EM DEBATE

O Partido dos Trabalhadores sai das eleições como o grande vitorioso, apesar de ter vivido no ano anterior a maior crise de sua história, e realiza em 2007 o seu III Congresso. Teoria e Debate entrevistou lideranças, antecipando questões polêmicas que estarão nos fóruns que antecederão o evento partidário. Questionamos em que medida o resultado das urnas ajuda na superação da crise e o que é prioritário tratar no Congresso e ouvimos opiniões sobre critérios para composição da direção partidária no que se refere à representatividade, profissionalização e diversidade regional.

As três crises

O clamor da base

Fim à burocratização

À altura da base

O partido do governo

Partido e governo são indissociáveis

E o socialismo?

Partido de massas e estrutura de quadros

As três crises

O PT, em seus 26 anos, passou por três crises. A primeira foi no período de sua viabilização enquanto partido, com toda a sua saudável diversidade interna; a segunda, no processo de implantação da estratégia de formação do bloco democrático e popular, tendo em vista os processos eleitorais; e, a terceira, a experiência de governo no âmbito federal.

A superação dessas crises foi o que nos levou à condição de principal partido do Brasil. Basta ver pela nossa trajetória. O PT se consolida como ferramenta política para milhares de militantes que dedicam a vida às lutas sociais, enraizando, cada vez mais, nosso partido nos corações e mentes de milhões de brasileiros. A expressão disso está na votação que obtivemos agora, com a reeleição do presidente da República e uma expressiva bancada de parlamentares eleitos.

Esta terceira crise é conseqüência da confusão entre o papel do governo e o papel do partido. Explica-se, também, pelo deslumbramento de alguns menos avisados, o que resvala em comportamento não muito republicano misturado com arrogância, nem sempre digno de quem pensa em ter uma sociedade justa, fraterna e solidária.

A vitória eleitoral contribui para que a crise seja superada a partir de um intenso debate interno em que denunciados por supostos problemas de conduta ética tenham assegurado amplo direito de defesa. Uma vez caracterizado e comprovado eventual desvio ético, a punição se coloca inevitável.

Reais mudanças

O III Congresso deve, primeiro, propor uma política estratégica ao governo que represente os anseios de reais mudanças na sociedade, como a taxação das grandes fortunas para que a diferença entre ricos e pobres não seja tão desproporcional; mudança na estrutura agrária mexendo para valer no latifúndio; a efetiva democratização e descentralização dos meios de comunicação. No plano da política partidária, abrir o debate sobre questões organizacionais, definição de regras da atuação de nossos militantes, parlamentares e dirigentes, para que erros cometidos por pessoas com responsabilidades políticas não afetem o conjunto do nosso partido; e, por último, apontar para uma nova direção que dê conta das tarefas e desafios para o próximo período.

Falsa acusação

A acusação de que o PT é paulista é falsa. O PT precisa incorporar novas lideranças que estão surgindo no movimento social, na bancada de parlamentares, prefeitos e governadores em todas as regiões do país. Dessa forma, afirmamos o caráter nacional de nossa legenda. A profissionalização, ou não, do dirigente deve ser decidida a partir de critérios e necessidades do partido. O fundamental é que sejam pessoas capazes, com responsabilidade, respeitabilidade, representatividade na sociedade, no movimento social e no partido. Se a organização em tendências é satisfatória ou não, é a que temos. Não acredito em soluções mágicas. Penso que devemos incorporar novos atores em nosso funcionamento orgânico, envolvendo as bancadas, os governadores, ministros, secretários, prefeitos, lideranças do movimento social, intelectuais, de maneira que seja um retrato da realidade do partido.

Jilmar Tatto, deputado federal eleito (PT-SP)

O clamor da base

É inegável que o PT saiu vitorioso das urnas. Foi o partido mais votado do país, sem falar dos cinco governadores que elegeu, de tantos outros que ajudou a eleger e da vitória consagradora do companheiro Lula. Nunca será demais ressaltar – sem triunfalismo, mas com que orgulho! – que o PT derrotou a poderosa coalizão político-empresarial que tentou destruí-lo. E, sobretudo, revelou-se um partido com profundas raízes na sociedade brasileira. Mas isso não significa que já tenha superado a crise. Pensando na esplêndida mobilização popular do segundo turno, eu diria que temos hoje condições muito mais favoráveis para enfrentar e superar nossa crise.

