O debate sobre a política de alianças do PT tem conseqüências importantes na qualidade da nossa intervenção na atual conjuntura, nos seus desdobramentos e na construção do socialismo.
Um aspecto que não poderá ser aprofundado neste artigo diz respeito à necessidade de uma ruptura revolucionária para a transformação da nossa sociedade.
Embora relacionada com essa perspectiva de longo prazo, a discussão que vamos fazer se insere, fundamentalmente, no quadro de crise do governo Sarney e da "Nova República", estando em jogo diferentes projetos políticos e alternativos de governo.
Discutimos alianças no plano eleitoral mas também ressaltamos a necessidade de uma política correta de alianças no movimento social. Do acerto dessa política depende o sucesso da luta dos trabalhadores nesta conjuntura, a afirmação do PT como um partido de massas, democrático e socialista, e melhores perspectivas para se trabalhar a proposta de frente única classista.
Inicialmente, apresentamos alguns dados sobre a composição atual da estrutura de classes no Brasil a partir das informações disponíveis sobre distribuição de renda e vínculo empregatício. Os dados recolhidos em publicação oficial (Anuário Estatístico do Brasil, IBGE/87) mostram, de maneira crua, a extrema desigualdade social no país. Assim, observamos que os 50% mais pobres detêm apenas 13,0% da renda e os 80% mais pobres detêm apenas 35,8%. Enquanto isso, os 10% mais ricos concentram 14,4%.
Em termos de salários, vemos que praticamente 80% têm rendimentos iguais ou inferiores a três salários mínimos. E 90% da população economicamente ativa têm rendimentos iguais ou inferiores a cinco salários mínimos. A comparação com os dados dos anos anteriores mostra que a concentração de renda só vem aumentando. O Brasil é certamente o país com maiores contrastes nestes aspectos em todo o mundo. Nas tabelas 1 e 2, vemos a que estrutura de classes corresponde esta extrema concentração de renda. Os dados apresentados foram extraídos do livro Dominação e Desigualdade, de Paul Singer, e os referentes a 1985 do Anuário Estatístico.
Posição na Ocupação |
Total | 1950 | % | 1970 | % | 1985 | % |
Empregadores | 628.946 | 3,8 | 445.189 | 1,5 | 1.701.418 | 3,2 |
Empregados | 8.154.551 | 49,1 | 16.193.552 | 54,7 | 34.387.739 | 64,6 |
Autônomos | 4.877.117 | 29,4 | 9.994.994 | 33,8 | 12.112.151 | 22,7 |
Sem remuneração | 2.908.047 | 17,5 | 2.914.322 | 9,8 | 5.035.628 | 9,4 |
Sem declaração | 36.057 | 0,2 | 9.167 | |||
soma | 16.604.718 | 100,0 | 29.557.224 | 100,0 | 53.236.936 | 100,0 |
Fonte: IBGE, CENSOS/PNAD.
Tabela 2
Estrutura Social Brasileira |
Classes | Urbana | Rural | Total | |||
1976 | % | 1976 | % | 1976 | % | |
Burguesia | 1.229.294 | 5,0 | 83.851 | 0,6 | 1.313.145 | 3,4 |
Pequena burguesia | 3.165.010 | 5,0 | 83.851 | 0,6 | 1.313.145 | 3,4 |
Proletariado | 9.464.711 | 38,4 | 1.511.774 | 10,6 | 10.976.485 | 28,1 |
Subproletariado | 10.805.830 | 43,8 | 7.960.528 | 54,1 | 18.566.358 | 47,6 |
Total | 24.664.845 | 100 | 14.328.219 | 100 | 38.993.064 | 100 |
Fonte: IBGE, CENSOS/PNAD.
Na burguesia o autor incluiu, além dos capitalistas, os contingentes administrativos superiores das empresas e a cúpula tecnoburocrática do Estado. Na pequena burguesia, os pequenos empregadores, parte dos autônomos e não remunerados das famílias destas duas camadas. No proletariado incluiu empregados do setor de serviços. A grande maioria, porém, do contingente considerado se enquadra no conceito tradicional de proletariado. No subproletariado estão os assalariados de baixa renda (construção civil, bóias-frias, etc...), autônomos de baixa renda, e não-remunerados. Proletariado e subproletariado são considerados pelo autor como uma única classe social, diferenciando-se pela inserção mais ou menos regular no mercado de trabalho e pelo nível salarial.
Embora alguns possam trazer contestações à metodologia utilizada por Paul Singer, dificilmente chegaremos a outro resultado que não reconheça que hoje, no Brasil, o proletariado, num conceito amplo, abrange no mínimo 3/4 da nossa população.
É claro que esta massa não é homogênea, tendo várias camadas e frações, porém tem potencial de unificação enquanto projeto político para a sociedade. A mesma heterogeneidade se observa naquele 1/5 da população classificada como pequena burguesia. No seu caso, porém, ela não pode ser tratada como um todo numa análise do seu potencial de evolução política.
