Nosso programa de governo deve ter caráter democrático e popular. Deve conter medidas voltadas para a retomada do crescimento econômico com distribuição de renda, combate ao apartheid social, uma atitude soberana no cenário mundial, democratização econômica, política, social e cultural do país.
Um programa deste tipo expressa os interesses da maioria da população brasileira: os trabalhadores assalariados do campo e da cidade, os pequenos produtores, os setores médios inclusive pequenos e médios empresários - e os milhões de marginalizados.
Do ponto de vista político, um programa democrático e popular contém as reformas estruturais que os progressistas, os defensores de uma real soberania nacional, os verdadeiros democratas, os socialistas, apresentam como solução para a crise brasileira.
Naturalmente, ele não deve ser concebido como um programa de governo tradicional, que estabelece apenas as metas político-administrativas projetadas para o período do mandato.
Ele deve, também, indicar com clareza o objetivo estratégico de nosso governo: governar para as maiorias, acumulando forças para a construção de um Brasil radicalmente diferente do atual, socialista e democrático.
É por isso que não devemos esperar nenhum tipo de "trégua" por parte das forças políticas e sociais vinculadas ao latifúndio, aos monopólios, ao imperialismo e, de uma maneira geral, ao capitalismo. Estas forças, interessadas na preservação do atual modelo econômico e social e comprometidas com a manutenção do capitalismo, combaterão duramente nosso governo, em todos os terrenos.
Não tenhamos dúvidas: as elites atacarão nosso governo não tanto pelas medidas concretas que adotaremos mas, sobretudo, por nossos objetivos estratégicos. A minoria privilegiada não faz as diferenciações teóricas que certa esquerda aprecia: para as elites, reforma agrária, distribuição de renda, garantia de direitos sociais, democratização dos meios de comunicação, combate ao apartheid social, é tudo a mesma coisa: "socialismo".
Nós sabemos que socialismo não "é" isso. Sabemos que em outros países e em outras épocas históricas, medidas semelhantes foram adotadas por governos ligados à própria burguesia. Mas, nas condições históricas do Brasil, só um governo hegemonizado por um partido socialista pode levar a cabo as reformas estruturais de cunho democrático e popular. E, do mesmo modo, a luta pelas reformas estruturais abre caminho para a construção do socialismo.
Assim, se por "medidas socialistas" entende-se estatização dos meios de produção e desapropriação da grande burguesia, só poderíamos responder que "nosso programa não contém tais medidas". Da mesma forma, se por trás da inclusão de "medidas socialistas" no programa sugere-se que nosso governo deva dar início à construção do socialismo no Brasil, não é essa a nossa proposta. Contudo, se superarmos estas concepções ultrapassadas de socialismo, se rejeitarmos a divisão arbitrária, a-histórica, etapista, entre a nossa alternativa estratégica democrática e popular e a luta pelo socialismo, poderemos dizer que o programa contém as medidas que os socialistas propõem para superar a crise brasileira.
A prioridade política e social de nosso governo é manter e ampliar o apoio dos trabalhadores e dos milhões de marginalizados; fazer isso ganhando o suporte dos setores médios, inclusive pequenos e médios empresários; e neutralizar e derrotar os grupos hegemônicos no empresariado, ou seja, seu setor monopolista e financeiro.
De acordo com esta orientação, se eleito presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva deverá se pautar por uma relação transparente com o empresariado: para que a maioria dos brasileiros possa viver dignamente, os grandes empresários devem perder riqueza e poder.
No governo Lula, os capitalistas continuarão existindo e lucrando. Porém, a prioridade do governo não será o lucro da minoria, mas a elevação das condições de trabalho e de vida da maioria. Por isso, os exportadores, o capital financeiro, os monopólios e as empreiteiras cederão espaço, nas políticas de governo, para o incentivo à produção de bens de consumo, para o combate à fome, ao desemprego e à falta de habitação.
Na prática, nosso governo deverá privilegiar o apoio aos pequenos e médios empresários, aos pequenos produtores rurais, e aos setores do empresariado vinculados àquelas metas, lutando contra a especulação financeira, privilegiando os investimentos produtivos e combatendo a supremacia dos monopólios.
Os demais setores do empresariado merecerão tratamento correto, transparente e pautado pelas leis do mercado.
Mais importante do que discutir "com quem" faremos alianças, é definir em torno de que objetivos elas serão feitas. Nossa posição é clara: propomos alianças em torno do programa democrático e popular.
Também é importante esclarecer que não limitamos nossa política de alianças aos partidos. É imprescindível ir além, englobando no bloco democrático e popular, de maneira formal ou informal, o movimento sindical, as entidades estudantis, os movimentos pela saúde, educação, habitação, terra, direitos humanos, democratização da comunicação etc.
Para os partidos vale o mesmo critério: no primeiro turno, as alianças se darão em torno do programa.
Compreendemos que só com unidade e luta se constrói uma política de alianças efetiva. Por isso devemos estabelecer um diálogo crítico com nossos potenciais aliados, particularmente com aqueles partidos que nos apoiaram no primeiro turno das eleições de 89, com o PPS, com o PV, com os setores progressistas do PSDB e, inclusive, com parcelas do PMDB e do PDT.
Hegemonizado pelo pensamento neoliberal, aproximando-se do fisiologismo e servindo de cobertura, em vários estados, para os setores conservadores, o PSDB vem tentando se constituir em chefe da "terceira via". Uma aliança com os tucanos supõe, portanto, uma radical mudança na sua conduta atual.
Aliás, a maior parte de nossos potenciais aliados - com exceção do PC e do PSTU - integram o governo Itamar, ao qual nos opomos. Por isso, o PT deve fazer gestões para que o PC do B, o PPS, o PSB e o PSDB rompam com o governo.
No caso do PDT, o controle imposto por Leonel Brizola e suas pretensões presidenciais praticamente inviabilizam uma aliança no primeiro turno. Entretanto, no segundo turno, deve-se ter em mente a necessidade de atrair este partido, como ocorreu em 1989.
As eleições de 1994 serão casadas: presidente, governadores, deputados e senadores. Por isso, a política de alianças no primeiro turno deverá ser obrigatoriamente nacional. Ou seja: definiremos nacionalmente quem o PT considera seus aliados. Isso não quer dizer que, nos estados, o PT deva obrigatoriamente aliar-se com aqueles que, nacionalmente, são considerados aliados. Isso dependerá das negociações, das condições, dos candidatos postos etc.
O PT nacional deve acompanhar as negociações desenvolvidas nos estados, a quem caberá a decisão, garantindo que prevaleçam os interesses nacionais do partido. É bom lembrar que construir alianças é um dos nossos objetivos, mas não o único.
Agindo assim, evitaremos vários erros como, por exemplo, o de realizar alianças estaduais com partidos que estão fora de nosso arco de aliados (como ocorreu em vários municípios de Goiás, onde o PT local fez alianças com o PFL). Ou o de recusar, de pronto, por sectarismo, alianças estaduais com partidos que fazem parte de nosso leque de alianças.
Em qualquer hipótese, contudo, o que deve prevalecer é a democracia. Quando os estados adotarem políticas que estejam em choque com os interesses nacionais do PT, caberá à direção nacional convencer a militância local, através do debate político, a mudar de posição. No PT não cabem atitudes autoritárias, burocráticas, centralistas. Até porque é a militância que carrega nossas bandeiras e nossa estrela.
Rui Falcão é deputado estadual PT/SP e membro da Executiva Nacional.