“PT ampliado”

O PT precisa passar por uma radical reestruturação política e organizativa. Esse é o clamor da base militante e de nossa base social mais ampla, que demonstraram extraordinária capacidade de discernimento histórico e comovedora fidelidade aos ideais da esquerda democrática. Trata-se de promover, rumo ao III Congresso, não só no interior do PT, mas também no que poderíamos chamar de “PT ampliado”, um vasto debate nacional sobre: atualização do projeto político, formas criativas de sustentar o governo Lula, métodos democráticos de direção, fortalecimento da organização de base, código de ética, comunicação interna, formação cultural e política, finanças, relação com os movimentos sociais, com a intelectualidade, com a juventude. Aquela tremenda emulação ética, político-ideológica e militante do segundo turno pode e deve servir de referência para a construção de uma nova vida partidária.

Democratizar o poder

A profunda reforma é necessária não só em São Paulo, mas em todas as regiões do país. O PT se tornou de fato um partido nacional, com força popular e lideranças qualificadas no Brasil inteiro, e a direção precisa expressar essa nova realidade partidária. Trata-se de democratizar o poder no partido, e devemos fazê-lo pelo positivo, não pelo avesso. Nossas direções, tanto quanto possível, devem contar com lideranças das várias frentes de atuação do PT: sindicalistas, ativistas do movimento popular, intelectuais, parlamentares, prefeitos, governadores, feministas, do movimento negro etc. Quanto à profissionalização, pondero apenas que devemos evitar as (falsas) soluções demagógicas. Há funções dirigentes que exigem, sim, dedicação integral e profissionalismo, logo devem ser remuneradas. Em outros casos, a profissionalização será, quem sabe, desnecessária ou até desaconselhável, para que o dirigente não perca o vínculo cotidiano com seu movimento de origem.

Luiz Dulci, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República

Fim à burocratização

O resultado eleitoral revelou que o partido tem raízes muito profundas na luta do povo brasileiro. A autenticidade da representação que o PT construiu foi a principal responsável por esse resultado e por termos conseguido atravessar a crise no último período. Grande parte dele é a tradução dos acertos do governo Lula, de suas políticas sociais, e de sua identidade com a maioria do povo brasileiro. O partido não deve considerar que as eleições o absolveram dos erros que cometeu. Elas homenagearam suas virtudes, o compromisso com os excluídos e com a justiça social, e também seus acertos nos governos que exerceu. O resultado mostra que o país precisa do PT.

Vida real

O PT deve enfrentar o desafio de recuperar os valores incorporados ao longo de sua trajetória, atualizar sua organização e encarar os erros. O III Congresso deverá entender o que propiciou tais equívocos. Fazer uma profunda reflexão sobre nossa forma de organização e a burocratização do partido. Precisamos construir um novo modelo, mais descentralizado, com participação mais ativa das lideranças que têm vida real na sociedade, relação direta com os movimentos e a opinião pública, voto popular e base eleitoral. Essas pessoas precisam estar representadas na estrutura partidária, ter suas opiniões ouvidas, sua experiência levada em consideração.

Direção burocratizada

Dirigentes longe da base, engolidos pelas tarefas do cotidiano, tendem a construir uma direção burocratizada. A solução é não abrir mão do vínculo com suas organizações de base e com os movimentos. O PT fez a opção pela democracia, não é um partido leninista, e se afirmou como de massas. Combater um partido burocratizado é meter o dedo na ferida da profissionalização. A alternativa é um partido de massas que tenha parlamentares, governadores, prefeitos, lideranças populares, sindicais, no centro de suas instâncias de deliberação.

PT paulista

Não se trata de uma disputa de regiões, o problema é que o centro político do partido é São Paulo. Às vezes uma crise do núcleo da Praça da Árvore, em São Paulo, produz um documento que vira instrumento de intervenção no Encontro Estadual e depois se transforma na tese-guia do Encontro Nacional. As disputas paulistas terminam pautando o debate nacional. São Paulo tem enormes virtudes e será sempre considerado. Mas precisamos nacionalizar a matriz política de formulação e construção partidária. Novas vozes, práticas e reflexões contribuirão para que o partido fale mais para o Brasil e pelo Brasil.