Uma vez traçado esse perfil da estrutura de classes no Brasil, cabe lembrar que o peso numérico de cada classe ou fração não se traduz, necessariamente, num correspondente grau de influência e poder político. Assim é que a burguesia brasileira, 3,4% da população, consegue dominar o conjunto da sociedade, econômica e politicamente.
Fizemos questão de ressaltar o quanto representa, proporcionalmente, o proletariado em nossa sociedade e as dificuldades a que está submetido para mostrar a dimensão do trabalho que está colocado para o PT e todos os demais partidos que se reivindicam socialistas e dos trabalhadores. O desafio é ainda maior quando sabemos da falta de tradição organizativa dos trabalhadores, o pequeno acúmulo de experiências a partir das lutas, a desinformação e a pouca implantação do partido.
A nosso ver, enfrentar esse desafio é a mais difícil tarefa. A construção do PT como um partido socialista, com um programa estratégico, enraizado junto à classe trabalhadora e dirigente das lutas sociais deve ser a nossa prioridade
Assim, o princípio maior que deve nortear a realização de alianças estratégicas e táticas pelo PT é o do respeito à sua independência política, ao seu programa voltado para a Construção de um Brasil socialista e, finalmente, respeito ao compromisso prático de avançarmos na superação das debilidades que comprometem o potencial de luta da classe trabalhadora brasileira.
Hoje, é sobretudo necessário atualizarmos o nosso programa partidário, entendido como um programa de longo prazo, que contemple as medidas básicas de transição para o socialismo a serem adotadas em uma situação de ruptura social e política. As indefinições no plano estratégico e a compreensão ainda limitada da realidade do país têm dificultado a identificação pelo PT dos possíveis aliados e mesmo a adoção de táticas mais adequadas a cada conjuntura.
O PT deve buscar um trabalho unitário com todos os partidos que se reivindiquem socialistas e da classe trabalhadora. Essa orientação é coerente com a nossa visão de que a tomada do poder e a construção do socialismo se dará num trabalho de cooperação de vários partidos e organizações da classe trabalhadora. Isto é mais verdade ainda num país como o Brasil, devido às suas dimensões e desigualdades regionais, de desenvolvimento político, cultural e econômico entre os vários segmentos do operariado, dos trabalhadores e de outros setores aliados.
Entendemos que as alianças estratégicas com a burguesia, mesmo com os seus setores que têm contradições secundárias com o capital monopolista, devem ser descartadas desde já pelo PT, dada a sua própria incompatibilidade com o nosso projeto e programa socialistas.
Ainda no que diz respeito às alianças estratégicas, precisamos desenvolver uma política que amplie a nossa influência sobre a pequena burguesia, buscando tirá-la da órbita da burguesia e promovendo uma aliança mais estável em tomo do nosso programa com setores dessa camada social em conflito com a burguesia. Os assalariados que pela sua qualificação, remuneração e situação social se equiparam à pequena burguesia, também devem ser considerados aliados do proletariado. O mesmo não ocorre com os setores assalariados ligados à burguesia, como os executivos e os altos burocratas do aparelho do Estado.
A perspectiva de alianças estratégicas com setores da pequena burguesia não pode priorizar a sua eventual representação partidária. Como sabemos, a pequena burguesia não tem condições de desenvolver um projeto próprio para a sociedade e sua representação partidária reflete essa sua instabilidade. Por isso entendemos que o correto é trazer esses setores para dentro do PT ou com eles nos relacionarmos no movimento social.
A nosso ver, o PT deve reunir prioritariamente na sua composição a classe operária rural e urbana, o subproletariado, a grande maioria pobre da pequena burguesia rural, setores empobrecidos da pequena burguesia urbana ligada à produção, comércio e autônomos e, finalmente, grande parte dos assalariados não proletários. Este é o grande arco dos "trabalhadores", envolvendo o proletariado e parte dos seus aliados. E aqui não devemos confundir o conteúdo classista do PT, dado pelo sua programa e sua direção política, com o estreitamento de sua base social. Devemos construir o PT como partido amplo, e trabalhar para que a hegemonia em termos de propostas e ideologia no partido seja da classe operária. Esta hegemonia só se consegue pelo crescimento político da classe operária e da sua capacidade de unificar este conjunto de forças sociais para derrotar a burguesia e seus aliados e construir o socialismo.
No campo das alianças táticas, cabe ao PT, neste momento, propor um elenco de medidas de curto e médio prazos, consubstanciado em uma plataforma ou programa de governo e que esteja afinado com o nosso programa socialista de longo prazo. Deve haver uma relação estreita entre ambos, visando o fortalecimento político e orgânico do partido, uma relação adequada com os movimentos sociais e a utilização de políticas de alianças que estejam subordinadas a essas prioridades.
