  necessária regionalização do Orçamento Geral da União.

O objetivo dessa política é aproximar os principais indicadores sociais e econômicos das regiões e seus subespaços ao resultado nacional, o que, até 2008, não havia ocorrido. Naquele ano, a participação do PIB nordestino no cenário nacional foi de 13%, o que dura há décadas. É provável que, nos últimos quatro anos, os dados, quando disponíveis, mostrem uma evolução positiva, fruto das políticas concretas referidas.

Mesmo assim, faz-se necessário que esteja no centro do planejamento da União, daqui para a frente, uma política de convergência que estabeleça metas factíveis, porém ousadas, de redução sistemática dos hiatos que separam as regiões entre si.

A ideia de ser essa uma política nacional já está consagrada e consta dos documentos oficiais, produzidos no âmbito do Ministério da Integração sobre o assunto. O que não deve permanecer é a dispersão das iniciativas. Neste momento, por exemplo, a criação de novos fundos de desenvolvimento regional é discutida no Senado, no contexto de alterações tributárias referentes ao ICMS. Por mais importante que seja a questão da chamada guerra fiscal, o seu fim é demanda das regiões mais desenvolvidas, e a criação de novos fundos de caráter compensatório, fora de uma política geral, nacional, abrangente, não levará à construção de um cenário efetivamente transformador.

Isso nos remete à segunda questão.

A construção real de uma política de convergência

A política de convergência deve conter, por exemplo, políticas nacionais com corte regional nas áreas de infraestrutura, de irrigação e de recursos hídricos, de estruturação do desenvolvimento rural e do desenvolvimento urbano, de educação, de ciência e tecnologia e de saúde; definir política tributária nacional, eliminando o cipoal de legislações estaduais e federais sobrepostas; dar ênfase ao fortalecimento das cadeias produtivas.

Cada uma dessas ações tem especificidades que precisam ser consideradas. Tomando o Nordeste como exemplo, a política de concessões de serviços públicos que tem permitido, com sucesso, a aceleração de obras de infraestrutura no centro dinâmico do país tem pouca aplicabilidade no Nordeste, onde os mercados que dão a escala necessária a tais empreendimento são mais escassos. Um robusto estoque de projetos executivos e um modelo de financiamento dos investimentos públicos e privados fazem-se não apenas necessários como urgentes.

A transformação dos perímetros irrigados nordestinos, que têm amplas áreas ociosas, e dos assentamentos da reforma agrária, também largamente improdutivos, exige um novo arranjo institucional. A oportunidade é excelente, pois o governo Dilma está executando a mais forte das ações de convivência com a seca de que se tem notícia. Incorporando, inclusive, o entendimento de que o semiárido nordestino precisa ser dotado de uma nova política produtiva, ser um celeiro de grãos e de alimentos em geral produzidos nesses espaços disponíveis e uma fortíssima e totalmente nova política de assistência técnica, para a difusão de novas tecnologias.

São apenas alguns exemplos. A bancada do Nordeste no Congresso Nacional, que coordeno, tem debatido essas questões e acaba de publicar um estudo sobre os investimentos federais em obras hídricas no Nordeste, em andamento. São muitos. Algo que as pessoas desconhecem. E não fica clara a estratégia que os definiu. Poucos também sabem que estamos caminhando para a universalização do acesso à água no semiárido, lastreada na Transposição do São Francisco.

Sistematizar o que temos em curso e traçar, de forma explícita, técnica e politicamente agregadora, os rumos do desenvolvimento nacional, dando-lhe a marca da convergência social e econômica entre os territórios de nossa nação, é tarefa tanto menos difícil quanto seja executada pelos que ousaram avançar concretamente nessa direção ao longo dos últimos dez anos.

Pedro Eugênio é deputado federal (PT-PE) e presidente do PT em Pernambuco

Atacar as diferenças regionais como política de Estado

A concentração dos meios de produção, a orientação do mercado para a exportação e o consumo de luxo, a atuação oligopolizadora do Estado e a mentalidade senhorial dos ricos estão na raiz dos abismos sociais e regionais brasileiros. Fomos um dos últimos países a abolir a escravidão, e seus efeitos perversos perduram na sociedade brasileira. O senhor de terras e de votos, que define a ação do Estado em seu “feudo”, ainda é uma realidade que buscamos superar, mesmo que hoje, muitas vezes, esse “senhor” sejam as grandes corporações que decidem as políticas de desenvolvimento do Estado de acordo com seus interesses, que nem sempre são os da coletividade.

Se é verdade que “nunca na história deste país” se avançou tanto na redução de desigualdades sociais históricas como nos anos de governo petista, também é claro que para superá-las são necessárias mudanças estruturantes na base do nosso desenvolvimento, que deve ser planejado levando-se em conta as profundas desigualdades regionais brasileiras.

Somos ainda um país em que a exportação é baseada em commodities, no qual a agricultura tem uma participação expressiva, mas a terra, principal ativo produtivo, está nas mãos de poucos.

A montagem de um parque produtor brasileiro se concentrou nas Regiões Sudeste e Sul, tanto pela infraestrutura de escoamento da produção quanto pela proximidade do mercado consumidor. Esse perfil começou a ser traçado na década de 1950, mas a partir de um modelo concentrador, com base em incentivos fiscais e com os investimentos localizados próximos às grandes cidades. Isso intensificou a concentração populacional, com a migração de grandes contingentes para as periferias das metrópoles, uma movimentação que mudou a fisionomia brasileira. Em um tempo muito curto passamos a ter 80% da população concentrada nas cidades.