Tendência é necessidade

A estruturação interna via tendências não é a formatação ideal. As tendências são o único espaço de militância de quem deseja influir no PT. Deixou de ser opção para ser necessidade, organismo básico. Milito no Campo Majoritário e muitas vezes tenho divergências, mas preciso me alinhar para travar a disputa, ter espaço, influenciar no rumo do partido. Essa forma cristaliza vícios, estimula a luta interna fratricida e não dá condições para enfrentar os desafios. O direito de expressar opiniões, de organização dos militantes, de disputar direção, elaborar e defender propostas é sagrado. É um patrimônio da democracia interna que não pode ser confundido com a forma de organização em tendência. Precisamos encontrar uma fórmula que, em vez de criar lealdade à tendência, garanta fidelidade ao projeto estratégico do PT.

Marcelo Deda, governador eleito de Sergipe

À altura da base

As urnas confirmaram que a história do partido e sua base social permanecem como um patrimônio do PT. Mostraram que temos plenas condições de enfrentar este momento de crise avançando na democracia interna, fortalecendo as instâncias partidárias, renovando quadros com a tarefa de recuperar para o PT a capacidade de protagonizar um movimento de caráter político, ideológico, teórico de reafirmação da esquerda no Brasil.

O projeto que representa o PT não está superado. Nestas eleições houve uma mudança na base social eleitoral do PT. Precisamos estar à altura dessa base. Tivemos importante presença em setores mais atingidos pela desigualdade e pela exclusão. As políticas desenvolvidas pelo governo Lula tiveram um efeito real sobre a população historicamente mais vulnerável. O papel do PT é trabalhar pela organização desse setor, apoiando os movimentos sociais. Deve recuperar e fortalecer sua relação com esses movimentos e contribuir para que se organizem e sejam agentes da vida política do país.

O III Congresso do partido será o momento em que o PT deve avançar, frente ao desafio de governar o Brasil, mantendo sua história e sua presença nas lutas populares e levando esta nação a um caminho de maior autonomia, independência e superação das desigualdades.

Representação nacional

Em debate tão complexo como este, qualquer reducionismo é equivocado. Há a necessidade de que o partido como um todo esteja representado em sua instância dirigente. Defendo um partido que represente a nação brasileira. O PT de São Paulo precisa passar por mudanças, mas isso também é verdade para a legenda em outros estados, onde temos tido perdas eleitorais e políticas.

Mandato legítimo

O PT nasceu na luta social e não podemos desconhecer que a história de vários dirigentes está vinculada a mandatos, não no Parlamento ou no Executivo, mas no sindicato e nos movimentos sociais e populares. A direção do PT foi eleita em processos democráticos, seus integrantes estão mandatados para tal exercício. Seria um equívoco não reconhecermos o mandato dos dirigentes que foram eleitos no PED.

Partido plural

As tendências cumprem um importante papel, fazem parte da marca de um partido plural, que tem democracia interna e debate permanente. No entanto, não é dado o direito a nenhuma delas de avaliar-se como mais importante que o partido e suas instâncias. Temos de trabalhar a não absolutização desse critério de tendências, nos organizarmos livremente nas tendências, abrindo-as para o diálogo entre si, e fazer das instâncias do partido, desde a Executiva Nacional, o lugar em que as posições formulem, façam um encontro de posicionamento e trabalhem não apenas suas discordâncias, mas principalmente pelo que pode nos unificar e ser melhor para o partido.

Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS)

O partido do governo

Antes de tudo, resultado eleitoral é uma vitória política do povo brasileiro, que manifestou sua aprovação a um governo que soube aplicar uma política econômica responsável e, ao mesmo tempo, combater a exclusão social. É também uma vitória da militância do PT e dos movimentos sociais que saíram em defesa do presidente Lula e das conquistas que ele encarna. Mas esse resultado não pode ser entendido como absolvição de graves erros políticos do PT. Ao contrário, o ensinamento que devemos tirar é de que o PT precisa de uma profunda mudança, política e organizativa, para estar à altura do papel ativo que deve exercer como partido de governo.