A base social que definimos anteriormente, quando abordamos a questão das alianças estratégicas do PT, é o substrato para, no momento, estabelecermos a implantação da Frente Única Classista e a Frente Democrática Popular.
Para o PT, não há alianças estratégicas com a burguesia. Acreditamos que as alianças táticas para o atual momento que o país vive devem ser da mesma qualidade, feitas com o mesmo rigor das alianças estratégicas, como oposição à Nova República e às forças políticas da burguesia que a sustentam.
As eleições de 1988 fazem parte da tática do PT, quando deverá haver eleições presidenciais e municipais em dois turnos.
Nas eleições presidenciais devemos participar com candidato próprio - Lula presidente - e programa democrático popular, que contemple reivindicações econômicas e políticas globais e que aponte para o socialismo.
Os chamados candidatos progressistas da burguesia, Covas e Brizola, em termos de programa, não podem ultrapassar uma tentativa de democratizar o atual regime sem contudo ter a perspectiva de romper com o capital monopolista.
Dessa forma, se Lula não ficar entre os dois primeiros colocados, não teremos condições de fazer alianças no segundo turno, ou seja, não participaremos do Governo.
Diante desse quadro, é necessário:
1. Explicitar para o povo as diferenças do nosso programa.
2. Deixar claro nosso caráter de oposição ao futuro governo.
3. Sintetizar em um memorial as nossas reivindicações básicas de aplicação imediata.
4. Caso sejam aceitas, indicaremos o voto para o candidato mais progressista que concorde com as reivindicações contidas.
5. Caso contrário, indicaremos voto nulo ou abstenção.
No caso das eleições municipais, o quadro para estabelecer alianças é o mesmo da Frente Única Classista e Frente Democrática Popular. Caso o candidato do PT não seja o mais votado, devemos analisar entre os dois primeiros colocados qual está dentro dos critérios anteriormente estabelecidos para avaliarmos o grau do nosso apoio.
O IV Encontro Estadual de São Paulo aprovou proposta de uma "alternativa democrática e popular".
Ela é colocada como tática e estratégica. É tática como opção imediata à Nova República. E estratégica como alternativa global à dominação burguesa no país. Sua base social seriam trabalhadores assalariados em alianças de classes com as "camadas médias e pequena burguesia".
"A crise de transição conservadora é a crise específica de uma certa forma de dominação burguesa, e não a crise geral do Estado, uma crise de tipo revolucionário: o que está em questão é a conquista de um governo democrático e popular..." (Art. 23 das Resoluções do IV Encontro Estadual do PT de São Paulo).
"A alternativa (democrática e popular) que o PT deve apresentar não pode se limitar a uma alternativa à Nova República, ao contrário trata-se de uma alternativa estratégica à dominação burguesa nesse país..." (Art. 18 das Resoluções citadas).
Quais foram nossas divergências em relação a esses pontos?
Um momento refere-se à conquista do governo, o outro à tomada do poder. Ao nível tático está colocado para o PT disputar o governo central imediatamente. É claro que isto não implica o poder da sociedade capitalista. Mesmo que vencêssemos, o poder continuaria nas mãos da burguesia, através da propriedade dos bens de produção, exército, parlamento, judiciário, meios de comunicação, etc.
Para esse momento tático devemos apresentar uma plataforma de Governo Democrático Popular sob hegemonia dos trabalhadores. Articulem-se com tarefas democráticas e populares e anticapitalistas.
A expressão "sob a hegemonia dos trabalhadores" sinaliza o caráter de luta pelo socialismo deste governo e marca que, na sua base social, os trabalhadores assalariados prevalecem sobre os aliados pequeno-burgueses.
Ao nível estratégico, o desenvolvimento econômico e as contradições de classe no Brasil apontam não para uma etapa democrática e popular, onde se criariam as condições para as transformações socialistas. Apontam, sim, para uma ruptura que permita à classe trabalhadora chegar ao poder orientada por um Programa de Transição para o Socialismo.
Novamente, enquanto base social, é necessário contar com os segmentos pequeno-burgueses.
O que não se pode é colocar a influência dos trabalhadores e da pequena burguesia como que equilibrados em pratos de uma balança. A utilização da pequena produção, na construção do socialismo, como forma complementar de desenvolvimento das forças produtivas, suplementando a capacidade produtiva do Estado, pode estar na base dessa visão "democrática e popular" de construir o socialismo.
Não há dúvida de que, como forma subordinada, a produção mercantil simples pode ser utilizada. Porém o mercado não pode ser o instrumento mais importante de combater a paralisia burocrática do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção socialistas.
A principal forma de evitar esta paralisia é a mobilização política, para através de Conselhos Operários e Conselhos Populares impulsionar a produção, as relações sociais socialistas e controlar o Estado socialista.
Eduardo Jorge é deputado federal do PT.