EM DEBATE

Embora sejam a maioria do eleitorado, 52,49%, as mulheres são apenas 15% parlamento federal. Neste 2022, é fundamental a construção de candidaturas de petistas tão necessárias para alterar a situação de vida das mulheres trabalhadoras brasileiras e que fortaleçam o projeto que mais fez políticas públicas para as mulheres

O que é necessário mudar para avançarmos?

Por um mundo livre do machismo, do racismo e do capitalismo

O que é necessário mudar para avançarmos?

Quando Olympe de Gouges lança nos anos 1791 a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã em plena Revolução Francesa, temos um marco na luta das mulheres por direitos e principalmente por direitos políticos e de ocupação dos espaços de poder. Séculos se passaram e nossa luta continua ainda por esse objetivo.

Nossa persistência gerou resultado, conseguimos a garantia de cotas nas chapas partidárias e o destino de 30% do fundo partidário e eleitoral para as candidaturas femininas.

O projeto de lei 76351/21 do deputado Wellington Fagundes (PT-MT) que prevê ser destinado 30% das cadeiras dos parlamentos nas esferas federal, estaduais e municipais para mulheres é muito importante para nós avançarmos no processo de democratização dos espaços de poder. Também é uma vitória nossa. Afinal, somos 52,5% do eleitorado brasileiro, infelizmente isso não resulta em nossa presença no Congresso Nacional, que é ocupada por 85% de homens e que na sua esmagadora maioria é branca.

Nesse 2022, a lei de cotas eleitorais de gênero completa 26 anos desde a sua implementação no Brasil, e mesmo com sua importância, não consegue romper com essa realidade, somos apenas 15% do parlamento federal. Diante deste cenário é impossível não questionar por quais razões avançamos tão pouco no que tange à ocupação dos espaços de poder. O que é necessário mudar para avançarmos? É neste ponto que necessitamos debruçar a nossa atenção, lançar o nosso olhar para outras questões além das leis.

É de compreensão de todas que para a democracia ser de fato forte é necessário que os espaços de poder sejam ocupados de forma igualitária e plural. Isso infelizmente é uma realidade ainda distante em nosso país. As estruturas patriarcal e racista em que o Brasil foi construído fortalecem essa desigualdade.

Para termos uma ideia, o atual retrato brasileiro revela que embora sejamos a maioria do eleitorado 52,49%, segundo o mais recente levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não chegamos nem a 20% de representantes. Tendo como exemplo comparativo as eleições de 1994, quando as mulheres alcançaram aproximadamente 7% das cadeiras na Câmara dos Deputados e no Senado, nos dias atuais temos 15% dos assentos. Isso nos coloca atrás de países como Afeganistão e Arábia Saudita.

Se ampliarmos a comparação levando em conta a média global, segundo dados do Mapa da Situação das Mulheres na Política lançado pela a ONU em 2020, não deixa dúvidas que a nossa situação é muito ruim. Entre os 193 países do mundo, o Brasil ocupa a posição de 140ª, no que se refere a mulheres na política, em especial, olhando para a Câmara dos Deputados.

Quando se trata dos municípios o quantitativo é ainda pior, em 1997 somente 5,5% das prefeituras eram comandadas por mulheres, atualmente são apenas 11,9%. Nas Câmaras Municipais, o número de vereadoras passou de 11,1% para 13,5%.

Se fosse uma corrida, a entrada das mulheres na política do Brasil não só acontece em desvantagem, porque largam muitas voltas atrás, como também enfrentam muitas barreiras e obstáculos.

E reafirmando, nós mulheres somos mais da metade de filiadas a partidos políticos no Brasil, mais da metade da população, mães da outra metade. Isso significa que nós estamos em muitos lugares, mas não estamos nos espaços em que as principais decisões do país estão sendo tomadas.

É preciso dizer que isso não é por falta de preparo, de desejo ou competência, ao contrário, segundo o Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDG), divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), as mulheres estudam mais, porém possuem renda 41,5% menor que os homens. E um novo dado evidenciado na pandemia da Covid-19 é ainda mais preocupante, de acordo com o Dieese, em tempos de crise, as mulheres foram as últimas a conquistar uma vaga de emprego e as primeiras a serem demitidas.