Obviamente, isso expôs as cicatrizes das nossas desigualdades, já que as nossas cidades viram proliferar as favelas e passaram a viver o que hoje é caracterizado como “caos urbano”, com a falta de estrutura e de empregos, precariedade dos serviços de saúde, educação, saneamento, moradia e transporte público.

Essas desigualdades são ainda maiores nas Regiões Norte e Nordeste. Nesta, vivem cerca de 28% da população brasileira, mas seu Produto Interno Bruto (PIB) representa pouco mais de 13% do nacional. A região concentra 59% dos analfabetos e dos extremamente pobres do país.

Essa discrepância sempre foi alvo de debates políticos e acadêmicos. Em meados da década de 1950, o governo Juscelino Kubitschek instituiu o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), sob o comando de Celso Furtado. Esse foi o embrião da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), modelo que foi estendido para a Região Norte, com a Sudam, e para a Centro-Oeste, com a Sudeco.

Durante a ditadura militar a Sudene se desviou cada vez mais dos objetivos iniciais. A ideia de Furtado de que o órgão exercesse um papel mobilizador de recursos, mas orientado para uma participação ativa dos representantes da sociedade, a partir do seu conselho deliberativo, foi completamente abandonada, até sua extinção.

No governo Lula, fui relator na Câmara da proposta de recriação da Sudene. Infelizmente, até por causa de vetos a alguns pontos da proposta, a entidade não foi dotada de instrumentos políticos e financeiros que permitissem sua atuação efetiva na execução de ações e planejamentos regionais.

Potencial é o que não falta para mudar o quadro de desigualdades da região. Pesquisa realizada em 2012 pela revista Exame revelou que o Nordeste tem poder de compra estimado em quase R$ 450 bilhões, valor que corresponde à economia de países como Peru e República Checa. Embora sofra os efeitos de mais um longo período de estiagem, sua economia tem evoluído acima da média nacional.

Junto com a Norte, a região lidera no país as taxas de crescimento do emprego, da renda e das vendas no varejo. Para a economista Tânia Bacelar, políticas sociais, como o Bolsa Família, e de emprego e renda, como o aumento do salário mínimo e do emprego com carteira assinada, deram uma injeção de renda na veia nordestina.

Mas é hora de dar o segundo passo, e para isso é preciso melhorar os serviços públicos. O ex-presidente Lula foi certeiro em discurso na Câmara dos Deputados, no dia 29 de outubro último, quando recebeu a medalha da Grande Distinção, pelos serviços prestados ao Brasil: “O povo foi às ruas não para reivindicar a cabeça de nenhum governante, não para reivindicar a volta do autoritarismo ou a cabeça de um deputado. O povo foi à rua exigir um pouco mais de Estado e para ser tratado como cidadão de primeira classe. Ele quer o emprego, mas não mais o emprego qualquer. Ele quer o emprego que lhe dê possibilidade de sentir orgulho e prazer naquilo que faz. Ele quer estudar, mas não apenas estudar. Ele quer estudar em escolas de qualidade”. Para melhorar qualidade de vida não basta ter renda, precisa ter boa saúde, boa educação, boa segurança, boa habitação.

No Nordeste, especialmente, é preciso reduzir também as desigualdades intrarregionais. Tânia Bacelar alerta: “Temos atraído refinarias, siderúrgicas e montadoras de veículos, dentre outros investimentos significativos, mas vale lembrar que essas conquistas não bastam para levarmos o desenvolvimento além do nosso litoral. Para haver um crescimento homogêneo, beneficiando periferia e capital, é preciso sair dos grandes centros e avançar para o interior”.

Uma das saídas para esse problema pode ser a criação de polos industriais e centros de educação nas cidades do interior, especialmente nas de médio porte. Para a economista, os investimentos em polos industriais, aliados à implantação de centros tecnológicos de educação em cidades médias, vão conseguir descentralizar as produções do litoral e desenvolver a região de forma igualitária.

No Fórum Nordeste no Brasil e no Mundo, realizado em setembro deste ano no Ceará, especialistas defenderam uma melhor distribuição dos recursos constitucionais e dos financiamentos de instituições como o BNDES. Também não é possível aceitar que bancos públicos e privados façam a transferência de recursos captados na região, ao invés de aplicá-los na região.

Outro ponto de suma importância é destinar mais recursos à qualificação e à melhora dos indicadores educacionais. A educação, aliás, é o grande diferencial, pois o motor do desenvolvimento econômico é o ser humano. Políticas nacionais, como a abertura dos Institutos Federais de Educação e novas universidades federais privilegiaram de maneira especial a região, mas é preciso pensar no nordestino, em como desenvolver suas habilidades individuais tanto para competir com profissionais do Sul e Sudeste quanto para preparar o sertanejo para a convivência com a seca, por exemplo. Isso depende de transmissão de tecnologia e conhecimento.

O Partido dos Trabalhadores e o nosso governo, no meu entendimento, deve ter consciência de que para fazer um Brasil forte e pujante é necessário se mover em duas direções: a primeira é construir uma relação forte de parceria com os países da América do Sul. É fundamental que o país não se apresente sozinho no cenário internacional e trabalhe pelo desenvolvimento de todos os parceiros, e o Mercosul é um caminho para isso, desde que essa integração não fique restrita aos estados do Sul. O segundo movimento é atacar, como política de Estado, as diferenças regionais. Quando decidimos por implantar refinarias, por exemplo, ou investir na construção de estradas e outras obras de infraestrutura, desencadeamos uma reação na cadeia produtiva que muda o perfil de uma localidade.

Se promovermos o desenvolvimento descentralizado, com planejamento participativo, respeito às diferenças sociais, ambientais e econômicas, e ações integradas que façam valer o pacto federativo – de que tanto se fala, mas nunca se pratica –, tenho certeza que construiremos uma nova realidade no longo prazo.