Novas exigências

Em 2007 o partido fará 27 anos. Nesse período, tornou-se um dos principais partidos brasileiros, elegeu e reelegeu, junto com outras forças políticas e sociais, o presidente da República, implantou-se e está presente em todas as regiões do país. O Brasil e o mundo mudaram muito nesse período, e o partido também. A mudança de oposição a governo trouxe novas exigências e necessidade de amadurecimento. Aí está o grande desafio: a compreensão plena de que, sendo governo, temos a possibilidade de protagonizar grandes mudanças, que já começaram no primeiro mandato e vão se estender e aprofundar no segundo. Para que essas mudanças continuem, são necessários capacidade e desprendimento para fazer parte de um governo de alianças e foco na definição de prioridades com relação a políticas e projetos. Guardada sua autonomia, o PT deve exercer seu papel de partido do presidente, a quem dá sustentação e apoio para o exercício das políticas de governo. A partir dessa discussão de fundo temos várias questões a debater, com destaque para a reorganização partidária, e também a relação com os movimentos populares, a incorporação à militância de tantos jovens que se aproximaram do partido no último período.

Reequilíbrio interno

A ampla mudança organizativa não diz respeito apenas a um eventual reequilíbrio na representação de correntes, personalidades e regiões. Naturalmente, o crescimento orgânico e político do PT, sua forte presença em regiões onde há dez anos era pouco expressivo, vai se refletir em sua reorganização e na composição de sua direção. Mas é falsa a proposição de que isso corresponda a uma “despaulistização”, como se São Paulo constituísse uma força antagônica à reorganização do PT. Pela história política, pelos quadros e em razão da grande implantação no estado, São Paulo continuará a ter um papel de relevância no partido e em sua direção.

A direção deve estar apoiada no papel e tarefas que o partido vai desenvolver no próximo período. Também deverá refletir sua dimensão nacional e a liderança que é exercida, nas diferentes regiões, por quadros do PT. Companheiros com liderança popular e voto devem assumir responsabilidades de direção. Isso não significa que possa prescindir de quadros profissionalizados.

Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo

Partido e governo são indissociáveis

O saldo destas eleições foi positivo, principalmente no segundo turno, quando se recuperaram o programa e a identidade política do PT. No Rio Grande do Sul isso foi importante para reconquistar a militância, porque antes, em meio ao massacre sofrido com o caso do dossiê, era impossível ter alguma audiência na opinião pública. Então, o futuro do PT está vinculado à capacidade de o governo reaver sua identidade programática. Partido e governo são indissociáveis − se o governo recuperar essa identidade, o partido se recompõe mais facilmente e sai da crise iniciada em 2005.

Função do partido

Ficamos devendo, no primeiro mandato, a democratização do Estado, com mecanismos de participação popular mais efetivos nas esferas de governo. Ficamos subordinados ao jogo congressual. Além da democratização, precisamos que o governo encaminhe uma reforma política.

Estas eleições mostraram que é insustentável manter um sistema eleitoral antidemocrático e cheio de mecanismos de incentivo à corrupção.

O outro eixo é o governo manter e ampliar as políticas que afetam diretamente as condições de vida das pessoas. Temos de distribuir a renda de outra forma, aumentar o salário mínimo muito mais do que a inflação, ter políticas de diminuição da jornada de trabalho.

O partido tem de ser o emulador. Se não cumprir a tarefa clássica, que não é só escolher e eleger o candidato, é fiscalizá-lo, mantê-lo na coerência de um programa, não está desempenhando sua função. O partido deve dar o sentido à ação governamental, sabendo que o governo tem sua autonomia, que terá de fazer composições, mas estas não podem ser de subordinação exclusiva.

Problema não é regionalizado

O termo “despaulistização” é destituído de conteúdo porque a corrente que era majoritária no partido era nacional. Sustentava-se não só em São Paulo. Tinha votos de todos os cantos. Nosso problema não é regionalizado. É de orientação política. Somos, além de republicanos, socialistas e precisamos estabelecer outra relação do partido, da sociedade, com o Estado.

Não concordo com uma visão subordinada ao Parlamento. Claro que corremos riscos de criar uma estrutura burocratizada com funcionários de tempo integral, mas os riscos são muito maiores se a vincularmos exclusivamente aos mandatos. Pela necessidade de acompanhar o dia-a-dia de 1 milhão de filiados nas 27 unidades federativas, a direção tem de ter dedicação exclusiva, mesclando alguns dirigentes com menor disponibilidade. Vivo essa situação − sou deputado e secretário-geral Nacional − e estou convencido de que as duas coisas juntas são incompatíveis.