Portanto, fica claro que não teremos avanços significativos se não mudarmos a nossa estrutura patriarcal, e para isso precisamos pautar de forma séria ferramentas necessárias para combater o machismo e a misoginia.

Toda estrutura machista do nosso país afasta nós mulheres dos espaços políticos e de poder. Somos o tempo todo desencorajadas a ocupá-los, seja por sofrer qualquer tipo de violência verbal ou física, situações que nos expõe a assédios e ameaças, ou por falta de tempo, pois estamos sempre desempenhando diversos papéis, mãe, dona de casa, profissional, em jornadas exaustivas, e que de fato nos retira o tempo para ocupar também esse importante lugar. E sobre isso posso falar com propriedade.

Quando fui chamada para liderar o projeto do Partido dos Trabalhadores (PT) como candidata a prefeita em Camaçari, 4ª maior cidade da Bahia, desempenhava todos esses papéis, mas sabia que não podia recusar, e junto com um coletivo obtive 53 mil votos. Dei conta do recado, fui guerreira como é toda mulher, contudo não é para ser sofrido assim, pois não é assim para os homens, e não deve ser para nós mulheres.

Diante dessa realidade temos de atacar o real problema que coloca o Brasil ainda muito distante do objetivo de paridade política, Para efeito de comparação, nossa vizinha Argentina atingiu esse objetivo em 2017. As estruturas machistas do país nos impedem de consolidar nossa democracia. Nesse sentido, um processo de mudança cultural precisa ser fortalecido, através da educação e de políticas públicas que tenham como princípio o empoderamento das mulheres e o fortalecimento da igualdade de gênero.

Falar em uma mudança cultural e de uma educação de gênero no atual cenário político do país parece utópico, mas muitas de nossas conquistas eram tidas como utópicas e nem por isso deixamos de lutar. Sei que tivemos muitas perdas desde do golpe sofrido pela presidenta Dilma, golpe que teve em sua face o machismo e a misoginia. Esse projeto que ataca todas as minorias e o povo mais sofrido desse país seguiu seu curso quando prendeu o melhor presidente que tivemos, Luiz Inácio Lula da Silva, e entregou o Brasil nas mãos do fascismo. É óbvio que essa conjuntura política, retira dos espaços de poder nós mulheres e fortalece o machismo. Por isso, é urgente que o projeto que mais fez políticas públicas para nós mulheres retorne ao governo. Eleger o presidente Lula é fazer a utopia dos sonhos da igualdade de gênero se tornar real.

É necessário ainda que nós mulheres ajudemos a fortalecer outras mulheres a ocupar esse espaço de poder, pois precisamos de pessoas comprometidas com políticas públicas que combatam o machismo e fortaleçam a luta pela paridade. É preciso lembrar que existem candidaturas femininas que infelizmente ainda compactuam com projetos que nos enfraquece, e por essa razão não podem nos representar.

Temos uma caminhada longa e árdua, e o ano que se inicia é crucial para nossa luta. Derrubar esse governo perverso, que nos mata e enfraquece é uma necessidade urgente para todas. Sou uma eterna otimista, e sonho que nós mulheres iremos ocupar, com paridade todos os espaços que assim desejarmos. A transformação desse sonho passa por este ano, por isso desejo a todas as companheiras e companheiros força, pois é tempo de esperançar.

Ivoneide Caetano é advogada ambientalista, administradora com pós-graduação em gestão pública, hoje ocupa o cargo de Superintendente de Assuntos Parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia

Por um mundo livre do machismo, do racismo e do capitalismo

Um dos ensinamentos que aprendi fazendo educação popular e lendo Paulo Freire na Universidade é que a luta precisa ser feita na teoria e na prática, na ação e na reflexão. É fazendo essas duas coisas que a gente consegue avançar e chegar mais perto de um novo mundo que a gente tanto sonha em chegar. Um mundo livre do machismo, do racismo e do capitalismo, onde todas as mulheres poderão viver livre das violências e exercer plenamente os nossos direitos.

