Os abusos sistemáticos cometidos pela polícia contra a população são, hoje, um dos principais problemas a ser enfrentados no país em relação aos direitos humanos. A tortura utilizada como “método” de investigação, o encarceramento massivo de pessoas – o Brasil está na quarta posição mundial, com mais de 520 mil pessoas em situação de privação de liberdade – e sobretudo as execuções cometidas por agentes do Estado configuram um quadro gravíssimo no que se refere à segurança pública e garantia de direitos básicos da população.
As execuções sumárias por parte de policiais militares ou grupos de extermínio são, sem dúvida, o aspecto mais crítico. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a polícia brasileira está entre as que mais matam no mundo. Segundo o 5º Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, entre 1993 e 2011 ao menos 22,5 mil pessoas foram mortas em confronto com as polícias paulista e carioca. Uma média de 1.185 por ano, ou três ao dia. O número inclui apenas os casos registrados como “auto de resistência”, aqueles nos quais o policial alega ter atirado em legítima defesa. Entre 1980 e 2010, 1.098.675 brasileiros foram assassinados. O país convive com cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas é jovem, pobre, do sexo masculino e sobretudo negra. Desse volume, apenas 8%, em média, são investigados com sucesso, segundo o Mapa da Violência, organizado pelo professor Julio Waiselfisz, publicado em 2012.
Em meio às violências cometidas pela Polícia Militar no país, um debate que vem se fortalecendo na sociedade é a desmilitarização das polícias no Brasil. O cenário de violência tem chamado atenção de órgãos de direitos humanos internacionais. Em maio de 2012, a Dinamarca chegou a recomendar, na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que o Brasil extinguisse a PM. A temática também rendeu citação do Brasil em um levantamento feito pela Anistia Internacional. De acordo com a organização de direitos humanos, 80% dos brasileiros temem sofrer torturas caso sejam detidos, dado alarmante que aponta para uma desconfiança da sociedade acerca da polícia.
Uma das soluções apresentadas para reduzir a violência policial seria a unificação das Polícias Civil e Militar. A separação dessas forças e suas funções, porém, está prevista no Art. 144 da Constituição Federal. A proposta de desmilitarização consiste na mudança da Constituição, por meio de emenda constitucional, de forma que ambas constituam um único grupo policial e que todo ele tenha uma formação civil. A PM é força auxiliar do Exército, por isso é militar.
Uma das maiores críticas à militarização da polícia é em relação ao comportamento dos agentes do Estado, proveniente de uma mentalidade que enxerga o civil como um inimigo da sociedade e de um treinamento de combate a um inimigo externo. Unificar as duas polícias, acreditam defensores de direitos humanos, aumentaria a coordenação e eficiência na solução de crimes. Além disso, daria recursos extras para uma inteligência integrada, devido ao corte de despesas com a manutenção de duas estruturas.
A ideia da desmilitarização é defendida, inclusive, por parte dos policiais militares que são praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes), que compõem o grosso da tropas. Já os oficiais pensam o contrário.
Uma iniciativa importante para transformar o aparato policial no Brasil é a Proposta de Emenda Constitucional 51, que visa alterar a configuração atual das polícias e prevê a desvinculação entre a polícia e as Forças Armadas; a efetivação da carreira única (ciclo completo), com a integração entre delegados, agentes, polícia ostensiva, preventiva e investigativa; e a criação de um projeto único de polícia. A carreira única não significa, no entanto, a unificação das atividades policiais (ostensiva e investigativa), mas sim a construção de um novo modelo de polícia. A PEC 51 ainda insiste na busca por maior transparência e valorização dos policiais, pondo fim aos salários e planos de carreira diferentes que hoje separam policiais civis e militares. O projeto é de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) — pré-candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro — e contou com o auxílio do antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública.
Embora a desmilitarização não seja a única saída para o problema da segurança pública no Brasil, ela é, sim, fundamental e deve ser exigida. Com o fim da PM, podemos dar um importante passo rumo a uma política de segurança pública democrática e respeitadora dos direitos humanos.
Adriano Diogo é deputado estadual (PT), presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" e da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Alesp