Direito de tendência

A democracia que construímos é singular na história da esquerda e a grande virtude que nos manteve unidos é o direito de tendência. É o que garante a democracia interna, é o que impede a burocratização do debate, o controle monolítico de uma direção.

Tendência é corrente de opinião, programática, não é coletivo de mandato, não é estrutura para disputar cargos. A corrente tem de se justificar programaticamente, para que se possa avançar no debate e enfrentar os novos desafios.

Raul Pont, deputado estadual (PT-RS)

E o socialismo?

Houve grande movimentação da direita orquestrada pela maioria dos meios de comunicação de fazer uma incriminação em abstrato do petismo, tentando destruir a experiência do PT. Essa incriminação não teve sucesso porque a população soube separar o que foi erro ou equívocos de pessoas ou grupos do PT como instituição política, com compromisso programático, que tem uma grande responsabilidade com a luta democrática e a transformação do Brasil. Portanto, a principal ofensiva da direita falhou. Fomos vitoriosos eleitoralmente, e também com relação ao futuro do PT.

Revisão profunda

O partido tem de fazer uma revisão profunda em sua cultura política e verificar as condições que possibilitaram que surgissem erros políticos e também condutas não compatíveis com a visão republicana. Não podemos assumir a visão de que o PT era o repositório da moral pública e se deformou, nem cair na posição equivocada de que vamos ser o repositório da moral pública. As organizações políticas reproduzem com maior ou menor intensidade em seu meio o que existe fora, na sociedade. Precisamos criar instituições internas sólidas e métodos de direção adequados, revolucionando nossa cultura política, para que comportamentos equivocados sejam residuais. Toda a crítica que foi feita ao partido, à conduta de nossos dirigentes, veio daqueles que patrocinaram historicamente as deformações do Estado e inclusive a corrupção sistêmica no país. É verdade que devemos fazer uma autocrítica e reformar nossa cultura política, mas não temos de conferir qualificação de reformadores do Brasil a essas pessoas.

Aparelhos internos

São Paulo tem papel fundamental na construção do PT, mas não podemos deixar de federalizar o poder, que está excessivamente centrado no estado, que teve mais peso na origem do grupo dirigente em função de sua força econômica e política. Hoje o partido é muito maior que a força política de um estado só. Em momentos de crise sempre vêm propostas um pouco mais radicais. É importante termos na direção pessoas com proeminência pública, pois elas têm mais acesso à formação de opinião. Precisamos ter um aparato burocrático que se renove sempre, ter mecanismos legais que não permitam a formação de aparelhos internos. A direção tem de representar todos os grupos que dão vida ao partido.

Deformação

A organização em tendências, que já foi um aspecto positivo, agora é deformação. As tendências estão se tornando gradativamente estruturas orgânicas internas que defendem determinados pontos de vista. Impõem um certo obstáculo à democracia interna. Se a pessoa não é de tendência tem pouca força para operar suas opiniões. É preciso procurar amenizar isso, mas sem demonizar as tendências. Uma etapa posterior a esse processo seria criarmos um conjunto de movimentos horizontais que cruzassem as várias tendências e dissolvessem as barreiras entre elas para que a circulação do debate teórico-político fosse mais arejada. Há quanto tempo não se discute socialismo no partido? Não se discute porque para algumas tendências essa discussão não interessa, pois a consideram superada, e outras não se interessam porque pensam já ter o socialismo elaborado e pretendem legitimá-lo (consensualmente) seja por meio do debate, seja por meio do aparelho.

A questão do socialismo para mim é chave, tem de fazer parte da discussão estratégica, já que carecemos hoje de paradigmas e não temos respostas suficientes. É uma questão internacional para a esquerda.

Tarso Genro, ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Partido de massas e estrutura de quadros

O resultado das eleições permite ao PT superar sua crise, mas em si não a supera. Ele mostra que o partido tem energias sociais e militantes para derrotar a direita e aqueles setores que, em seu interior, defendiam uma política de conciliação. Se vai ou não superá-la é outra discussão. A crise tem uma dimensão material e outra subjetiva. A material é o processo de desorganização a que a classe trabalhadora brasileira foi submetida nos últimos 25 anos. A subjetiva é o processo de cooptação pelas práticas da política tradicional burguesa. Uma parcela grande dos quadros do partido viu sua vida melhorar, sendo incorporada às práticas do Estado burguês como parlamentares, assessores, governantes.