A luta das mulheres proporcionou que chegássemos na atual situação, em um tempo em que as mulheres podem estudar, trabalhar, votar e ser votadas, mas ainda há uma longa caminhada para que todas as mulheres possam de fato exercer esses direitos de forma plena. É preciso que tenhamos condições dignas de trabalho e de concluir os estudos, inclusive na maternidade. E para que as mulheres tenham condições de participar da vida política, um ambiente político e social livre de ameaças, de xingamentos machistas e de assédio, livre de violência e de feminicídio, precisa ser construído.

Desde o golpe contra Dilma, e em especial a partir do início do governo Bolsonaro em 2019, as coisas pioraram muito. Atravessamos dois anos sob uma pandemia e sob governo genocida; a vida das trabalhadoras piorou ainda mais nesse período – o abismo da desigualdade de gênero se ampliou, o desemprego cresceu, a fome voltou, a sobrecarga com tarefas domésticas e a violência dentro de casa se intensificaram em tempos de isolamento, a saúde mental ficou ainda mais fragilizada; em todo o país, o cenário é de desmontes das políticas sociais: além de diminuir o orçamento, o governo Bolsonaro simplesmente não aplicou um terço do recursos que foram previstos para políticas das mulheres, em cada ano, de 2019 pra cá! Além disso, a pandemia vem sendo usada como pretexto para legitimar os desmontes e negar uma série de direitos: demissões, despejos, negativas em abrigos, em atendimento nos equipamentos sociais, no direito ao parto humanizado, entre outros.

O conservadorismo é parte do projeto ultraliberal. Sua ascensão é extremamente prejudicial à vida das mulheres e é um tremendo engano acreditar que é possível separar os efeitos do avanço do conservadorismo e do ultraliberalismo, como se não estivessem intimamente ligados. O avanço das pautas conservadoras serve diretamente à agenda ultraliberal de congelamento de salários e de cortes no orçamento de políticas para a classe trabalhadora, o que atinge de forma ainda mais pesada as mulheres, que são a parcela mais precária da classe. É exatamente isso que estamos vendo acontecer, por exemplo, na política de saúde sexual e reprodutiva: uma queda significativa dos serviços, colocando em risco a vida e a saúde das mulheres. Também é possível citar, como exemplo, os desmontes que o governo Bolsonaro vem fazendo na educação, cortando recurso das creches, escolas e universidades, enquanto defende a educação domiciliar, que nada mais é do que mais uma tarefa doméstica para as mulheres, não remunerada, e menos uma obrigação para o Estado. Ou seja, mais um trabalho gratuito para ser apropriado pelo capitalismo. Enquanto isso, seguem se multiplicando no Congresso Nacional os projetos de lei que querem acabar com o direito ao aborto legal, além das medidas do governo Bolsonaro para dificultar o acesso a este direito desde já, como a portaria que exigia boletim de ocorrência e realização de ultrassonografia para constranger a mulher que foi vítima de um estupro, por exemplo, a não interromper a gravidez.

Por tudo isso, é fundamental que tenhamos mais mulheres nos espaços de poder. Não quaisquer mulheres, mas mulheres dispostas a defender pautas que afrontam o conservadorismo e o ultraliberalismo, e que concretamente irão contribuir para alterar a condição de vida das mulheres trabalhadoras, que são em sua maioria pobres, negras, moradoras das periferias, mães, que de uma forma geral ocupam os postos de trabalho mais precários e informais e são usuárias das políticas sociais relacionadas à saúde, assistência, moradia, além das tarefas de cuidado que acumulam.

O ano de 2022 é fundamental neste sentido. A possibilidade de elegermos Lula presidente novamente abre um momento de desafios imensos para as mulheres que estão construindo processos de luta e organização para avançar na batalha contra o conservadorismo e o ultraliberalismo. Para tanto, as mobilizações do 8 de Março, a organização de comitês populares de luta, a construção de candidaturas de mulheres de esquerda e petistas, são tarefas fundamentais para acumular rumo a uma vitória política e eleitoral que nos coloque novamente no governo e que amplie nossos instrumentos para travar as disputas pelo poder tão necessárias para alterar a situação de vida das mulheres trabalhadoras brasileiras.

Natália Bonavides é deputada federal pelo PT-RN

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