Outra dimensão da crise é o enfraquecimento de seu projeto de longo prazo. Isso fez com que o PT acabasse se transformando, parcialmente, de partido político em legenda eleitoral, de partido socialista em partido melhorista, de partido militante e de massas em instrumento de ascensão de grupos e pessoas. A solução depende de reativar, não só no PT, mas na sociedade, o debate sobre alternativas ao capitalismo.

Ajuste de contas.

Abriu-se de novo a possibilidade de um ciclo desenvolvimentista de caráter democrático e popular e, a depender da força da classe trabalhadora, articulado com um horizonte socialista. A grande tarefa é definir que papel o PT vai cumprir. Para isso, ele precisa fazer um ajuste de contas. O III Congresso tem de reafirmar sua tradição de esquerda e rejeitar toda uma série de comportamentos mandonistas, clientelistas, de corrupção, de tráfico de influência, de subestimação da teoria, que se fizeram muito fortes no último período. E reafirmar a vocação de um partido de massas, que dialoga com o conjunto da sociedade não só nos períodos eleitorais; a vocação militante, ou seja, não é um partido de uma pequena cúpula, mas que envolve em debates e deliberações até centenas de milhares de pessoas. Ele tem de ter estrutura de educação política, comunicação, mecanismos de controle da direção pelas bases; tem de enfrentar uma série de fenômenos que o afetaram, como a autonomização da cúpula ou dos eleitos em relação à base, sua transformação em escada para projetos pessoais. Ele tem de reafirmar a vocação de partido disposto a governar o país. E cabe ao III Congresso construir uma estratégia que articule o muito que conseguimos – somos um dos poucos países que têm uma esquerda com a nossa força – com o objetivo de construir uma sociedade socialista.

Todos os sotaques

É pouco sério achar que o problema do PT são os paulistas. Quem fala isso está reclamando dos “seus” paulistas, dos membros da sua tendência, e realmente no campo majoritário sempre houve uma hegemonia muito grande dos paulistas. Mas os problemas vividos pelo PT no último período devem ser debitados na conta de uma política hegemônica desde 1995 até há pouco, e se não tivermos claro que era uma política nacional vamos demonizar um grupo e não vamos enfrentar o problema. Prova disso é que, dos envolvidos nas crises, há paulistas, cariocas, catarinenses, cearenses, goianos, brasileiros de todos os sotaques.

Partido e Estado

A direção tem de ser composta por quem a base partidária eleger, simplesmente. Precisamos garantir mecanismos que permitam que a vida partidária seja exercida plenamente por todos os militantes; ter um jornal semanal; voltar a ter escola de quadros; uma corregedoria que investigue casos de enriquecimento, tráfico de influência. Há de haver mecanismos que impeçam a criação de dirigentes vitalícios – isso também nos sindicatos, nos governos e no Parlamento: número máximo de mandatos, fim da reeleição de executivos, porque há uma tendência à oligarquização das direções, o que independe de o sujeito ser ou não profissionalizado.

Não há como construir um partido de massas sem uma estrutura de quadros profissionalizados. A questão é como impedir que a direção se autonomize, que ela mande na base ao invés de ser sua delegada. Como impedir o assessor contratado de ter muito mais poder do que o dirigente eleito? A maneira como está posta essa discussão é equivocada. Ela parte de uma contraposição falsa entre o partido de quadros profissionalizados versus o partido de eleitos pelo povo. Se o PT viesse a ser dirigido por pessoas que recebem votos nas urnas, ele optaria por uma política que já não deu certo. No PT não deu certo porque, nos últimos anos, grande parte das direções foi loteada por quadros que ocupavam postos em governos e por parlamentares. Dois protagonistas das crises que vivemos recentemente – Palocci e José Dirceu – foram eleitos com muitos votos. Conceitualmente é errado porque transforma a disputa do aparelho do Estado em via de acesso à direção do partido. É semelhante ao que condenamos no socialismo real, a confusão entre partido e Estado. Não dá para ter partido de massas sem uma estrutura de quadros. Vamos discutir como essa estrutura deve funcionar para ser controlada pela base, mas não vamos acabar com ela, porque se acabar com ela acaba com o partido.

Valter Pomar, secretário Nacional de Relações Internacionais do PT

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